Benefici�rio do programa Devolve ICMS, do Rio Grande do Sul, recebe seu cart�o com o cr�dito para consumo
A reforma que o governo de Luiz In�cio Lula da Silva deseja aprovar no Congresso neste ano busca simplificar o sistema tribut�rio, unificando diversos tributos que hoje s�o cobrados sobre a produ��o e a comercializa��o de produtos e servi�os.
A proposta, que pode aumentar a produtividade da economia e alavancar o crescimento, � debatida h� d�cadas no pa�s. Ela tem enfrentado dificuldades para sair do papel porque impacta interesses de diferentes setores econ�micos e mexe na arrecada��o da Uni�o e de Estados e munic�pios, demandando ampla negocia��o.
Al�m da simplifica��o do sistema, o governo defende tamb�m a cria��o de um mecanismo que devolveria aos mais pobres o imposto cobrado sobre seu consumo, medida que contribuiria para reduzir a elevada desigualdade de renda no pa�s.
A ideia � que essa devolu��o substitua desonera��es que hoje beneficiam toda a popula��o, sem distin��o entre ricos e pobres, como o caso da cesta b�sica.
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"Significa que os mais ricos v�o ser prejudicados? N�o, eles ser�o menos beneficiados do que os mais pobres", disse o secret�rio da Reforma Tribut�ria do Minist�rio da Fazenda, Bernard Appy, em fevereiro, durante evento do banco BTG, ao defender a devolu��o de impostos.
Segundo a especialista em quest�es tribut�rias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canad�, hoje h� um consenso de que esse modelo – que substitui a desonera��o de produtos como cesta b�sica por desonera��o de pessoas – � mais justo.
"H� um duplo benef�cio: n�o s� o pobre deixa de pagar o imposto sobre produtos essenciais, porque esse imposto vai ser devolvido, mas tamb�m a fam�lia mais pobre vai ser beneficiada porque o governo est� arrecadando mais riqueza de quem tem mais capacidade para pagar tributo e vai aplicar esse dinheiro para pol�ticas p�blicas que geralmente se revertem para os mais pobres", ressalta.

"Ricos ser�o menos beneficiados do que os mais pobres", afirma Appy
Ag�ncia C�maraRio Grande do Sul passou a devolver ICMS em 2021
Segundo estudiosos do assunto, adotar a devolu��o para os mais pobres n�o seria algo complexo, pois o pa�s j� conta com um sistema de cobran�a de impostos bem informatizado e com um amplo cadastro nacional de fam�lias de menor renda, o Cadastro �nico (Cad�nico), que serve de refer�ncia para programas sociais, como o Bolsa Fam�lia.
Uma iniciativa pioneira que devolve parte do ICMS �s fam�lias mais pobres foi adotada pelo Rio Grande do Sul em 2021 e tem servido de inspira��o para a proposta nacional.O Minist�rio da Fazenda estuda tamb�m experi�ncias internacionais, como a devolu��o de impostos adotada no Uruguai, na Col�mbia e no Canad�.
No caso do Rio Grande do Sul, o Devolve ICMS j� distribuiu R$ 278 milh�es desde seu in�cio e hoje atende cerca de 600 mil fam�lias ga�chas inscritas no Cad�nico ou que tenham um dependente na rede estadual de ensino m�dio.
Essas fam�lias, que devem ter renda total de at� tr�s sal�rios m�nimos ou renda m�dia por pessoa inferior a meio sal�rio m�nimo, recebem trimestralmente por meio de um cart�o o valor fixo de R$ 100, como devolu��o do imposto. H� tamb�m uma parcela vari�vel paga �quelas que solicitam inclus�o do CPF na nota fiscal, a depender do valor consumido. No �ltimo trimestre, essa parcela extra foi de cerca de R$ 28 em m�dia por fam�lia.
"A grande virtude do programa (do Rio Grande do Sul) � mostrar que a devolu��o � fact�vel. Vejo ainda muitos questionamentos dizendo que seria dif�cil devolver impostos, mas temos instrumentos e tecnologia suficiente para fazer isso no Brasil", disse � reportagem Giovani Padilha, auditor Fiscal da Receita ga�cha e autor da tese de doutorado que gerou a cria��o do Devolve ICMS.

Cart�o do Devolve ICMS � aceito em mais de 140 mil estabelecimentos ga�chos, como supermercados e farm�cias
Divulga��o Devolve ICMSComo a devolu��o est� prevista na reforma?
O principal objetivo da reforma tribut�ria � simplificar o sistema. H� duas alternativas principais j� em an�lise no Congresso, ambas propostas de emenda constitucional (PEC).
A PEC 45 prev� unificar cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) no Imposto sobre Bens e Servi�os (IBS), que funcionaria como um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), comum em pa�ses desenvolvidos. Esse modelo evita o ac�mulo de tributos ao longo da cadeia produtiva.
J� a PEC 110 previa originalmente unificar nove impostos, mas sua �ltima vers�o � mais modesta. Ela sugere um IVA duplo: o IBS substituiria apenas o ICMS (impostos estadual) e o ISS (impostos municipal). J� a Contribui��o sobre Bens e Servi�os (CBS) unificaria Cofins e PIS (impostos federais).
As duas PECs j� preveem a possibilidade de adotar a devolu��o de parte dos impostos aos mais pobres. A PEC 110 prev� que o retorno do tributo ser� criado por meio de uma lei complementar. J� a PEC 45 estabelece que o IBS ter� um adicional em sua al�quota para custear esse programa.
Uma simula��o feita por professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para estimar o impacto da devolu��o de impostos aos mais pobres, por exemplo, estipulou que a al�quota b�sica do IBS seria de 24,19% num cen�rio sem devolu��o. Esse seria o patamar necess�rio para manter a mesma arrecada��o dos cinco impostos que seriam unificados.
J� no cen�rio com devolu��o haveria uma al�quota um pouco maior, que foi fixada em 24,55% na simula��o (saiba mais ao longo da reportagem).
Os autores da simula��o — que n�o corresponde necessariamente ao que ser� aprovado no Congresso — s�o os economistas Edson Domingues e D�bora Freire, que hoje est� na equipe do Minist�rio da Fazenda como subsecret�ria de pol�tica fiscal.
O governo n�o enviar� ao Parlamento uma nova proposta de reforma tribut�ria. O objetivo � coordenar as negocia��es em cima dessas duas PECs j� em tramita��o para chegar a um desenho final que tenha apoio para ser aprovado.
A previs�o atual do grupo de trabalho criado na C�mara para analisar o tema � que a reforma esteja pronta para ser votada em plen�rio em maio.
Qual seria o impacto no bolso dos brasileiros?
Especialistas dizem que apenas a unifica��o de impostos, sem a devolu��o aos mais pobres, j� teria o impacto de beneficiar os grupos de menor renda.
De modo geral, a forma como a produ��o e o consumo s�o tributados hoje implica numa carga maior sobre as fam�lias mais pobres.
Isso porque atualmente o consumo de bens tem carga tribut�ria maior que o de servi�os. E os brasileiros de menor renda concentram seu consumo mais em itens b�sicos, enquanto aqueles com mais dinheiro conseguem consumir mais servi�os, como jantar em um restaurante ou ir a um show pago.
A simplifica��o do sistema tribut�rio com a unifica��o de impostos deve reduzir esse problema, porque, de modo geral, tende a reduzir a carga tribut�ria sobre a produ��o de bens pela ind�stria e elevar a que incide sobre o setor de servi�os.
Mas o impacto na redu��o da desigualdade ser� bem maior caso haja a devolu��o de impostos.
E o impacto para cada grupo de renda vai depender do que de fato for aprovado e implementado: por exemplo, qual ser� a al�quota do novo imposto, quanto vai ser devolvido, e quais fam�lias ter�o direito.
A simula��o feita por professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) — detalhada no relat�rio Como a devolu��o dos impostos pode ajudar a reduzir a desigualdade no Brasil — indica que o impacto geral dessas duas medidas (unifica��o de impostos mais a devolu��o para os mais pobres) pode elevar em mais de 20% a capacidade de consumo de fam�lias com renda mensal de at� um sal�rio m�nimo (hoje em R$ 1.302).
Os autores consideraram que a devolu��o seria feita para as fam�lias do Cad�nico, no valor m�ximo de R$ 13,22 por pessoa, que corresponde ao arrecadado com itens da cesta b�sica segundo o padr�o de consumo de fam�lias com renda familiar de at� R$ 1.908, de acordo com a Pesquisa de Or�amento Familiar do IBGE de 2017/2018.
Nessa simula��o, fam�lias com renda per capita mensal de at� R$ 178 receberiam o valor teto (R$ 13,22 por pessoa). J� fam�lias com renda familiar per capita de at� meio sal�rio m�nimo teriam benef�cio de 75% do valor teto (R$ 9,25 por pessoa). Enquanto as de renda per capita acima de meio sal�rio m�nimo receberiam 35% do valor teto (R$ 4,63 por pessoa).
No total, R$ 9,8 bilh�es seriam devolvidos no ano para 72,3 milh�es de pessoas.
Por outro lado, a simula��o indica que as duas medidas juntas tenderiam a reduzir um pouco a capacidade de consumo de fam�lias com renda a partir de quinze sal�rios m�nimos (hoje em R$ 19.530).
J� as fam�lias com renda intermedi�ria, teriam um ganho de capacidade de consumo mais modesto (menos de 5%), que seria menor quanto maior fosse a renda.

Gr�fico mostra resultados da simula��o realizada pelos professores da UFMG, para o IBS (sem devolu��o) e IBS-P (com devolu��o aos mais pobres)
Divulga��oEssa simula��o, no entanto, n�o leva em conta o ganho de produtividade esperado para a economia com a simplifica��o do sistema tribut�rio.
Uma proje��o do economista da FGV Br�ulio Borges indica que uma reforma tribut�ria nos moldes da PEC 45 poderia elevar o PIB potencial brasileiro em 20% em 15 anos.
Outras proje��es menos otimistas indicam que o impacto no PIB no longo prazo, isto �, quando todos os ganhos da reforma forem absorvidos pela economia, seria de ao menos 12%, ressalta Debora Freire.
"O pequeno efeito de queda no consumo dos mais ricos, dado pelos impactos de realoca��o (da carga tribut�ria) com a mudan�a de base tribut�ria e al�quotas, seria mais que compensados pelo efeito expressivo no crescimento", afirmou � reportagem.
"Principalmente porque a renda dos mais ricos sofre impacto importante do crescimento. Haja vista que a distribui��o de renda � muito concentrada no Brasil, quem apropria a maior parte do crescimento s�o os mais ricos", refor�ou a economista.
Como o sistema tribut�rio pune os mais pobres

Desonera��o da cesta b�sica n�o reduz desigualdade, dizem economistas
Ag�ncia BrasilHoje, o sistema tribut�rio brasileiro � bastante regressivo, ou seja, pesa proporcionalmente mais sobre aqueles que ganham menos. Isso acontece por diversos motivos. Um deles � que o Brasil tributa mais consumo do que renda e patrim�nio.
Como os mais pobres t�m baix�ssima capacidade de poupan�a, seu dinheiro costuma ser usado integralmente em consumo. J� os mais ricos conseguem guardar parte do seu dinheiro e constituir patrim�nio, pagando proporcionalmente menos de sua renda em imposto.
A reforma que unifica impostos n�o vai impactar essa quest�o, mas outras medidas em estudo no governo, como passar a taxar lucros e dividendos distribu�dos pelas empresas a acionistas, aumentariam a carga tribut�ria sobre os mais ricos.
Por outro lado, a promessa de campanha de Lula de isentar o imposto de renda de pessoas que ganham at� R$ 5 mil � controversa, pois beneficiaria um segmento de renda relativamente alta no pa�s. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), o rendimento domiciliar per capta brasileiro � de apenas em R$ 1.625 (dado de 2022).
Outro fator que torna o sistema regressivo, j� citado, � o modo como a produ��o e o consumo s�o tributados, com carga mais elevada sobre ind�stria e mais leve sobre servi�os.
Um terceiro fator s�o desonera��es (descontos de tributos) que favorecem em especial as pessoas mais ricas, como a restitui��o de imposto de renda sobre gastos particulares em sa�de e educa��o.
At� mesmo desonera��es que foram adotadas para favorecer os mais pobres, na pr�tica, beneficiam os segmentos de maior renda. � o caso da cesta b�sica.
Segundo o relat�rio dos professores da UFMG, o corte de tributos sobre a cesta b�sica significou uma perda de R$ 18,6 bilh�es em arrecada��o para a Uni�o em 2016 e reduziu em apenas 0,1% o �ndice Gini (indicador que mede a desigualdade de renda).
J� pol�ticas de transfer�ncia de renda, como o Bolsa Fam�lia, reduziram no mesmo ano 1,7% o Gini a um custo de R$ 28 bilh�es.
"Ou seja, o Bolsa Fam�lia foi 12 vezes mais eficiente na redu��o de desigualdades que a desonera��o da cesta b�sica", diz o relat�rio.
Segundo os autores, isso ocorre por dois motivos: "as redu��es (sobre itens da cesta b�sica) beneficiam os produtores, que repassam apenas parte da desonera��o para os pre�os, aumentando a margem de lucro de pessoas que, na sua maioria, pertencem a classes mais ricas; e os estratos de alta renda da popula��o tamb�m consomem produtos b�sicos", sendo beneficiados pela desonera��o pensada para favorecer os mais pobres.
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