Jim Farley, CEO da Ford, ao lado de carro

Jim Farley, CEO da Ford, uma das empresas cujos oper�rios entraram em greve

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�s 23h59 do dia 14 de setembro, cerca de 13 mil trabalhadores de tr�s das maiores montadoras dos EUA entraram em greve.

Ap�s oito semanas de negocia��es entre o sindicato United Auto Workers (UAW) e as empresas General Motors (GM), Ford e Stellantis, os trabalhadores abandonaram o trabalho.

Desde ent�o, milhares de funcion�rios aderiram � greve em 38 locais em 20 Estados. O presidente americano, Joe Biden, demonstrou apoio participando de um piquete nesta ter�a-feira (26/9).

No topo das exig�ncias do UAW est� um aumento salarial de 40% ao longo de quatro anos (esse n�mero foi reduzido para 36% poucos dias depois do in�cio da greve, ap�s negocia��es em curso).

O presidente do sindicato, Shawn Fain, fez com que a dist�ncia entre o CEO e os trabalhadores fosse a principal bandeira da greve.

"Estamos cansados de ficar para tr�s", disse Fain em entrevista ao programa Face the Nation, da CBS.

Ele disse que a dist�ncia entre o CEO e o trabalhador do setor autom�vel reflete a crescente desigualdade econ�mica nos EUA.

"� isso que est� errado com a nossa economia e � isso que est� errado na Am�rica neste momento", disse ele � apresentadora Margaret Brennan.

"A classe bilion�ria continua tirando cada vez mais, e a classe trabalhadora continua ficando para tr�s."

greve colocou os enormes sal�rios dos CEOs americanos no centro das aten��es.

Mary Barra, CEO da GM, ganhou US$ 29 milh�es (R$ 144,7 milh�es) em 2022 – 362 vezes o sal�rio m�dio dos trabalhadores da GM.

No mesmo ano, o CEO da Stellantis, Carlos Tavares, ganhou US$ 24,8 milh�es de d�lares (R$ 123,7 milh�es), ou 365 vezes o sal�rio m�dio do trabalhador; e o CEO da Ford, Jim Farley, ganhou US$ 21 milh�es (R$ 104,8 milh�es), ou 281 vezes o sal�rio m�dio do trabalhador.

A remunera��o dos CEOs nos EUA cresceu 1.322% desde 1978, de acordo com o Instituto de Pol�tica Econ�mica.

Os CEO americanos n�o s� ganham muito mais que a sua for�a de trabalho, como tamb�m ganham mais que os seus pares em outros pa�ses.


Trabalhadores da indústria automobilística em greve em Belleville, Michigan

Trabalhadores da ind�stria automobil�stica dos EUA est�o em greve

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No Jap�o – onde ficam as sedes de empresas como Toyota, Nissan, Mitsubishi e Honda –, os CEO dos fabricantes de autom�veis japoneses recebem muito menos do que os americanos.

Akio Toyoda, o ex-CEO da Toyota (o maior empregador do pa�s), recebeu 999 milh�es de ienes (R$ 33,4 milh�es) em 2022. O CEO da Honda, Toshihiro Mibe, recebeu 348 milh�es de ienes (R$ 11,6 milh�es) em 2022, e o CEO da Nissan, Makoto Uchida, ganhou 673 milh�es ienes (R$ 22,5 milh�es).

O mesmo acontece na Europa. No Reino Unido, o CEO da Aston Martin, Amedeo Felisa, recebeu 756 mil libras esterlinas (R$ 4,5 milh�es) por seus oito meses no cargo, depois de assumir o cargo em maio de 2022.

E na Alemanha, Oliver Zipse, CEO da BMW, ganhou 5,3 milh�es de euros (R$ 27,2 milh�es) em 2022. Ola K�llenius, CEO do Grupo Mercedes-Benz, ganhou 7,1 milh�es de euros (R$ 37,4 milh�es) no mesmo ano.

Oliver Blume, presidente do conselho de administra��o da Porsche, ganhou 7,4 milh�es de euros (R$ 39 milh�es). Blume � chefe da Porsche e, desde 1º de setembro do ano passado, tamb�m chefe da controladora Grupo Volkswagen.

Existem v�rias raz�es pelas quais os executivos americanos ganham mais – e os padr�es dos EUA est�o come�ando a se repetir em outros pa�ses. Os trabalhadores em greve podem mudar isso?

Uma estrutura salarial diferente

Os CEOs do setor automotivo americano ganham muito – assim como os funcion�rios de alto escal�o de muitos setores nos EUA.

Globalmente, o sal�rio base dos executivos-chefes das empresas � algo compar�vel.

No entanto, o tamanho da remunera��o vari�vel � totalmente diferente – e � uma das raz�es pelas quais os CEOs dos EUA ganham muito mais do que muitos executivos em outros pa�ses.

No Jap�o, por exemplo, a remunera��o � dividida de forma mais ou menos equitativa entre sal�rio, incentivos de curto prazo e incentivos de longo prazo.

E embora os CEOs no Reino Unido, na Alemanha e na Fran�a ganhem mais do que os seus colegas japoneses – por vezes em mais de 100% – a sua remunera��o � repartida de forma semelhante, com o sal�rio base representando cerca de um quarto da remunera��o total, de acordo com uma an�lise de 2023 da empresa de consultoria Willis Towers Watson (WTW).

Comparativamente, por�m, o sal�rio tem um papel pequeno na remunera��o dos CEOs dos EUA. Por exemplo, em 2022, o sal�rio – ou remunera��o fixa – do CEO da Stellantis constituiu apenas 9% da sua renda de U$ 24,9 milh�es no ano.

Assim, em vez de um sal�rio elevado, os pacotes salariais para executivos nos EUA geralmente incluem incentivos muito maiores a curto e longo prazo – como b�nus e op��es de a��es – de acordo com a WTW.

Na verdade, para o CEO da Stellantis, o restante da sua remunera��o – ou remunera��o vari�vel – foi atribu�do em benef�cios adicionais, a��es e uma aposentadoria garantida.

Seus ganhos totais em cada categoria variam a cada ano, e sua remunera��o total depende da rentabilidade da empresa para seus acionistas.

A maior parte da remunera��o dos CEOs dos EUA – por vezes 90% ou mais – est� ligada ao desempenho. Para executivos de todos os setores, � medida que a empresa ganha mais dinheiro, seus ganhos aumentam.

A remunera��o baseada no desempenho visa incentivar os CEO a tornar um neg�cio o mais produtivo poss�vel, maximizando as vantagens para os acionistas.

No entanto, nem todos acreditam que quem est� no topo � o que realmente impulsiona a rentabilidade.

Entre outros, o Economic Policy Institute critica esta teoria, argumentando que a sorte � um fator mais determinante do sucesso empresarial do que a perspic�cia do CEO. Al�m disso, os funcion�rios raramente colhem os benef�cios na mesma propor��o que os seus executivos.

A vis�o do exterior

H� tamb�m factores culturais que resultam em sal�rios extremamente elevados, diz Joseph Foudy, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, que estuda governan�a corporativa e a ind�stria automotiva.

Por exemplo, os EUA s�o geralmente muito pr�-mercado, diz ele, e apreciam a ideia de mobilidade ascendente. E grandes a��es de empresas cotadas na bolsa pertencem a v�rios acionistas, e n�o a entidades individuais, de forma que os CEOs est�o menos dependentes de uma �nica unidade poderosa que os possa substituir.

Al�m disso, nos EUA, n�o existem mecanismos legais para controlar a remunera��o dos CEOs. Embora haja algumas exce��es, a maioria dos pa�ses tamb�m n�o possui leis que limitem os sal�rios dos executivos. No entanto, no exterior, a compensa��o permanece comparativamente limitada.


O CEO da Honda, Toshihiro Mibe

O CEO da Honda, Toshihiro Mibe, recebeu R$ 11,6 milh�es em 2022

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Foudy cita o Jap�o, onde os pr�prios executivos da empresa t�m assento nos conselhos que controlam a remunera��o. N�o h� nada que impe�a estes executivos de aumentarem os seus pr�prios sal�rios, mas geralmente eles n�o o fazem.

Ele diz que isso ocorre em grande parte porque "a principal restri��o [� remunera��o dos CEOs] na maioria dos outros pa�ses n�o � legal. � uma norma. � a sensa��o de que haveria uma rea��o negativa dos acionistas, dos bancos, dos reguladores governamentais que fazem neg�cios".

O CEO da Stellantis, Tavares, sofreu este tipo de rev�s cultural quando se candidatou a um aumento salarial em 2022. Os investidores franceses fizeram tanto barulho que a compensa��o proposta foi rejeitada numa vota��o n�o vinculativa.

Como afirmou um investidor: "Ser� esta remunera��o extremamente elevada socialmente justificada quando o grupo ter� provavelmente de enfrentar uma reestrutura��o massiva com cortes de empregos devido ao excesso de capacidade de produ��o e � duplica��o ap�s a fus�o?". Em 2023, no entanto, os acionistas na assembleia geral anual votaram finalmente pela aprova��o da remunera��o de Tavares.

No entanto, alguns pa�ses t�m caminhado lentamente para um modelo de remunera��o dos CEOs que se assemelha ao modo como muitos executivos s�o pagos nos EUA

� o caso do Jap�o, onde a estrutura de remunera��o dos CEO tem mudado desde 2015, quando as altera��es no c�digo de governan�a corporativa incentivaram as empresas a adotar estruturas de remunera��o baseadas no desempenho. De acordo com a an�lise da WTW, 2015 marcou uma acelera��o na remunera��o dos executivos.

“O Jap�o est� observando uma discuss�o acalorada sobre como conseguir um aumento salarial sustentado e estrutural para os funcion�rios”, diz Sumio Morita da WTW. Segundo ele, isso inclui a extens�o de incentivos de longo prazo aos gestores seniores abaixo do n�vel executivo.

Em outras palavras, est�o avan�ando para um modelo em que o seu sal�rio base representa uma percentagem menor da remunera��o e a maior parte do seu potencial de ganhos est� atrelada ao lucro.

Em 2022, a remunera��o dos executivos mais do que duplicou em rela��o � m�dia de 2009. De acordo com a an�lise da WTW, os sal�rios dos CEOs no Jap�o aumentaram 35,5% no ano passado.

Um efeito global

� medida que os sal�rios dos executivos continuam a crescer em todo o mundo, os grevistas procuram diminuir a lacuna entre os sal�rios dos CEO e dos trabalhadores na ind�stria automotiva dos EUA. Um sindicato forte e ativo, como o UAW, pode ser fundamental para alcan�ar esse objectivo.

“Em geral, a financeiriza��o das economias desde a d�cada de 1980 e a diminui��o da for�a dos sindicatos s�o uma grande parte da raz�o pela qual as lacunas salariais entre CEO e trabalhadores aumentaram tanto a n�vel global entre as d�cadas de 1980 e 2000”, diz Andrew Speke, do High Pay Centre, um think tank do Reino Unido que pesquisa governan�a corporativa.

“Os pa�ses onde existe uma regulamenta��o mais forte das empresas e da governan�a corporativa em particular, e onde existe uma maior densidade sindical tendem a ter diferen�as salariais mais baixas.”

Speke acredita que o resultado desta greve poder� ter implica��es globais. “Os EUA ainda s�o o pa�s mais influente do mundo, especialmente entre as economias liberais-democr�ticas e desenvolvidas. O que tiver sucesso nos EUA pode funcionar tanto como modelo como como inspira��o para movimentos trabalhistas em outras partes do mundo”, diz ele. “Talvez de uma perspectiva macro, possa representar uma mudan�a nas rela��es entre trabalho e capital de forma mais geral.”