11/10/2023 Cr�dito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Bras�lia - DF - Entrevista com o Ministro do Trabalho Luiz Marinho.
Forjado no sindicalismo do ABC Paulista antes de ingressar na carreira pol�tica, o ministro Luiz Marinho deixa claras suas convic��es em defesa do trabalhador. Aos 64 anos, ele volta a assumir um posto na Esplanada com a inten��o de recolocar o Estado como figura importante na interlocu��o entre empregadores e empregados. Marinho � cr�tico mordaz de teses do neoliberalismo e de fen�menos como a uberiza��o, considerada por ele nada mais do que uma forma de explora��o de m�o de obra.
Por essa raz�o, considera importante — e se diz otimista — com a negocia��o entre empresas e trabalhadores de aplicativos. Petista “raiz”, Marinho � deputado federal licenciado e ex-prefeito de S�o Bernardo do Campo (SP). Afirma que o minist�rio tem a miss�o de impedir abusos, e n�o de perseguir empresas. Guarda, por�m, s�rias ressalvas ao empresariado nacional. Acredita que parte dele mant�m uma “vis�o escravagista”, que precisa ser superada. E � implac�vel com o “desgoverno” Bolsonaro. Considera, por exemplo, um “crime” a transfer�ncia de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a Previd�ncia Social.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O Brasil tem condi��es de estabelecer uma semana de quatro dias?
Quais partes?
Trabalhadores e empregadores. N�o ser� uma a��o do governo que vai encaminhar para o Congresso. Isso � uma a��o t�pica da sociedade, no di�logo com o Parlamento. Foi assim em 1988, na Constituinte, quando a sociedade se manifestou sobre a necessidade de redu��o da jornada de trabalho, e o Congresso, ent�o, aprovou a PEC de redu��o de 48 horas para 44 horas semanais, que � jornada m�xima no Brasil hoje.
J� existem empresas em fases de testes...
Sim. Tem empresas do Brasil testando essa experi�ncia, porque acham que pode agregar valor no ambiente de trabalho. Um ambiente de trabalho acolhedor evita doen�as mentais, estresse, acidentes, porque h� uma aten��o melhor das pessoas em rela��o �s suas atividades. O acidente � propiciado pela eventual m� condi��o dos equipamentos e de falha humana. Quando se juntam os dois, a combina��o � “imperfeita”. Por isso, ter pessoas que se sintam bem no trabalho � o melhor dos mundos para a produtividade, para a qualidade, para a rela��o com a fam�lia.
A discuss�o sobre a jornada pode avan�ar neste ano?
Neste ano, ainda n�o. As centrais e as confedera��es empresariais est�o, neste momento, debru�adas sobre dilemas causados pelo desgoverno que passou recentemente, que criou uma bagun�a e uma inseguran�a jur�dica nas rela��es de trabalho. Eles est�o focados nisso. Existe um grupo tripartite para o fortalecimento, a retomada e a valoriza��o do instrumento da negocia��o coletiva. Na sequ�ncia disso, podem aparecer v�rios temas, entre eles, o debate da jornada de trabalho.
O que j� deu para o minist�rio fazer em rela��o a essa “bagun�a”?
N�s estamos reconstruindo literalmente o minist�rio nos territ�rios. H� a necessidade de concursos. Temos um primeiro certame aprovado pelos auditores, estamos reorganizando contratos de presta��o de servi�os. H� uma necessidade grande de se estruturar melhor a pasta. N�s pegamos, l� na ponta, um conjunto de ger�ncias com dois servidores ou um servidor. Temos que nos reorganizar, e isso passa por concursos e contrata��o de terceiros.
O concurso da pasta j� autorizado tem um dos maiores volumes de vagas, umas 900, correto?
Sim. � o segundo maior volume de vagas. O primeiro acho que � o do MGI (Minist�rio da Gest�o e da Inova��o em Servi�os P�blicos, criado pelo atual governo).
O minist�rio estava desmontado?
Desmontado? N�o existia. Chegou a ser fechado e passou a ser uma secretaria do Minist�rio da Economia. E a retomada da pasta s� aconteceu para darem cargo para o Onyx (Lorenzoni). Agora, estamos trabalhando no processo de reorganizar a m�quina do minist�rio. Para isso, temos um novo concurso, uma retomada de um olhar criterioso nas fiscaliza��es. Os n�meros de trabalho an�logo � escravid�o e de explora��o de m�o de obra infantil falam por si.
Desde o in�cio do ano, temos contabilizados resgates de 2.539 pessoas em trabalho an�logo � escravid�o. E, no trabalho de explora��o de m�o de obra infantil, deve estar em torno de 1.700. O presidente Lula sancionou uma lei que determina obrigatoriamente a igualdade salarial entre homens e mulheres.
Como o senhor v� essa quest�o no mundo do trabalho?
Eu vejo com tristeza a necessidade de ter uma lei que obrigue tratamento igual para as mulheres. Isso deveria ser natural�ssimo. Infelizmente, n�o �.
Haver� fiscaliza��o em rela��o a esse ponto?
Estamos trabalhando aqui no Minist�rio do Trabalho, que � respons�vel por isso. Vamos ter um grupo interministerial, que est� em forma��o. Vamos decidir em que periodicidade vamos soltar os relat�rios. Esses relat�rios, seguramente, cuidar�o da sensibiliza��o das empresas. Eu tenho dito aqui para os nossos t�cnicos que a nossa miss�o n�o � autuar a empresa. N�o � resgatar trabalhadores em condi��es de trabalho an�logas � escravid�o ou de explora��o de m�o de obra infantil. A nossa miss�o � evitar que isso aconte�a.
Isso � suficiente para mudar a realidade?
� preciso construir um movimento na sociedade, um envolvimento com o mercado, com os meios de comunica��o, com as universidades, com as prefeituras, os estados e com os sindicatos de trabalhadores, de empregadores e com as confedera��es de trabalhadores e de empregadores. � preciso a constru��o de pactos que busquem essa mensagem. � obriga��o dos empregadores zelar pela qualidade do ambiente de trabalho, respeitar os acordos coletivos, fazer a negocia��o coletiva.
� evidente que o corpo tem um pedacinho mais sens�vel nessa hora, que � o bolso. A autua��o vem para sensibilizar a parte mais sens�vel do corpo da empresa, que � o cofre, por meio da multa, da autua��o. Agora, essa n�o � a inten��o do minist�rio, nem deve ser. Mas se a empresa insistir, depois dos relat�rios, � porque ela quer ser autuada.
� poss�vel identificar os setores com mais dificuldade?
Ainda n�o. Na hora em que esse observat�rio interministerial chancelar o conjunto dos relat�rios, de indicadores de qualidade, creio que no ano que vem, vamos conseguir ter mais claro os setores que eventualmente est�o com mais dificuldade nesse processo. Mas creio que a maturidade da sociedade brasileira, hoje, busca regular isso sem traumas.
E a quest�o de g�nero e de cotas raciais?
Vejo da mesma forma, com tristeza. N�o tinha que ter lei. Se, na sociedade, tem mais de 50% de mulheres do que homens, e se tem mais de 50% de negros e negras, essa presen�a deveria se refletir em todas as atividades econ�micas. Assim como o trans, o LGBT, o ind�gena. Infelizmente, n�o �. Por isso, nasceram as cotas, primeiro, nas universidades, e isso produziu um efeito muito positivo: a presen�a de mais jovens negros nas universidades. Espero que um dia as cotas n�o sejam necess�rias. Mas, neste momento, s�o.
H� iniciativas do minist�rio nesse sentido?
No pr�ximo concurso para as 900 vagas, estou determinando que, al�m da cota das pessoas com defici�ncia — a lei fala em 5% —, seja elevada para 6%. Al�m disso, estamos criando uma cota para as pessoas trans, de 2%. Estamos criando uma cota para quilombolas e ind�genas, de 2%, e elevando a cota racial para 45%. Vamos ter uma �ltima conversa com a ministra Esther Dweck, respons�vel por coordenar os concursos, sobre essas 900 vagas. Espero que transcorra com naturalidade esse processo.
A partir de quando, efetivamente, o pa�s, ou parte dele, vai enxergar essa quest�o com naturalidade?
� dif�cil prever. Espero que esses debates ajudem a produzir efeitos na sociedade, que � a respons�vel, como falei no dia da san��o presidencial da lei do sal�rio igual. Minha mensagem � para os respons�veis em recursos humanos. S�o eles, na hora de selecionar uma das vagas, que podem influenciar na escolha do perfil necess�rio para determinada atividade. E veja que, muitas vezes, s�o mulheres respons�veis pelas �reas de recursos humanos.
A sociedade — homens e mulheres —, muitas vezes, no cargo de chefia, reproduz a vis�o masculina naquela fun��o. N�s temos que oferecer a oportunidade para todos. Espero, estou cheio de esperan�a, que, um dia, a gente possa ver isso com muita naturalidade.
Como o senhor entende as rela��es de trabalho no mundo moderno, com a internet, o home office e tantas coisas novas?
N�s vamos ter que buscar interpretar este momento e criar condi��es. Veja, por exemplo, o trabalhador de aplicativos. O pessoal tem um debate falseado em rela��o � legisla��o trabalhista. Dizem que ela � muito r�gida. Ser�? Se voc� faz o comparativo, ela � um tanto quanto flex�vel. N�o tem essa rigidez que muita gente fala, h� at� um preconceito em rela��o a isso. Mas os trabalhadores aut�nomos podem ou n�o podem ter sindicatos? Hoje, rigorosamente pela lei, n�o podem. Portanto, n�s temos que atualizar para permitir que tenham. Estamos tamb�m com a Uber na mesa, negociando. Foi dif�cil, mas n�o � imposs�vel. D� para fazer. Tem jeito.
E como est�o essas conversas?
Conseguimos montar a comiss�o de trabalhadores. O lado empregador � mais f�cil. Voc� sabe o endere�o e sabe quem s�o as pessoas, e chamamos. E quem � a maior autoridade no processo de negocia��o? Os sindicatos. Ent�o, autorizem-se os sindicatos. Se a rigidez interpretada at� aqui impede, vamos retirar essa rigidez para dar liberdade �s pessoas de se organizarem. Ent�o, acho que tem coisas muito interessantes que v�o acontecer em rela��o a esse mundo moderno a que voc�s se referiram. E isso passa pelo debate da jornada de trabalho que falamos no in�cio da conversa. H� uma revolu��o tecnol�gica que est� acontecendo de forma cont�nua, e n�o � de hoje. Mas tem uma coisa que a inova��o tecnol�gica n�o vai fazer: eliminar o trabalho. O trabalho vai se manter, diferente. Logo, � preciso preservar o trabalho, porque se intelig�ncia artificial eliminar a m�o de obra, o que fazer com as pessoas?
Aparentemente, estamos caminhando para o dilema do s�culo.
Compensa que a tecnologia elimine totalmente o trabalho? Para que eliminar as pessoas do mundo do trabalho? O capital est� se dedicando a quem? As tecnologias s�o para servir a quem? A quem deve servir o processo de transforma��o tecnol�gica? Para 1% dos propriet�rios da maior parte do capital ou para a sociedade? Esse � o debate necess�rio. O presidente Lula falou disso na ONU, falou disso com Joe Biden, e eu tenho reproduzido isso nos f�runs do Mercosul, do Brics, do G20, porque � preciso provocar.
Esse foi o sentido do encontro entre Lula e Biden?
Sim. A iniciativa Brasil-Estados Unidos � provocar para que o mundo reflita sobre o trabalho e suas condi��es. Com todo esse mundo moderno, como ainda pode haver trabalho escravo? Como pode haver explora��o de trabalho infantil? Olha s� a contradi��o que estamos vivendo! A crian�a, o jovem, precisam ser preparados para o mercado de trabalho e, para isso, pressup�e-se que o Estado d� oportunidade ao jovem para que ele possa sair do ensino m�dio, que gradativamente tem que ser transformado em per�odo integral. Nesse ensino m�dio, ele precisa ter a capacita��o profissional. Ele precisa sair de l� profissionalizado para atuar no mercado de trabalho ou para fazer sua universidade ou faculdade.
Voltando � quest�o dos aplicativos, ministro.
A negocia��o est� indo bem. Existe um acordo. N�o posso dar detalhes, mas est� pr�-acordado com as plataformas de transporte de pessoas, as bases para o acordo, que, conceitualmente, est� feito. Resta fazer a reda��o, escrever, e botar no papel. N�o vou anunciar antes. Tendo isso, vou levar ao presidente Lula, a partir da�, a gente anuncia, transforma em projeto de lei e passa a conviver com esse acordo. Esse acordo � no transporte de passageiros. Com os aplicativos dos empregadores, ainda n�o houve acordo. As empresas e os empregadores acham que isso vai destruir o seu modelo de neg�cio.
E vai?
O problema � que muitos que est�o no tal “meu modelo de neg�cio” enxergam o trabalhador como m�o de obra escrava, que tem que trabalhar 18 horas por dia para sustentar a fam�lia. N�s, como sociedade brasileira, vamos aceitar este modelo de neg�cio? Que as pessoas sejam exageradamente exploradas para trazer minha comida quentinha em minutos? N�o acredito que a sociedade deseje um neg�cio desses. Tem que ter trabalho decente. O tema trabalho tem que virar uma refer�ncia para a sociedade debater. Se eu tenho uma diarista em casa, ser� que se ela somar os cinco dias eventuais de di�ria, ela consegue sustentar a fam�lia? Algu�m que queira contratar algu�m diarista tem que fazer essa conta. A diarista vai ter direito, vai ter necessidade de comer, de ir ao cinema, de educar bem seus filhos, de viajar...
Tinha ministro que era contra...
Aquela fala horrorosa, preconceituosa, repressora do ex-ministro Paulo Guedes (da Economia), sobre a “farra” das diaristas e das dom�sticas. Elas t�m direito de ir para Miami. Eu iria para outro lugar. Eu viajaria pelo Brasil mesmo.
V�rios pa�ses, especialmente na �sia, se transformaram em poucas d�cadas. H� chance de um processo como esse ocorrer no Brasil? Onde � preciso investir em primeiro lugar?
Educa��o. Nesses pa�ses que se transformaram, os jovens foram tratados com todo cuidado para se educarem. Essas bases t�m que ser dadas, desde a creche, passando pelo ensino infantil, pelo fundamental, pelo ensino m�dio, que � a grande base. A partir da�, a pessoa toca. N�s ainda n�o chegamos l�. O Brasil ainda n�o criou essas condi��es. � preciso avan�ar em rela��o a isso. Avan�ou no governo Lula, que investiu bastante no ensino superior.
O presidente Lula, sozinho, criou mais vagas em universidades do que a soma de todos antes dele. Precisamos fazer essa revolu��o no ensino m�dio. O ensino m�dio ficou a cargo exclusivo dos estados, inclusive chegando ao absurdo, no governo Fernando Henrique Cardoso, que retirou os institutos. Foi um grande erro, porque o ensino m�dio acabou ficando muito diferente de estado para estado e de regi�o para regi�o. Perdeu-se a unidade federativa.
Fala-se muito na necessidade de investir em ensino t�cnico em detrimento de outras especializa��es. Concorda com essa ideia?
� muita bobagem. A educa��o pressup�e criar cidad�os e cidad�s com vis�o de mundo. E, evidentemente, na educa��o, quando a gente fala em per�odo integral, isso vai agregar mais coisas, inclusive, a quest�o mais t�cnica. Voc� tem que falar do portugu�s, da geografia, das ci�ncias, da forma��o humana, e da hist�ria do Brasil, corrigir a hist�ria do Brasil — porque contaram um monte de mentira por longo per�odo. � preciso formar a pessoa para ela ter uma vis�o de mundo. E tem que dar a ela a oportunidade de ter forma��o t�cnica. Se voc� fizer uma coisa e n�o fizer outra, voc� n�o est� dando uma educa��o completa.
O ensino t�cnico entraria ent�o no ensino m�dio?
Eu acho necess�rio. Com o tempo, a gente vai introduzindo, no ensino m�dio, a forma��o profissional.
O que fazer com a gera��o de jovens nem-nem, que nem estudam nem trabalham?
Isso � uma outra coisa que o neoliberalismo inventou. � nem-nem porque n�o tem oportunidade. A oportunidade � diversa, e tem que dar oportunidade tamb�m para a cultura. Desde o ensino fundamental, em vez de dar quatro horas de aula e depois mand�-lo para casa, voc� pode ter o complemento escolar. Temos que desenvolver para formar melhor e gerar oportunidades.
Quais �reas est�o oferecendo essas oportunidades?
Estamos com uma parceria com a Microsoft para formar 5,5 milh�es de pessoas at� 2026. N�o � s� para o jovem. Evidentemente que o jovem tem muito mais a ver, mas isso tamb�m pode ser para o tiozinho, para o vovozinho, para quem quiser. S� a Microsoft vai fazer isso? Outras empresas tamb�m podem. Isso aqui, na verdade, � uma parceria feita no finalzinho do governo anterior. Quando cheguei, tinha menos de 100 mil pessoas. Hoje, tem mais de 1 milh�o, entre pessoas que fizeram e est�o fazendo os cursos.
Como funciona?
S�o sete trilhas: letramento digital, introdu��o � programa��o, avan�ado em TI, produtividade, profissionalizante, Dynamics 365, educa��o financeira, etc. Isso aqui � uma ferramenta a dist�ncia, mas n�s temos estimulado o pessoal a propor a cria��o de cursos presenciais.
Isso levar� as empresas a contratar?
�s vezes, o pessoal fala: � preciso incentivar a empresa a contratar o jovem. Ora, o que a empresa quer de incentivo para contratar? Subs�dio. Resolve? N�o. N�o resolve porque vai demitir outro trabalhador para contratar aquele que voc� subsidia. Isso � patifaria. Ent�o, o que resolve? N�o tem milagre, � a economia. Se ela est� indo bem, crescendo, gera oportunidades. Em 2003, quando Lula assumiu o primeiro governo, o estoque de trabalhadores contratados no mercado de trabalho n�o chegava a 22 milh�es. N�s chegamos a 2014 com 42 milh�es. Hoje, estamos caminhando para 44 milh�es. Em 2003, o desemprego era, se n�o me engano, de 15,9%. No ABC Paulista, chegou a 25%. Em 2014/2015, o desemprego era 5 ponto alguma coisa. Naquele momento, todo mundo que estava no mercado de trabalho tinha coloca��o. Em todos os n�veis. Faltou m�o de obra.
O que isso tem a ver com os jovens?
O Estado deve oferecer educa��o e qualifica��o ao jovem. N�s estamos buscando fazer. Por outro lado, para gerar emprego, o Estado precisa oferecer projetos de investimento. � o Minha Casa, Minha Vida, o PAC, a moderniza��o de aeroportos, das ferrovias, das rodovias. Isso � o que o Estado deve propiciar junto ao setor privado: � criar condi��es de investimento. � debater na hora correta a transi��o energ�tica. � cuidar da Amaz�nia, cuidar do meio ambiente, cuidar do Cerrado — que est� precisando. � discutir a reindustrializa��o. Veja o debate sobre o complexo industrial da sa�de: por que n�s temos que importar tudo? N�s importamos praticamente tudo.
De 2003 a 2014, o estoque de trabalhadores praticamente dobrou. De 2014 a 2023, estagnou. O que aconteceu?
Aconteceu o golpe (contra Dilma Rousseff). Aconteceu o Bolsonaro, que perdeu muitas oportunidades. Mas n�o foi s� isso.
Como recuperar essa d�cada perdida?
Temos que fazer o que estamos fazendo, as pol�ticas que n�s implementamos. E uma delas passa pela renda. Porque houve tamb�m uma brutal retra��o da renda. N�o tem pa�s desenvolvido com a classe trabalhadora na mis�ria. Tanto � que o Biden fala da import�ncia da classe m�dia, do trabalho, dos trabalhadores bem remunerados, etc. Se a gente embarcar nessa de que est� tudo bem com o iFood, de que est� tudo certo com a uberiza��o, estamos lascados. N�s temos que ter trabalhadores bem remunerados. A m� numera��o n�o gera emprego. Muito pelo contr�rio. Se h� m� remunera��o, a popula��o consome menos. Se consome menos, precisa de menos gente para produzir. E se a produ��o diminui, diminui a compra. Se a empresa n�o vende, diminui a m�o de obra. Demiss�o.
O que � preciso fazer?
Veja a reforma trabalhista, estimulando a hist�ria do custo... Qual � o custo? Voc� tem que ver o custo, claro. Mas n�o do valor da remunera��o do trabalho. Voc� tem que trabalhar a moderniza��o. Por exemplo: estamos fazendo o FGTS digital. As empresas v�o economizar 34 horas em m�dia/m�s para a gest�o do Fundo de Garantia. Calcule 4 milh�es de empregadores vezes 34. Quantas horas d� no ano? Em 10 anos? Isso � modernizar, � discutir custo. Tem que reduzir sal�rios? N�o!
Mas e o custo de contrata��o aqui no Brasil?
Isso � balela. Vai ver quanto custa nos outros pa�ses.
O ex-ministro Paulo Guedes dizia que essa quest�o era destruidora de empregos em massa.
Ele gerou muitos empregos, n�? Muitas conquistas. A �nica coisa que ele fez foi substituir m�o de obra. A empresa demite um que ganha X para contratar um que ganha 70% de X.
Como o senhor enxerga os empres�rios hoje?
Com uma vis�o, em sua grande maioria, muito retr�grada. Com uma vis�o escravagista, em boa parte. E � isso que n�s estamos buscando sensibilizar. Quando teve o resgate de trabalhadores em situa��o an�loga � escravid�o no setor de vinho do Sul, o orgulho ga�cho, eu fui l� pessoalmente. Pedi para chamar os empres�rios. Inicialmente, eles n�o queriam ir.
O que o senhor fez ent�o?
Falei com o portador: liga l� e fala que eu estou aconselhando para eles virem. Porque eu vim para conversar. Se n�o vierem, eu vou considerar uma afronta e vou tomar as medidas que o Estado possa tomar. Eles vieram. Conversamos. E nos entendemos. E eles mudaram totalmente os procedimentos. V�o se tornar exemplo. Esse � o nosso papel: convencer o empres�rio de que ele pode fazer a coisa correta. O papel da fiscaliza��o � este. Para convencer quem n�o quer ser convencido na dor. Mas n�s preferimos convencer no amor. Tem esse pecado no mundo empresarial.
Houve conversas com outros setores?
Fizemos pacto com o pessoal do vinho, com o pessoal do caf�... Eu tenho certeza que n�s vamos derrubar esses n�meros alarmantes do trabalho escravo. Na conversa, no di�logo. Temos conversas com o setor de hortifrutigranjeiros, com o pessoal da cana. Queremos fazer com o pessoal da ma��, do algod�o, do agro, do fumo. Ou seja, com todos os setores.
Qual a mensagem que voc�s passam?
N�s dizemos o seguinte: olha, o Brasil pode ser muito melhor do que � — e fazendo a coisa certa. N�o deve haver o Estado perseguidor das empresas. � preciso propiciar que as empresas possam crescer, porque n�o tem melhor coisa para o trabalhador do que trabalhar por uma empresa forte. Que tenha lucro, que tenha resultado para ela partilhar o resultado.
O que n�o pode � a empresa ter resultado e n�o repassar esse resultado para seus trabalhadores, para a sociedade. N�o � pecado ter lucro. Pecado � ter mis�ria. � ter trabalho escravo, explora��o de m�o de obra infantil, ter gente dormindo na rua porque n�o tem oportunidade. Isso � que � pecado. O Lula disse isso bem para o Brasil e para o mundo. N�o falta riqueza. N�o falta alimento. O que falta � distribui��o de renda. E qual � a melhor distribui��o de renda poss�vel que n�o seja pelo trabalho? Eu n�o consigo entender a l�gica de quem fala: “Ah, o Brasil precisa reduzir”. Reduzir o qu�? Precisa � aumentar os sal�rios, e n�o reduzir os sal�rios.
Isso passa a outro ponto, que a direita costuma criticar: os programas assistenciais. Eles s�o uma porta de entrada para o passo seguinte, que � oportunidade de emprego, n�o?
Perfeitamente. Foi essa a l�gica do pacto com o pessoal do caf�. Suponha que a fam�lia do seu Luiz est� no Cad�nico. A fam�lia � de baixa renda, ou n�o tem renda, eu trago para o Bolsa Fam�lia. A� o caf� fala: eu preciso contratar gente. E o seu Luiz responde: “Olha, n�o me registra n�o, sen�o vou perder o Bolsa Fam�lia”. Tem de resolver isso, e n�s resolvemos.
O que foi feito?
O benef�cio � vinculado � fam�lia, e n�o somente a seu Luiz. Se na fam�lia a renda per capita � muito baixa, seu Luiz pode trabalhar e pode receber o Bolsa Fam�lia porque n�o atingiu a prote��o total da fam�lia. Entrou o seu Luiz, e entrou o filho. Atingiu uma renda. Opa, ent�o come�a a fazer a transi��o. Mas � a transi��o, que n�o reduz integralmente. Reduz parcialmente, at� que ele se fortale�a no mercado de trabalho, e cria condi��es de sair do benef�cio.
Mas uma vez que entrou no Cad�nico, nunca mais sai. Porque vamos imaginar que ele est� trabalhando e tal, mas a� perdeu o emprego. Ele volta automaticamente. Ent�o, o processo � a porta de entrada para voc� navegar para o mundo do trabalho, para poder sair do Bolsa Fam�lia. � criar as devidas condi��es. Dar prote��o social.
E como rebater a cr�tica de que muita gente vive apenas de benef�cios, ao inv�s de procurar um emprego que pague um sal�rio m�nimo, por exemplo?
� como diz o Biden ao empres�rio que reclamou que os trabalhadores n�o queriam aceitar a proposta: “� porque voc� est� pagando pouco. Paga mais, que ele vai aceitar”. � disso que se trata. Quando lan�ou o Bolsa Fam�lia, teve gente que chegou ao absurdo de falar: “Ah, agora o pessoal n�o quer trabalhar mais”. N�o quer trabalhar mais porque se sujeitava a trabalhar por um copo d’�gua e um prato de comida! Escuta, me pague mais. Me pague pelo que eu valho, pelo que o meu trabalho vale.
E o imposto sindical?
O Supremo tomou uma decis�o dizendo que a cobran�a sindical � constitucional. Mas n�o modulou – o que eu acho certo. Quem tem de modular � o Congresso Nacional. O que eu defendo � que os sindicatos de trabalhadores e de empregadores tenham direito a duas fontes de receita principais: a mensalidade e a contribui��o negocial.
Como seriam?
A mensalidade, o nome fala por si. A op��o negocial tamb�m; ela avisa como ser� feita. Tem que ter uma negocia��o. Voc� remete � l�gica da presta��o de servi�o dos sindicatos, tanto de trabalhadores quanto de empregadores. Qual a principal presta��o de servi�o de um sindicato? � dar garantia jur�dica a partir do resultado da negocia��o. Quando voc� faz um acordo, voc� pode aprovar uma contribui��o em assembleia. Mas a� a direita fala: “O trabalhador tem direito a oposi��o; pode mandar um zap ao sindicato dizendo que n�o quer pagar”. Ora, organiza��o coletiva se decide coletivamente. N�o � individual.
Por qu�?
Pegue o exemplo do condom�nio. Os cond�minos se re�nem em assembleia. O s�ndico apresenta uma proposta de investimento no condom�nio. A assembleia pode decidir que n�o vai ter investimento. Mas se a assembleia definir que vai ter investimento, se eu falei que sou contra, eu posso n�o pagar o que faz parte do rateio? Tem que pagar. � uma organiza��o coletiva. O sindicato � a mesma coisa. “Ah, n�o quero pagar”. Voc� abre m�o do seu aumento real? Abre m�o da participa��o do resultado? Ah n�o, o acordo � para a categoria. Se o acordo � para a categoria, � coletivo. E se � coletivo, tem contribui��o. Ponto. O empres�rio vem com essa conversa: a empresa pode se recusar a contribuir para o sistema S? N�o, n�o pode. Ent�o por que � que o trabalhador pode? Negocia��o coletiva � conceitual. Ent�o essa coisa esquizofr�nica da ultradireita de dizer que pode, que n�o pode, de direito individual... Que conversa � essa? O direito individual est� garantido. Eu tenho direito a religi�o, a torcer, a ir e vir. Agora, quando se trata de organiza��o coletiva, a decis�o � coletiva. N�o � individual.
O que o senhor defende, ent�o?
A lei tem que criar essa autoriza��o (para contribuir). Agora, as entidades t�m que cumprir requisitos. Quais? Transpar�ncia. O direito de toda a categoria participar e votar, e n�o s� os associados. Se o acordo vale para todos, todos t�m o direito de participar. Aprovar os benef�cios e junto aprovar a sua eventual contribui��o, se assim a assembleia decidir. Porque a assembleia pode rejeitar. Ent�o, � criar de fato a liberdade. Tem que ter mandato, de no m�ximo quatro anos. Tem sindicato a� que a transi��o � heredit�ria, de pai para filho. N�o pode. Tem que ter elei��o.
Qual � o problema do FAT?
O ministro Paulo Guedes fez uma emenda constitucional dizendo que o FAT tamb�m tem a tarefa de financiar despesas da Previd�ncia. Ent�o, quando h� deficit previdenci�rio, o Fundo transfere ao Tesouro Nacional recursos para ajudar a cumprir as obriga��es. Isso acontece desde 2021. Foram R$ 11 bilh�es em 2021; R$ 18,6 bilh�es em 2022; R$ 22,7 bilh�es em 2023. A previs�o de 2024 vai ser menor, de R$ 18,4 bilh�es. Estamos propondo que o Tesouro deve devolver esses recursos at� 2032. Na reforma tribut�ria, devem inserir l� que essa transi��o ocorrer� at� 2032, parcelado para manter a pol�tica futura. Isso � um equ�voco.
O senhor considera isso um equ�voco?
Equ�voco? Isso � um crime. O FAT existe para preservar, cuidar do desespero, da capacita��o profissional, da forma��o profissional, para garantir o seguro desemprego e de cat�strofe, como agora no Rio Grande do Sul e na Amaz�nia. Voc� n�o pode enfraquecer isso, desviar da finalidade, como foi feito pelo governo anterior. O Jair Bolsonaro queimou R$ 300 bilh�es s� no processo eleitoral. Se n�o fosse a PEC da Transi��o, o Brasil estava parado, dado o desarranjo que os caras fizeram nas finan�as p�blicas. A tarefa de tapar esse buraco � imensa.
De onde vem sua facilidade com n�meros?
Eu quase fiz economia. Quando eu negociava na presid�ncia do sindicato, fui tesoureiro, secret�rio geral, vice-presidente, tinha muito empres�rio que achava que eu era economista. Mas, na �poca, nem curso universit�rio eu tinha. Fui fazer direito, tardiamente. Conclu� em 2004, um ano depois do Vicentinho. Estudei de 2000 a 2004. Fiz o b�sico em economia. E, durante o per�odo, o MEC do governo FHC checava com o diretor da faculdade a frequ�ncia. Nem para disfar�ar, n�o pedia a ficha dos outros alunos.
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