
Os adolescentes Francisco, Gabriel e Bernardo j� costumavam tirar boas notas na escola, mas n�o nutriam, logo de cara, um interesse especial pela matem�tica. S� que esse interesse cresceu, a ponto de os tr�s formarem parte da equipe de seis jovens que deu ao Brasil sua melhor coloca��o da hist�ria na Olimp�ada Internacional da Matem�tica (IMO, na sigla em ingl�s).
Com uma medalha de ouro e cinco de prata, os jovens ficaram em d�cimo lugar na competi��o, que reuniu virtualmente jovens de 14 a 19 anos de 105 pa�ses no �ltimo m�s de setembro. Os tr�s primeiros colocados na competi��o foram China, R�ssia e Estados Unidos.
At� ent�o, a melhor coloca��o do Brasil havia sido o 15° lugar, em 2009.
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O curioso � que trio brasileiro conta que descobriu a paix�o pela matem�tica n�o com as f�rmulas que aprendeu nas aulas regulares da escola, mas com o pensamento cr�tico que desenvolveu ao se preparar para o calend�rio de torneios matem�ticos extraclasse.
Ser� que esse sucesso pode trazer alguma li��o para o ensino geral da matem�tica, em um pa�s que ainda patina na disciplina?
'Criando matem�tica'
"Eu sempre tive afinidade com a matem�tica e meus pais me incentivavam, at� que na 5 %u0363 s�rie uma professora me chamou para participar de uma olimp�ada de matem�tica. E eu vi que era diferente da sala de aula. Eu n�o era maravilhado pela matem�tica, mas fiquei maravilhado por aquela matem�tica ol�mpica", conta Gabriel Paiva, 17 anos, de Fortaleza, que obteve medalha de prata na IMO.
"Na sala de aula, aprendemos f�rmulas e valores e os aplicamos. No m�ximo tu vais misturar essas f�rmulas. � algo que mais se aplica do que se constr�i. J� na olimp�ada voc� sente que est� criando matem�tica — � chegar � solu��o de um problema e formar uma linha de racioc�nio. As pessoas acham que matem�tico gosta de fazer conta r�pido, mas � mentira. Isso acontece s� na sala de aula."
Gabriel tamb�m aprendeu a usar esse racioc�nio no dia a dia, para atividades triviais. Quando seu grupo de amigos resolveu disputar um torneio de videogame, surgiu o impasse de como faz�-lo com sete duplas no estilo mata-mata (em que o perdedor de cada partida � eliminado). Como sete � um n�mero �mpar, ao final sobraria uma dupla sem ter com quem disputar a fase seguinte. Gabriel deu uma solu��o simples — de sortear uma dupla para disputar direto a segunda fase do torneio —, mas que ele atribui ao h�bito de exercitar seu pensamento matem�tico.

Diferentes especialistas argumentam que essas habilidades matem�ticas mais voltadas ao racioc�nio l�gico do que � aplica��o de f�rmulas v�o ser cada vez mais exigidas dos profissionais do futuro, diante do aumento da automa��o de empregos e de um mercado de trabalho mais competitivo e incerto. Uma m�o de obra qualificada com essas capacidades pode ter um impacto direto na capacidade produtiva do pa�s.
Essas habilidades t�m sido mensuradas pelo exame internacional Pisa, aplicado a cada dois anos pela OCDE (Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico) para avaliar os n�veis de leitura, matem�tica e ci�ncias de adolescentes de 15 anos em cerca de 80 pa�ses ou territ�rios.
Na edi��o de 2018, a mais recente, apenas 32% dos jovens brasileiros alcan�aram o n�vel 2 do teste de matem�tica, ou seja, foram capazes de interpretar e reconhecer por conta pr�pria uma situa��o simples sendo representada matematicamente — por exemplo, comparar a dist�ncia de duas rotas alternativas ou converter pre�os para uma moeda diferente da sua.
Na m�dia dos pa�ses da OCDE, 76% dos estudantes alcan�aram esse n�vel. Em Pequim (China), que lidera os resultados do Pisa, 98% deles o conseguiram.
As estat�sticas nacionais tampouco mostram um quadro animador para o Brasil. O mais recente �ndice Desenvolvimento da Educa��o B�sica (Ideb), divulgado pelo Minist�rio da Educa��o em setembro, apontou avan�os, mas poucos Estados alcan�aram as metas previstas para o ensino do pa�s.
No ensino m�dio, o desempenho m�dio geral dos alunos foi de 4,2, abaixo da meta de 5 (em uma escala de zero a 10), levando-se em conta escolas p�blicas e particulares juntas.
O Ideb avalia o ensino de portugu�s e matem�tica, na qual mede se os alunos de ensino m�dio s�o capazes de resolver opera��es b�sicas e reconhecer propor��es.
'Pensar matematicamente'
Os medalhistas da IMO entrevistados pela BBC News Brasil lembram que, obviamente, s� um grupo limitado de estudantes desenvolver� interesse pela matem�tica a ponto de querer competir no tema. Mas eles concordam que a matem�tica de sala de aula poderia ser positivamente "contaminada" pelo desenvolvimento de racioc�nio l�gico que marca as disputas ol�mpicas.

"Eu entendo que, como o ensino � corrido e por causa (da press�o pelo) vestibular, � meio inevit�vel que na sala de aula seja diferente. Mas ficou marcado para mim essa diferen�a entre a aula e o que eu aprendia nas olimp�adas, onde a gente aprende a pensar matematicamente", conta Francisco Moreira Machado Neto, 19, tamb�m de Fortaleza.
"Acho at� hoje que, se eu n�o tivesse feito a Olimp�ada Brasileira de Matem�tica, eu teria empurrado a matem�tica com a barriga na escola para passar no vestibular."
A Olimp�ada Brasileira de Matem�tica (OBM) � uma competi��o anual voltada para alunos dos ensinos fundamental, m�dio e universit�rio, de escolas p�blicas e privadas, realizada pelo Instituto de Matem�tica Pura e Aplicada (Impa) e a Sociedade Brasileira de Matem�tica (SBM).
Bons resultados na OBM levam os alunos a participar das classificat�rias para a Olimp�ada Internacional de Matem�tica, a competi��o principal do calend�rio internacional.
Mas, em um n�vel anterior � OBM, tamb�m � realizada anualmente a Olimp�ada Brasileira de Matem�tica das Escolas P�blicas (Obmep) — que, apesar do nome, re�ne anualmente milh�es de alunos de escolas p�blicas e privadas do 6° ano do fundamental ao 3° do ensino m�dio.
Nos diferentes n�veis de competi��o, os alunos s�o perguntados desde quais s�o os valores da face de um dado at� quest�es de complexidade muito maior (veja, nas imagens, exemplos de uma prova aplicada na Obmep do ensino m�dio em 2019 e de uma das perguntas da Olimp�ada Internacional de Matem�tica).
S�o competi��es j� tradicionais no calend�rio escolar — a Obmep, por exemplo, est� em sua 16 %u0363 edi��o. Al�m disso, o Impa mant�m "polos de treinamento" da matem�tica ol�mpica em escolas e universidades pelo pa�s, abertos a alunos que queiram treinar.


Tradi��o para competir
Mas os alunos consultados pela reportagem afirmam que o engajamento depende, em boa medida, de a escola criar um ambiente proativo para participar do treinamento e das competi��es, e de os professores ativamente formarem equipes e conseguirem se dedicar al�m das aulas para torn�-la competitiva e entusiasmada.
Francisco, por exemplo, estudava em uma escola com tradi��o em participar de olimp�adas, onde os professores ca�am talentos entre os alunos interessados em estudar a matem�tica com esse olhar mais voltado � resolu��o de problemas e ao racioc�nio l�gico. O jovem come�ou a participar das competi��es quando estava no 9° ano do ensino fundamental.
"At� ent�o, eu n�o tinha muito interesse pelas aulas na escola. Passava de ano com notas boas, mas a matem�tica n�o era a minha mat�ria favorita", conta.
Virou a favorita quando ele descobriu que poderia usar para pensar logicamente em jogos — at� mesmo os mais simples, como o jogo da velha.
"Identificamos dentro da olimp�ada que o desempenho das escolas est� muito associado a um professor. Aquele professor extremamente motivado, que tenta formar grupos onde prepara alunos para olimp�ada, vai ter um alcance n�o s� na competi��o, como no Enem", afirmou Claudio Landim, diretor-adjunto do Impa e coordenador da Obmep, durante o semin�rio online Educa��o Matem�tica e Pol�ticas P�blicas, em 21 de outubro.
Para al�m do pedag�gico
"Certamente, na maioria das escolas a matem�tica � ensinada de um modo um pouco burocr�tico. A gente come�a a gostar quando consegue descobrir algo por conta pr�pria, quando � decorr�ncia de um racioc�nio l�gico", diz � BBC News Brasil Carlos Gustavo Moreira, pesquisador do Impa e um dos l�deres da equipe medalhista na Olimp�ada Internacional de Matem�tica.

"Por outro lado, o problema n�o � s� pedag�gico. A profiss�o de professor � uma das mais mal remuneradas para quem tem t�tulo de ensino superior no Brasil. Investir em educa��o e em tornar o professor uma profiss�o de prest�gio social requer uma vontade pol�tica. Esse professor tamb�m precisa ter tempo de se preparar, de se atualizar. Mesmo que n�o seja para formar alunos que disputem olimp�ada, eles precisam estar preparados e motivados."
Um exemplo disso � que 40% dos professores brasileiros de ensino m�dio n�o s�o formados na disciplina que lecionam, segundo o Censo Escolar 2019. N�o h� dados espec�ficos para o ensino da matem�tica.
Moreira destaca tamb�m que, embora alunos de escolas p�blicas brasileiras j� tenham sido selecionados para a Olimp�ada Internacional de Matem�tica, neste ano a equipe foi formada por "meninos de escolas particulares que d�o valor a olimp�adas cient�ficas e bolsas de estudo (para alunos com potencial para competir)."
� o caso de Bernardo Peruzzo Trevisan, 19, tamb�m medalhista de prata na IMO, que come�ou a se interessar pela disciplina quando estudava em um col�gio militar no Rio Grande do Sul, at� ganhar uma bolsa de estudos para cursar o ensino m�dio em uma escola particular em S�o Paulo.
"A matem�tica das competi��es � definitivamente mais interessante", conta Bernardo.
E o ensino da escola poderia ser t�o interessante assim? "Seria legal incentivar os alunos a ver a matem�tica de forma mais ampla. V�rios alunos com quem eu convivi despertavam seu interesse s� depois de participar de uma olimp�ada, porque voc� passa a entender as coisas, em vez de s� reproduzir (o conhecimento)."

'Faltam oportunidades para jovens cientistas'
A dedica��o extra para participar das competi��es traz recompensas para al�m de medalhas. Para as escolas, um impacto em potencial � no desempenho do Enem.
"Algumas escolas conseguem aumentar a m�dia em 5 pontos (no Enem), � um impacto extraordin�rio", afirmou Claudio Landim no webin�rio de 21 de outubro.
"As competi��es ol�mpicas t�m sido um mecanismo de ascens�o social no Brasil, tamb�m para alunos de escolas p�blicas", agrega Carlos Gustavo Moreira, tamb�m do Impa.
Para os jovens medalhistas, a recompensa � ainda mais tang�vel. Os resultados na IMO podem garantir aos competidores vagas em universidades de ponta do pa�s, sem a necessidade de concorrer em vestibulares ou no Enem.
E eles passaram a sonhar ainda mais alto: os tr�s entrevistados pela reportagem planejam tentar vagas em universidades do exterior, em pa�ses como EUA e Fran�a.
O lado negativo disso � que os talentos nutridos no Brasil acabem se desenvolvendo plenamente s� fora do pa�s.
Moreira destaca que os cortes recentes do governo em bolsas de p�s-gradua��o e nos recursos de universidades federais e a aus�ncia de oportunidades no mercado de trabalho podem fazer com que "a gente (pa�s) perca de gra�a jovens nos quais a gente investiu muito, por falta de uma pol�tica de Estado".
"O Brasil desenvolve muita pesquisa matem�tica, d� uma contribui��o importante para ela e tem uma medalha Fields (considerada o 'Nobel da matem�tica', concedida ao brasileiro Artur �vila em 2014)", diz ele.
"E agora corre o risco de perder isso por falta de oportunidades para os jovens cientistas."
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