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Estado de Minas ENEM

Enem | 'S� restam 2 dos quase 30 alunos do cursinho': os obst�culos dos estudantes de baixa renda no Enem da pandemia

Cursinhos e projetos comunit�rios relatam as dificuldades em manter jovens mais vulner�veis engajados e motivados para tentar acesso ao ensino superior


11/01/2021 08:20 - atualizado 11/01/2021 10:17

Aulas de cursinho presenciais, como esta acima, deixaram de existir na pandemia; para muitos jovens, o sonho de acesso ao ensino superior ficou mais distante(foto: Marcelo Camargo/Ag Brasil)
Aulas de cursinho presenciais, como esta acima, deixaram de existir na pandemia; para muitos jovens, o sonho de acesso ao ensino superior ficou mais distante (foto: Marcelo Camargo/Ag Brasil)

Vin�cius de Andrade, que se dedica a ajudar jovens de baixa renda a se prepararem para exames pr�-vestibulares e para o Enem (Exame Nacional do Ensino M�dio), diz que muitos estudantes de escola p�blica costumam enfrentar n�o um, mas dois processos seletivos na tentativa de entrar em universidades.

"Tem o processo seletivo em si e tem o fato de tudo ser muito abstrato e muito distante deles", explica Andrade.


"O desafio come�a na inscri��o. J� vi alunos que tentaram se inscrever, tiveram dificuldades e desistiram. J� vi outros que simplesmente n�o viam sentido em se inscrever, pois n�o se achavam capazes e, no fundo, simplesmente n�o entendiam o que era o Enem. H� um muro entre eles e o ensino superior, especialmente em universidades p�blicas, e o Enem simboliza esse muro."

Nesta edi��o do Enem, o muro parece ter ficado ainda mais alto.

A prova para os 5,7 milh�es de inscritos, prevista inicialmente para novembro, foi remarcada para 17 e 24 de janeiro por causa da pandemia e tem sido alvo de press�es por novo adiamento. E, depois de um ano de escolas fechadas e de tantos problemas e desigualdades envolvendo as aulas remotas, muitos alunos em situa��o vulner�vel se veem ainda mais distantes do sonho da ascens�o social propiciado pela entrada na universidade.

Segundo cinco professores ou coordenadores de projetos comunit�rios e cursinhos populares entrevistados pela BBC News Brasil, jovens desistiram das aulas preparat�rias em volume acima do de anos anteriores. Entre os que ficaram, uma parte est� "mais pilhada". Outra, no entanto, est� com as expectativas abaladas.

"Come�amos o ano com quase 30 alunos. S� duas alunas chegaram at� o final e v�o fazer o Enem, mas n�o sei se com o mesmo �nimo do come�o", conta Let�cia Marcelino da Silva, coordenadora do pr�-vestibular Construindo Caminhos, no Complexo do Alem�o, no Rio de Janeiro.


Pesquisa realizada em junho apontava que, dos jovens que pretendiam fazer o Enem, quase a metade havia pensado em desistir da prova(foto: Mariana Leal/MEC)
Pesquisa realizada em junho apontava que, dos jovens que pretendiam fazer o Enem, quase a metade havia pensado em desistir da prova (foto: Mariana Leal/MEC)

"Nem chegamos nem a ter aula presencial, s� uma inaugural para explicar o que � o Enem. Da� veio a pandemia. O n�mero de alunos foi diminuindo: eles foram desistindo de estudar em casa e n�o conseguiam assistir �s aulas", acrescenta.

Na Vila Cruzeiro, tamb�m no Rio de Janeiro, "tivemos que deixar de ensinar conte�do para cuidar da seguran�a alimentar dos nossos alunos, que perderam emprego e �s vezes n�o tinham nem celular nem ambiente saud�vel para estudar em casa", relata Marcelo Martins, coordenador do projeto Estudando para Vencer, de cursinho pr�-vestibular gratuito.

Para Vin�cius de Andrade, que comanda o Salvaguarda — projeto de apoio a jovens na busca pelo ensino superior e inser��o profissional que come�ou em Ribeir�o Preto (SP) e hoje atende adolescentes de todo o pa�s —, "uma parte dos estudantes, infelizmente pequena, j� era informada e motivada o bastante a ponto de ter conseguido manter o treinamento ao longo do ano. J� a maior parte foi impactada negativamente pela pandemia".

"Ansiedade, medo, inseguran�a, falta de informa��o, falta de direcionamento e ang�stia foram alguns dos sentimentos mais presentes", conta. "Muitos me disseram que mais de uma vez tentaram pegar o foco, mas o perderam rapidamente e isso fez os sentir ainda mais incapazes e distantes."

Preocupa��o, nervosismo e dificuldade de concentra��o

Alguns n�meros d�o a dimens�o das dificuldades dos adolescentes com o novo cotidiano imposto pela pandemia.

Em junho passado, uma pesquisa do Conselho Nacional da Juventude com 33,6 mil jovens apontou que a metade deles pretendia prestar o Enem. Desse grupo, 67% diziam n�o estar conseguindo estudar para o exame desde a suspens�o das aulas presenciais. E 49% haviam pensado em desistir da prova.

Outra pesquisa, ConVid Adolescentes, realizada pela UFMG e pela Fiocruz entre junho e setembro de 2020, aponta que, durante a pandemia, 48,7% dos adolescentes do pa�s sentiam preocupa��o, nervosismo ou mau humor, na maior parte do tempo ou sempre. Quase um quarto dos adolescentes entre 12 e 17 anos come�aram a ter problemas no sono, e 59% sentiram dificuldades para se concentrar nas aulas � dist�ncia.

Os mais afetados, � claro, foram os jovens mais carentes de recursos, acesso e apoio.

"Neste ano, uma grande dificuldade � que os subgrupos de alunos dentro da escola p�blica ficaram mais divididos — entre os que continuaram motivados, os que conseguiram se manter e os que simplesmente desapareceram", diz Andrade.


Aula do cursinho Estudando Para Vencer, tirada antes da pandemia; neste ano, dos 55 alunos matriculados no curso, só seis continuaram assistindo às aulas online(foto: Estudando Para Vencer)
Aula do cursinho Estudando Para Vencer, tirada antes da pandemia; neste ano, dos 55 alunos matriculados no curso, s� seis continuaram assistindo �s aulas online (foto: Estudando Para Vencer)

"Antes, eu conseguia chegar no 'aluno do fund�o da sala' e explicar para ele o que � o Enem, lev�-lo em passeios por campi universit�rios. Agora, eu n�o sei nem mais onde esse aluno est�."

Esses subgrupos de alunos s�o um exemplo de novas camadas de exclus�o que surgiram na educa��o durante a pandemia, explica Jos� Francisco Soares, ex-presidente do Inep (�rg�o do Minist�rio da Educa��o que gerencia o Enem) e especialista em mensura��o da desigualdade de ensino.

"A vantagem dos (jovens) que estudam em escolas privadas e que t�m na fam�lia um apoio maior vai se compondo de tal maneira que, quando chega a hora do Enem, � quase um jogo de carta marcada. S� que neste ano isso ficou pior (...) porque criamos uma nova desigualdade entre os mais pobres", explica.

'Temos um furac�o na cabe�a'

No Salvaguarda, encontros via Google Meet originalmente pensados como sess�es de aconselhamento vocacional acabaram se transformando em um espa�o para os jovens desabafarem sobre suas inseguran�as e press�es do dia a dia, explica Hariff Barbosa, cofundadora do projeto.

Nas palavras de uma das participantes dos encontros, as reuni�es serviam para p�r para fora "o furac�o que est� na nossa cabe�a".

"Durante os encontros, eles falaram muito da escola como um espa�o onde havia pessoas que poderiam escut�-los. (Com a escola fechada), eles n�o tinham mais esse suporte psicol�gico", diz Barbosa.

"Eles sentiam que os pais, como n�o estavam habituados � rotina de estudante, faziam cobran�as que eles achavam despropositadas. E tamb�m falavam muito da sobrecarga de tarefas das aulas online e das dificuldades de comunica��o (com pais e com professores no ambiente virtual). O cen�rio era de estudantes muito desesperados, que precisavam de espa�o e acolhimento e que sentiam que n�o dariam conta — o que mexia com as suas perspectivas futuras. Alguns apostam todas as fichas no Enem para mudar de vida. Ent�o era muito dif�cil n�o se sentir habilitado para o exame."

No bairro de Vila Cruzeiro, no Rio, o cursinho Estudando Para Vencer j� tinha como obst�culo preparar jovens que vivem em um cotidiano de viol�ncia, frequentam escolas p�blicas de estrutura prec�ria e costumam conciliar os estudos com o trabalho ou mesmo com a maternidade.

"Uma parte importante do trabalho � recuperar a autoestima deles e fazer eles acreditarem que s�o capazes, que aquilo (educa��o superior) � para eles", diz o coordenador Marcelo Martins.

Depois de um 2019 com um bom n�mero de alunos aprovados em cursos universit�rios, Martins havia iniciado 2020 com �nimo e com um n�mero recorde de inscritos no cursinho pr�-vestibular, mantido com doa��es e com a ajuda de professores volunt�rios.

Passados mais de dez meses de pandemia, no entanto, "acho que esse esfor�o todo j� se perdeu", lamenta Martins.

Dos 55 alunos matriculados no curso, s� 6 continuaram assistindo �s aulas online.

"A gente ainda vai levar muito tempo para recuperar isso. Tem um abismo que separa esses alunos do conte�do (do Enem). Por isso eu acho que a gente vai ter o Enem mais desigual de todos os tempos. A gente precisaria cancel�-lo. Nossos alunos est�o sem ter o que comer dentro de casa. Como vou dar aula se ele tem fome e, al�m disso, n�o tem internet boa?"

Nos �ltimos dias, tem crescido a press�o pelo adiamento do Enem, por conta da alta de casos da covid-19 e da dificuldade dos estudantes em se preparar ao exame. Na sexta-feira (8/1), a Defensoria P�blica da Uni�o entrou com uma a��o na Justi�a pedindo o adiamento do exame, afirmando que "n�o h� maneira segura para a realiza��o de um exame com quase seis milh�es de estudantes neste momento, durante o novo pico de casos de covid-19".


"Neste ano, uma grande dificuldade � que os subgrupos de alunos dentro da escola p�blica ficaram mais divididos - entre os que continuaram motivados, os que conseguiram se manter e os que simplesmente desapareceram" (foto: Ag Par�)

O Inep, �rg�o do Minist�rio da Educa��o respons�vel pelo Enem, explica que ampliou o n�mero de salas para a prova (para garantir distanciamento entre os participantes), que o uso de m�scara ser� obrigat�rio e que jovens que tenham sintomas de covid-19 poder�o pedir a reaplica��o das provas, que ser� em fevereiro.

Alexandre Lopes, presidente do Inep, afirmou em v�deo que "est� tudo garantido, tudo tranquilo para a aplica��o da prova" em 17 e 24 de janeiro. "Nos preparamos para fazer essa prova num ambiente de pandemia. Eu sei que � dif�cil, mas, (como) fruto desse planejamento, estamos seguros de que podemos aplicar a prova com tranquilidade."

'Os que passaram por tudo isso conquistaram autonomia'

No Cursinho da Poli, que atende alunos de baixa renda em S�o Paulo, 2020 "foi um ano exaustivo para professores e alunos. Muitos deles ficaram pelo caminho", conta Eduardo Izidoro Costa, professor de matem�tica.

No entanto, apesar das dificuldades e do abalo emocional, Costa foi surpreendido pela capacidade de seus alunos em se adaptar �s circunst�ncias e enxergar novas oportunidades.

"Quem se manteve l� (estudando) est� com a cabe�a erguida e pilhado para o Enem", comemora.

"Alguns aprenderam a estudar sozinhos, a se organizar, souberam aproveitar os plant�es (de aulas). Os que passaram por tudo isso (da pandemia) est�o muito mais aut�nomos. Tivemos muitas coisas negativas, mas tamb�m tem muitas pessoas que cresceram."

Hariff Barbosa, do Salvaguarda, tamb�m assistiu ao amadurecimento de muitos dos alunos do projeto, diante de tantas dificuldades ao longo do ano letivo. "Alguns sa�ram mais confiantes (das rodas de conversa virtual), e muitos falaram de se sentir livres dessa press�o de ter de dar conta do Enem neste ano ou ter de escolher uma profiss�o neste ano", conta.

"Tamb�m estavam mais emp�ticos com seus professores e compreenderam mais o sentido da escola e a import�ncia da educa��o na vida deles."


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