
�ngelo, Felipe e Luiza estudaram a vida toda em escolas p�blicas, onde pouco ouviam falar de planos para continuar os estudos al�m do ensino m�dio. Moradores da periferia, quase n�o tinham refer�ncia de algu�m que tivesse chegado � universidade.
O esfor�o individual fez a diferen�a. Mas a trajet�ria poderia ter sido igual � de milhares de jovens que largam o estudo para trabalhar se n�o fossem empurr�es: um professor especial, o olhar da amiga para as reda��es, um chip com internet da escola.
Primeiro universit�rio da fam�lia, �ngelo Tavares, de 20 anos, vai cursar Desevolvimento Rural na Universidade Federal do Par� (UFPA). Morador da periferia paulistana, Felipe Cabral, de 19, ser� engenheiro eletricista pela Universidade de S�o Paulo (USP), a melhor do Pa�s. E Luiza Lopes, de 18, representa as poucas mulheres em um curso de tecnologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
‘Era a �nica oportunidade de estudar’
Ex-aluno de uma escola estadual, Felipe Cabral, de 19 anos, mal sabia, na �poca do ensino m�dio, o que era a Universidade de S�o Paulo (USP). Passou a conhecer - e desejar - a USP depois que entrou em um cursinho popular, no ano passado. Em mar�o, a pandemia parecia mais um obst�culo.
"Foi um baque porque n�o tinha computador." Onde todos viam s� dificuldades, Felipe achou uma chance: jovem aprendiz em uma empresa, ele foi dispensado do trabalho presencial, mas continuou recebendo. "Virou uma chave na minha cabe�a. Seria a �nica oportunidade de n�o trabalhar e manter o foco nos estudos. Se antes eu j� estudava bastante, teria de estudar o dobro." Aos s�bados, assistia �s aulas do Curso Mafalda pelo celular e, durante a semana, estudava com apostilas.
A sombra do desemprego quase o tirou da corrida. O contrato de trabalho terminou e Felipe chegou a pensar em buscar outra renda, durante a 2.ª fase da Fuvest, para ajudar a m�e, auxiliar de servi�os gerais, a pagar as contas. A fam�lia, com dois irm�os mais novos, segurou as pontas. Quem deu a not�cia da aprova��o foi um tutor do cursinho, que virou amigo. "Nem acreditava, olhava meu nome na lista, conferia o CPF." N�o pode ser outro Felipe Rodrigues Cabral?, indagava.
Agora, quer pisar na universidade que s� conhece por fotos. "Nos primeiros dias vou ter de dormir l� para ver tudo." E, nos planos, tamb�m est� ingressar em um cursinho popular, dessa vez como monitor. "Para devolver o que me foi dado."
‘Vi meu nome na lista e comecei a chorar’
A primeira lembran�a que �ngelo Tavares, de 20 anos, tem da Universidade Federal do Par� (UFPA) � de quando, crian�a, acompanhou a tia em um hospital no c�mpus. "Achei a coisa mais incr�vel do mundo, lindo. Meu sonho virou ingressar na UFPA." Morador de Bujaru, cidade de menos de 30 mil habitantes a 90 km de Bel�m, ele � o primeiro da fam�lia a entrar em uma universidade.
At� l� o caminho foi sinuoso. Em 2019, o jovem estudava em um cursinho popular da rede Emancipa, mas acabou perdendo o prazo de inscri��o do vestibular. Sem internet em casa, pensou em desistir v�rias vezes. Em 2020, usava apostilas e livros que tinha recebido no ano anterior. O acesso a materiais aumentou quando recebeu, do instituto federal onde fazia curso t�cnico, um chip para aulas remotas. Foi ent�o que passou a ter internet no celular e assistir a v�deos online.
Com uma vizinha, aluna de gradua��o da UFPA, �ngelo treinava as reda��es. As lacunas da forma��o em Exatas tamb�m n�o eram pequenas. "Na escola, quase n�o tive professor de F�sica." Em janeiro, fez o Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) em meio ao agravamento da pandemia no Brasil. E, no dia do resultado do Sistema de Sele��o Unificada (Sisu), foi at� a casa da amiga para acessarem juntos. "Fic�vamos atualizando o site toda hora. Quando vi meu nome ali, comecei a chorar."
Como manda a tradi��o no Par�, a comemora��o foi com ovos, farinha e uma marchinha do cantor de carimb�, Pinduca, que diz: "Al�, al�, al� papai/ Al� mam�e/ P�e a vitrola pra tocar/ Podem soltar foguetes/ Que eu passei no vestibular". Todo sujo, �ngelo correu at� o trabalho da m�e, diarista, para dar a not�cia. Nem precisou falar nada. Naquele dia, a festa foi um almo�o caprichado. "Quero aumentar a renda da casa", diz o jovem, aprovado em Desenvolvimento Rural.
Para �ngelo, mais jovens de Bujaru hoje tentam ingressar no curso superior, mas poucos conseguem. "Muitos da minha sala, que estudaram comigo, desistiram desse sonho. Foram trabalhar, mudaram de cidade. Ou trabalham aqui, como trabalhadores informais, em lojas", lamenta.
‘Sou a 1ª da fam�lia na universidade p�blica. Muitos nem tentam’
Na sala do vestibular, Luiza Lopes, de 18 anos, lembra de ter desejado boa sorte, em pensamento, aos candidatos. "Sabia que todos ali eram guerreiros, que conseguiram fazer uma prova em condi��es p�ssimas no meio de uma pandemia." Em um ano de absten��o recorde no Enem e dificuldades de prepara��o para as provas, Luiza se sentia privilegiada por ter em casa um notebook e espa�o para estudar.
Durante o ano, foram horas trancafiada no quarto. De dia, eram as mat�rias do ensino m�dio e do t�cnico. � noite, Luiza estudava para o vestibular. Todo s�bado tinha aulas online no cursinho popular Mafalda e, aos domingos, fazia simulados. O resultado veio com quatro aprova��es, que ela atribui ao esfor�o e a uma s�rie de oportunidades.
Bolsista do Ismart, uma entidade privada de apoio a jovens talentos, Luiza teve at� orienta��o sobre como organizar as tarefas. J� nas escolas p�blicas que frequentou, na zona leste paulistana, via pouco incentivo ao planejamento da carreira.
Na pandemia, com aulas online, ela at� achou que seria mais f�cil se dedicar, mas o emocional pesava �s vezes. "Nem sempre estava bem para estudar, ver videoaulas. Tinha dias em que simplesmente n�o conseguia ficar no meu quarto." Ap�s uma maratona de provas Luiza foi colhendo, aos poucos, as aprova��es.
Vieram as vagas no Instituto Mau� e no Insper, mas, sem bolsa de estudo, ela sabia que essas eram portas que ainda n�o poderia atravessar. At� que recebeu a not�cia da aprova��o no Instituto Federal de S�o Paulo e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a faculdade escolhida para estudar Sistemas de Informa��o.
"Fui a primeira da fam�lia a entrar em uma universidade p�blica. Muitos nem tentaram vestibular dizendo que n�o t�m chance e isso � bem triste porque a universidade p�blica deveria ter acesso maior para n�s, de periferia." No curso, a jovem v� ainda poucas "Luizas" - a maioria s�o meninos brancos - e j� pensa na pr�xima meta. "Agora, com a gradua��o na m�o e mais oportunidades, pretendo seguir meu sonho de promover igualdade dentro da �rea de tecnologia."