De todas as atividades propostas, o professor Juvenal Gomes afirma que 30% dos alunos n�o enviam as respostas (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Se o retorno �s aulas presenciais em Minas e em outras partes do pa�s divide opini�es, as condi��es impostas pela pandemia de COVID-19 � educa��o trouxeram uma esp�cie de consenso entre pesquisadores, pais e at� estudantes: adotado e adaptado �s pressas, o ensino remoto trouxe defasagem no aprendizado.
Implantadas como medida emergencial, as aulas mediadas pelas telas de computador e do celular n�o deram conta de suprir as intera��es presenciais entre alunos e professores na escola. E pesquisas j� confirmam o que as fam�lias intu�am.
Uma das que medem os impactos do ensino remoto sobre a aprendizagem foi feita pelo Centro de Pol�ticas P�blicas e Avalia��o da Educa��o da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF).
Outra, intitulada “Inf�ncia e pandemia na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte”, foi desenvolvida por pesquisadores do N�cleo de Estudos e Pesquisas sobre Educa��o Infantil e Inf�ncia (Nepei) da Faculdade de Educa��o da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG).
Na pesquisa do CAEd, foram avaliados cerca de 7 mil estudantes para cada ano analisado – 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º do n�vel m�dio –, nos conte�dos de l�ngua portuguesa e matem�tica de escolas da rede p�blica de S�o Paulo.
Os testes foram aplicados presencialmente e elaborados de acordo com o curr�culo estadual e a Base Nacional Comum Curricular. Os resultados n�o foram muito animadores.
A professora Lina K�tia, coordenadora do CAEd e do estudo, afirma que a pesquisa foi feita em S�o Paulo, mas traz indicadores que podem ser considerados em outros estados, inclusive Minas Gerais.
Foi comparado o in�cio das s�ries em 2021 com o final das respectivas s�ries em 2019. Um dos resultados mais preocupantes foi que os alunos do 5º ano precisariam recuperar habilidades do 4º ano.
“Os resultados mostraram que estudantes iniciaram a 5ª s�rie com habilidades da 3ª. O problema maior est� com a matem�tica. O efeito escola na disciplina � vis�vel, ou seja, a presen�a do professor na educa��o matem�tica � um ponto muito relevante”, afirma Lina K�tia de Oliveira.
A defasagem maior dos alunos foi em rela��o aos conte�dos da disciplina. “Eles est�o no 5º ano resolvendo problemas muito elementares de adi��o e subtra��o. N�o resolvem problemas que envolvam multiplica��o ou divis�o. A solu��o de problemas num�ricos envolvendo as quatro opera��es est� verdadeiramente comprometida”, diz a professora.
Al�m disso, afirma, os estudantes revelam n�o conhecer formas geom�tricas, n�o fazem compara��es em dados acrescentados a gr�ficos e tabelas, que s�o habilidades b�sicas que deveriam ter na 5ª s�rie, para prosseguir com sucesso nos estudos. “A defasagem � muito grande”, avalia Lina K�tia.
O d�ficit n�o � atribu�do apenas �s aulas remotas, mas tamb�m ao conjunto de a��es que envolveu a pandemia at� que secretarias e escolas se organizassem, produzissem materiais e os fizessem chegar aos alunos. “Durante um tempo, as aulas remotas n�o chegavam �s crian�as e, quando chegam hoje, esse meio de aprendizagem ainda � desigual”, diz.
A pesquisadora lembra que o aprendizado do aluno depende de diversos fatores, como o fato de ter ou n�o computador e o n�vel de escolaridade dos pais. Mas avalia que, apesar das dificuldades e disparidades, no caso de Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educa��o tem feito “excelente trabalho”.
Distra��es em casa
A dona de casa Lene Denilson diz que o principal desafio � fazer o filho David, de 11 anos, se manter concentrado durante toda a aula
(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Pesam no resultado tamb�m caracter�sticas individuais. A dona de casa Lene Denilson percebeu que o filho David, de 11 anos, n�o se adaptou ao formato de aulas remotas, que disputam a aten��o com concorrentes atrativos.
“Em casa � mais complicado. Ele n�o quer estudar, tem que ficar no p�. � televis�o, � internet, computador, celular, tudo isso complica. Na escola seria bem melhor”, acredita. Na avalia��o dela, o maior preju�zo no aprendizado tem sido em l�ngua portuguesa. “Ele n�o quer ler nada, mesmo que a gente fique no p�.”
O professor Juvenal Gomes, da rede estadual de ensino em Minas, destaca que a intera��o � desafiadora, pela dificuldade de ter a percep��o exata do que est� ocorrendo com o estudante do outro lado da tela.
“O professor pode estar dando aula super empolgado, mas n�o sabe como a intera��o est� ocorrendo. No ensino remoto, um mundo est� se passando na vida do estudante. Na situa��o remota, o professor n�o tem como perceber.”
“A principal dificuldade que observei nos alunos � a falta de autonomia. J� era um desafio no ambiente presencial, mas no ambiente virtual isso se potencializou. Muitos estudantes se viram perdidos quando perceberam que eram os principais atores a usar as ferramentas para ter acesso ao professor de forma remota”, afirma, destacando tamb�m a dificuldade de acesso e do uso da internet.
De todas as atividades propostas, Juvenal afirma que 30% dos alunos n�o enviam as respostas. Diante dessas situa��es, o professor lembra que o aprendizado transcende a rela��o aluno e escola, buscando destacar o papel fundamental da fam�lia.
A boa not�cia � que, para o educador, os preju�zos que vieram como consequ�ncia do momento n�o s�o irrepar�veis – apesar do atraso no processo.
“Com minha professora, aprendo me divertindo”
Pesquisa do Nepei da FAE/UFMG: foram ouvidas 2.200 crian�as de escolas p�blicas e privados da Regi�o Metropolitana de BH (clique para ampliar) (foto: Arte EM)
“N�o consigo aprender tanto, pois � bem dif�cil me concentrar ou n�o me entediar nas aulas on-line. E � ruim ficar longe dos amigos.” A declara��o, dada aos pesquisadores da FAE/UFMG, � de uma estudante de 10 anos. Outra menina ouvida, de 9, fala da falta das aulas presenciais: “Sinto falta de estudos com a minha professora, porque com ela eu aprendo me divertindo”.
A pesquisa da FAE foi feita entre junho e julho do ano passado. Foram entrevistados 2.200 alunos com idades entre 8 e 12 anos na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Naquele momento, os estudantes j� estavam preocupados com o ensino remoto e com o retorno �s aulas presenciais.
A pesquisadora que coordenou o trabalho, Isabel de Oliveira e Silva, diz que se a pesquisa for repetida agora os resultados podem ser mais preocupantes. A pesquisa demonstrou que as crian�as consideram a escola fundamental no aprendizado.
“Uma coisa muito importante que colocaram � que a aprendizagem delas depende desse ambiente, desse contato. Eu aprendo melhor estando junto a meus colegas”, afirma Isabel de Oliveira.
As escolas podem optar somente por reposi��o de conte�do, mas a pesquisa demonstra que � necess�rio mais.
Nos contextos urbanos, a escola � um espa�o de encontro. “A escola organiza a vida das crian�as, o hor�rio de acordar, o hor�rio de alimenta��o. A pr�pria escola � fundamental para assegurar a nutri��o de grupos importantes da sociedade, das crian�as que dependem da alimenta��o escolar.”
Al�m da rotina, o ambiente supre com os conhecimentos curriculares e a socializa��o. “As crian�as demonstraram o medo de n�o terem os conhecimentos necess�rios, de terem dificuldade na continuidade dos estudos”, acrescenta.
O impacto do ensino remoto no aprendizado se d� por diferentes fatores. O primeiro � que o modelo n�o � considerado adequado para essa faixa et�ria.
Outro aspecto importante � que as escolas tiveram que improvisar para iniciar as aulas a dist�ncia. “Por mais bem equipadas que fossem, tiveram um tempo muito curto de reorganizar o ensino. O recurso on-line pode ajudar na aprendizagem da crian�a, mas, com o isolamento social, passou a ser a �nica forma.”
A pesquisadora lembra que n�o h� m�todos elaborados para o ensino remoto para crian�as do n�vel infantil “justamente por n�o ser adequado”. Ela refor�a que o modelo de aulas on-line � emergencial: “Temos uma situa��o que n�o � adequada em si e n�o est�vamos preparados, naquele momento, e ainda n�o estamos, para adaptar, criar situa��es menos inadequadas”.
As crian�as reclamaram para os pesquisadores que as aulas on-line eram muito longas. “H� estudos que comprovam que a exposi��o � tela por per�odos mais longos, al�m de n�o ser efetiva para aprendizagem, vai prejudicar. Vai produzir mais cansa�o, mais dor de cabe�a, dificuldade visual, uma s�rie de coisas que ocorrem durante essa intera��o por meio das telas. A gente n�o pode ter a mesma organiza��o do tempo. O professor n�o pode transpor m�todos e os per�odos do modo presencial para o remoto. E isso vem acontecendo”, alerta.
Dificuldades extras na �poca da alfabetiza��o
Paula entrou no ensino remoto na alfabetiza��o. A m�e dela, Cristiana Tabaral, reconhece a necessidade, mas dist�ncia se revelou um obst�culo (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Paulinha, de 8 anos, como outras crian�as da faixa et�ria, quer ser notada pela professora durante as aulas, mesmo que remotas. “Ela fica muito ansiosa durante a aula. �s vezes, n�o presta aten��o na professora. Quer que a professora a perceba, que responda �s perguntas dela. Se a professora pede para esperar um pouco, ela fica nervosa, e isso prejudicou o aprendizado”, revela a m�e, a terapeuta ocupacional Cristiana Caldas Martins Chagas Tabaral.
A menina est� no terceiro ano do ensino fundamental e come�ou a ter aulas remotas no segundo, na fase de alfabetiza��o.
Apesar de todo o apoio dos pais e da estrutura da escola privada, a m�e entende que o modelo do ensino remoto traz preju�zos ao aprendizado da filha. “Na �poca de alfabetiza��o, a crian�a precisa de um contato mais pr�ximo com a professora. Pela internet, a educadora n�o tem essa oportunidade. E a Paulinha sentiu muito isso”, afirma
A m�e credita ao isolamento social e ao ensino on-line impactos no desenvolvimento f�sico e emocional. As li��es de matem�tica, por exemplo, ficaram mais dif�ceis.
A menina precisa aprender a fazer as contas e agrupamentos nas aulas remotas. No modo presencial, o conte�do seria repassado em atividades mais concretas.
O grau de dificuldade para avan�ar em leitura e interpreta��o de texto tamb�m fica mais complicado pela tela, em vez dos livros, avalia Cristiana.
Os conte�dos de ci�ncia, hist�ria e geografia, da mesma forma, est�o muito abstratos para a menina, que tem o primeiro contato com as disciplinas.
O ambiente de casa, �s vezes, permite que Paulinha se distraia mais do que ocorreria no espa�o da escola.
“Est� muito dif�cil para ela entender, se concentrar e prestar aten��o. �s vezes, entro no quarto e ela, em vez de assistir � aula, est� brincando”, preocupa-se. Outro problema � a dificuldade de usar o computador. “N�o tem a caneta e o l�pis para escrever.”
Quando as aulas presenciais forem retomadas, ser� necess�rio que a escola ofere�a um refor�o, acredita Cristiana, que tem ela mesma “dado aulas” para a filha.
“O que ensino para ela � o que est� ficando.” Mas a m�e lembra que teve que lidar com a falta de concentra��o, estabelecer a rotina e dividir o acompanhamento da filha, o trabalho de casa e o estudo no curso de direito.
No entanto, Cristiana reconhece que � melhor que as crian�as tenham aulas remotas, neste momento, para evitar que haja uma defasagem ainda maior no ensino.
Diz tamb�m que � uma forma de a filha manter contato com outras crian�as de sua idade. “A Paulinha est� interagindo com os colegas e tem atividades para fazer”, afirma.