(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ENEM

Daniel Cara: 'O Enem n�o est� prejudicado, mas est� sob risco'

Professor da USP mostra preocupa��o com interfer�ncia do governo e defende o Inep


17/11/2021 04:00 - atualizado 17/11/2021 08:38

Daniel Cara
Daniel Cara, diretor da Campanha Nacional pelo Direito � Educa��o (foto: Pablo Valadares/C�mara dos Deputados)
Em Bras�lia, o m�s de novembro de servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep), respons�vel pelo Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem), come�ou com a debandada de colegas, inconformados com suposta inger�ncia na constru��o do exame. Quase paralelamente, mas de Dubai, nos Emirados �rabes Unidos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) falou, orgulhoso, sobre o teste come�ar a ter “a cara do governo”.

Embora Milton Ribeiro, ministro da Educa��o, tenha garantido, ontem, que n�o h� interfer�ncia na prova, a declara��o presidencial causou indigna��o. Daniel Cara, professor da Faculdade de Educa��o Universidade de S�o Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito � Educa��o, se preocupa com a interven��o em um teste que define como “cientificamente calibrado”, e teme o enfraquecimento do Enem enquanto pol�tica de acesso ao ensino superior.

“� uma fala de quem assume que interveio na prova e de quem assume que tem compromisso com uma agenda ideol�gica. Bolsonaro acusa os servidores do Inep e o banco de itens (do exame) de fazer aquilo que os servidores n�o fazem, mas que ele faz: promover uma ideologiza��o da prova do Enem”, diz Cara, ao Estado de Minas. Segundo ele, eventuais mudan�as nas quest�es do teste, marcado para os dois pr�ximos domingos (21 e 28) n�o fazem a qualidade cair, mas acendem um alerta. Cara defende o afastamento do atual presidente do Inep, Danilo Dupas, e reivindica protagonismo dos servidores de carreira da entidade nas tomadas de decis�o. “O que est� em risco nesta edi��o � a quest�o da log�stica, mas os estudantes n�o podem se preocupar com isso”, assegura, ao tratar das provas que se avizinham.

Em meio a den�ncias de servidores do Inep sobre censura e retirada de quest�es do Enem, surge Bolsonaro dizendo que as quest�es do exame 'come�am a ter a cara do governo’. Como o senhor interpreta essa declara��o? 

� uma fala de quem assume que interveio na prova e de quem assume que tem compromisso com uma agenda ideol�gica. Bolsonaro acusa os servidores do Inep e o banco de itens (do exame) de fazer aquilo que os servidores n�o fazem, mas que ele faz: promover uma ideologiza��o do Enem. Qualquer sele��o utiliza como refer�ncia o conhecimento cient�fico estabelecido. � isso que Bolsonaro n�o aceita, porque � contr�rio � ci�ncia e obscurantista. � preocupante quando ele diz que o Enem come�a a ter a cara do governo, porque � um governo anti-ci�ncia.

Para tranquilizar quem vai prestar a prova: o exame sofreu, sim, segundo um servidor (conforme o "Fant�stico'', da TV Globo), uma exclus�o de itens, mas que foram substitu�dos por outros do banco de itens. N�o tem como fazer uma prova como o Enem, que usa a metodologia de Teoria da Resposta ao Item (TRI), n�o calibrada pela TRI. O governo teve que buscar, no banco de itens, as quest�es. N�o h� crise de falta de qualidade da prova. Esses itens foram substitu�dos por outros que j� constam da calibragem do Inep.

Quando Bolsonaro busca ideologizar, provavelmente as quest�es substitu�das pressionam um governo obscurantista. Ent�o, troca por quest�es mais ‘neutras’. N�o cai o grau de dificuldade da prova, mas isso significa uma interven��o em um exame cientificamente calibrado. � preocupante. Nenhuma quest�o foge do que � consenso consagrado nas �reas cient�ficas cobradas.

O ministro Milton Ribeiro garantiu que o Enem est� pronto e negou a possibilidade de interfer�ncia na prova. Apesar disso, o senhor demonstra preocupa��o com a fala de Bolsonaro. O que � poss�vel fazer para investigar se h� alguma intromiss�o?

O Enem n�o est� prejudicado — est� finalizado — mas est� sob risco (enquanto pol�tica p�blica). Em 2019, eles come�aram o ataque ao banco de itens. O que est� em risco nesta edi��o � a quest�o da log�stica, mas os estudantes n�o podem se preocupar com isso. A qualidade da prova est� mantida. A sociedade civil deve solicitar, via Lei de Acesso � Informa��o (LAI), informa��es sobre o Enem e todos os outros processos do Inep.

� preciso que Minist�rio P�blico, Defensoria P�blica da Uni�o, Tribunal de Contas da Uni�o (TCU), Congresso e outras institui��es que t�m o dever de fiscalizar o poder Executivo e exigir a garantia dos direitos, devem acionar o Executivo questionando sobre o que acontece. Danilo Dupas, diante de tudo o que fez — e os servidores deram informa��es � sociedade — tem que ser afastado da presid�ncia, sob risco de termos preju�zos n�o s� no Enem, mas em qualquer coisa que aconte�a no Inep, como os censos escolares e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).

O senhor disse temer o enfraquecimento do Enem como ferramenta de acesso �s universidades. O que fazer para corrigir essa rota?

O Inep tem que ser separado do Minist�rio da Educa��o (MEC). � uma autarquia, e n�o um �rg�o subordinado ao MEC. O Inep tem que se separar e ter uma gest�o pr�pria, essencialmente t�cnica, privilegiando os servidores de carreira. Tivemos, em todos os governos que passaram, problemas na gest�o do Inep. No governo Temer, um artigo cient�fico de servidores foi censurado. Agora, no governo Bolsonaro, tem acontecido tudo o que temos visto. A estrutura de gest�o precisa ser feita por quem conhece — e tem experi�ncia — no �rg�o. Os servidores do Inep, que lidam com dados e com intelig�ncias sobre pol�ticas p�blicas, t�m que ser reconhecidos como carreiras de Estado. Isso significa mais estabilidade e processo de valoriza��o que d� mais for�a para resistir a percal�os democr�ticos como a elei��o de Bolsonaro.

Ser� a edi��o com o menor n�mero de candidatos desde 2007. Isso acende uma luz para poss�veis tentativas de esvaziar o exame?

A tentativa de esvaziar o exame come�a em 2019. Bolsonaro � contra o conhecimento cient�fico estabelecido, e entende que as ci�ncias obstruem seu projeto de poder. Ele tem ojeriza � democratiza��o das universidades; no ano que vem, temos a revis�o da pol�tica de cotas, que � um acerto e tem tido �timos resultados. Mas, para ter acesso �s universidades, voc� passa pelo Enem. � extremamente preocupante a queda no n�mero de inscritos. Isso � complementado pelo problema da gratuidade: os que faltaram por causa da pandemia n�o tiveram a isen��o mantida.

O resultado � que foram desestimulados a prestar o exame. Mesmo que tenha sido revertido (o STF garantiu a isen��o aos estudantes pobres que se ausentaram em 2020), quando a gente conversa com estudantes e acompanha o que acontece nas redes sociais, existe um desalento. Diante do desgoverno na pandemia, as necessidades econ�micas se impuseram para a maior parte dos jovens de escolas p�blicas que est�o prestando o Enem.

Eles est�o tendo que ingressar prematuramente no mercado de trabalho, porque suas fam�lias t�m necessidades. Tudo isso pesa. O resultado completo � que as medidas do governo, diretamente relacionadas ao Enem, ou socioecon�micas, em geral, criam uma obstru��o ao sonho das camadas populares de ingressar na universidade. E n�o � um sonho; � um direito.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)