
Ela vinha ganhando espa�o na forma de ensinar no Brasil. Flexibilidade de hor�rios e valores de mensalidades bem mais baixos eram o grande chamariz de um p�blico j� inserido no mercado de trabalho, sem disposi��o para encarar uma sala de aula depois de um dia inteiro de labuta, mas com o sonho de se formar num curso superior. Apesar de crescimento exponencial da educa��o a dist�ncia (EAD) nos �ltimos anos, pairavam ainda desconfian�as sobre uma forma��o feita pelo computador na sala de casa.
Pois o patinho feio foi o instrumento-chave quando os estabelecimentos de ensino fecharam as portas. A pandemia deixou em evid�ncia um caminho irrevers�vel, tabus no passado e mostrou a nova cara da EAD. Se antes o p�blico mais maduro reinava absoluto, agora o terreno se abre tamb�m a outra faixa et�ria: jovens rec�m-sa�dos do ensino m�dio.
E n�o � para menos. A �ltima leva de formandos do ensino m�dio, no fim de 2021, passou quase dois dos tr�s anos da �ltima etapa da educa��o b�sica em ensino remoto. Esses “estudantes da pandemia” aprenderam outra forma de estudar. E de se formar.
� o caso da jovem Ester Tavares de Ara�jo, aluna do 1º per�odo de gest�o comercial da Faculdade Pit�goras. Com apenas 18 anos, a moradora do Bairro Planalto, na Regi�o da Pampulha, em Belo Horizonte, escolheu a EAD depois de se formar em dezembro do ano passado. “Fiz o 2º e o 3º anos em EAD e me adaptei muito bem. Sou menor aprendiz e, � tarde, me dedico � minha loja. � noite, percebi que ficaria corrido e perigoso sair de casa e ir � faculdade todos os dias. Por j� ter a experi�ncia de estudar a dist�ncia, escolhi essa modalidade e n�o me arrependo”, conta.
Com a ajuda da m�e, Ester abriu uma loja virtual de roupas femininas. Apesar da veia empresarial, ela conta que encontrou dificuldades em gerenciar o neg�cio. “Precisava me graduar em alguma faculdade que trouxesse conhecimentos para me ajudar a fazer a loja crescer”, relata.
Uma vez por semana, Ester vai � aula presencialmente, oportunidade de trocar experi�ncias com colegas e professores. Na primeira metade do tempo, a intera��o � com a professora e com os colegas de sala. Na segunda metade, � hora da teleaula transmitida ao vivo de BH para outros polos ou vice-versa, com a participa��o de alunos de todo o pa�s. “� interessante, pois h� contribui��o de pessoas dos mais diversos locais.”
Ester v� longe e j� pensa na p�s-gradua��o, tamb�m a dist�ncia. “Poder me dedicar a outras atividades, como � minha loja, que � minha prioridade, mas tamb�m poder me formar no ensino superior facilita muito. Se tivesse que fazer presencial talvez n�o conseguiria. Vejo como uma oportunidade”, diz.
Novas matr�culas A quantidade de alunos a entrar em universidades, faculdades e centros universit�rios pelas portas da EAD ultrapassou, pela primeira vez na hist�ria, o total de ingressos em cursos da modalidade presencial, como mostrou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep), do Minist�rio da Educa��o (MEC). Os dados s�o do �ltimo Censo da Educa��o Superior, divulgados em fevereiro e referentes a 2020, primeiro ano da pandemia.
Mais de 8,6 milh�es de matr�culas foram registradas pelo Censo, um aumento t�mido de 0,9% em rela��o ao ano anterior. O pa�s contava, nesse per�odo, com 2.457 institui��es de educa��o superior, das quais 2.153 (87,6%) s�o privadas e 304 (12,4%), p�blicas. No total, 3,7 milh�es de estudantes ingressaram em um curso de gradua��o, sendo 3,2 milh�es deles (86%) em institui��es privadas.
Entre os novos universit�rios, mais de 2 milh�es (53,4%) optaram por cursos a dist�ncia e 1,7 milh�o (46,6%), pelos presenciais. O fen�meno j� havia sido constatado pelo Inep em 2019, mas apenas na rede privada. Em Minas Gerais, o total de matr�culas somou 857.444. O Censo contabilizou 339.422 ingressantes, sendo que 182.017 (53,6%) escolheram a modalidade a dist�ncia. Os alunos que entraram na gradua��o pelo modelo presencial totalizaram 157.405.
TEND�NCIA
O crescimento de n�mero de ingressantes na EAD era tend�ncia j� apontada pela Associa��o Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) desde 2019. Naquele ano, reportagem do Estado de Minas mostrava que a aposta da entidade era de que matr�culas em cursos a dist�ncia superassem as presenciais dentro de quatro anos. “A tend�ncia foi acelerada pela pandemia. Agora, como educadores, temos a responsabilidade de garantir que a modalidade EAD ofere�a a mesma qualidade que os cursos presenciais”, afirma o presidente da Abmes, Celso Niskier.
Nos �ltimos 10 anos, o n�mero de ingressos em cursos presenciais encolheu 13,9%, ao passo que nos cursos a dist�ncia aumentou 428,2%. Enquanto a participa��o dos novos alunos em gradua��es on-line em 2010 era de 17,4%, atualmente, � de 53,4%. De acordo com o Censo, o n�mero de vagas ofertadas tamb�m cresceu. Foram disponibilizados 19,6 milh�es de oportunidades de ingresso. Desses, 18,7 milh�es (95,6%) foram na rede privada. A oferta em cursos a dist�ncia aumentou mais de 30% em rela��o a 2019, chegando a 13,5 milh�es de vagas em 2020. O aumento da oferta de cursos presenciais no mesmo per�odo foi de 1,3%.
“O crescimento da EAD vai aparecer bem marcada no Censo de 2021. O n�mero de ingressantes (de EAD em rela��o ao presencial) foi ultrapassado antes do prazo e vai continuar pela conveni�ncia, flexibilidade, pre�o acess�vel e capilaridade dos polos no Brasil. S�o mais de 10 mil em todo o pa�s”, avisa Niskier. “E o crescimento se dar� tamb�m pelo jovem que conclui o ensino m�dio, que quer tempo para se engajar num projeto social, trabalhar. S�o pessoas agora que v�m a EAD como op��o e n�o como obriga��o.”

Adapta��es diante da nova demanda
Curr�culo din�mico para atrair o p�blico jovem. Nos pr�ximos cinco anos, a expectativa da PUC Minas, que n�o escapou � tend�ncia nacional, � ter 60% de seus alunos da educa��o a dist�ncia (EAD) na faixa de at� 22 anos de idade. Hoje, 20% dos ingressantes da universidade est�o numa forma��o virtual. O principal ajuste para facilitar a participa��o da garotada est� na organiza��o mais clara e estruturada do processo de aprendizagem, de forma a acompanhar de perto o ritmo desse p�blico, cuja procura por classes totalmente on-line acelerou no in�cio do ano passado, no meio da pandemia. Diante da nova demanda, a universidade aumentou o n�mero de cursos (de dois para 24) e fez mudan�as tamb�m no projeto pedag�gico. Passou de 1,2 mil estudantes para 3,7 mil este ano.
Em um ano, a gradua��o EAD na universidade teve crescimento de 94,19%. O n�mero de alunos com idade at� 18 anos aumentou 2.033,33% e na faixa de 19 a 25 anos, 195,86%, segundo a PUC Minas . “Os alunos mais novos est�o muito ansiosos para entrar logo no mercado de trabalho. A maior parte opta pela EAD pela flexibilidade, para poder trabalhar enquanto estuda”, explica o pr�-reitor-adjunto da PUC Minas Virtual, Marcos Kutova. “Por isso, � importante acompanhar de perto. Antes, nossos alunos eram mais aut�nomos e se organizavam ao longo do semestre. Agora, estamos diante de pessoas menos aut�nomas e essa organiza��o deve ser mudada a cada semana”, relata. As videoaulas tamb�m s�o alteradas: linguagem mais jovem e com v�deos de dura��o mais curta.
Os mais novos est�o matriculados, principalmente, nos cursos de tecnologia, mas tamb�m procuram as duas forma��es ofertadas antes (administra��o e ci�ncia cont�beis). Focando nesse novo p�blico, todos os cursos s�o agora baseados em projetos aplicados, o fio condutor do processo de aprendizagem. “Em administra��o, j� no 1º per�odo os alunos precisam desenvolver um projeto mercadol�gico para alguma empresa real. Em sistema de informa��o, devem desenvolver um site. Depende muito da natureza do curso, mas buscamos aproxima��o com empresas, escolas, a academia”, afirma Kutova. Foi mantido o n�mero de vagas nos cursos: 30. “Refor�amos a forma��o humanista direcionada para o desenvolvimento de soft skills (habilidades) e desafios contempor�neos, com olhar atento para desafios da sociedade, sustentabilidade e globaliza��o”, acrescenta.
Se na gradua��o a EAD avan�a a passos largos, na p�s ela explodiu. Os cursos de especializa��o migraram para a plataforma on-line para sobreviver aos dois anos de pandemia. Diante da aceita��o, as institui��es decidiram n�o voltar ao modelo anterior. “Quem tem demanda pelo presencial adotou as duas modalidades – presencial e on-line. Na PUC, a demanda pela segunda est� maior que a primeira”, diz Kutova.
Em uma era em que o ensino ganha em intensidade virtual, o desafio crescente � n�o relegar as trocas humanas ao ambiente digital. “O que o modelo antigo de EAD n�o previa e nos esfor�amos para melhorar � a sinaliza��o entre alunos, criar espa�o de intera��o entre eles, se poss�vel presencial, ou se n�o, por bate-papos e confer�ncia on-line. Por isso, criamos as soft skills todo semestre para trabalhar temas como lideran�a, gest�o de conflitos e outros”, explica o pr�-reitor. Os projetos, feitos sempre em grupo, s�o oportunidade de troca. Para conciliar dois universos – alunos jovens e mais maduros –, a base � partir de grupos mais homog�neos ou totalmente diferentes, se os alunos assim desejarem.
DINAMISMO
Essa autonomia da EAD � o que fez a moradora do Bairro Conjunto Felicidade, na Regi�o Norte de Belo Horizonte, Wemille Eliza de Oliveira Silva, de 18 anos, despertar para o ensino a dist�ncia. “Sempre pensei que faria faculdade totalmente presencial, mas com a pandemia revi essa ideia. Com o ensino m�dio remoto, vi que poderia dar certo”, relata. Aluna do 1º per�odo de marketing da Faculdade Pit�goras, ela se formou no fim do ano passado numa escola estadual. A escolha tamb�m vai ao encontro dos anseios profissionais. “O curso � muito din�mico. Como tenho uma loja de camisetas, � mais tranquilo e relaxante ter um per�odo dentro de casa. Est� sendo bem legal, consigo estudar com o tempo que delimito para estudos e outras atividades”, diz. Uma vez por semana, Wemille vai � faculdade para complementar com a pr�tica o que j� viu em casa. “Teria um trabalho maior indo presencialmente todos os dias e chegando tarde da faculdade. Acho que a EAD tende a ter mais visibilidade. A tecnologia vem avan�ando cada vez mais e esse ensino vai se aprofundar.”
O ensino superior em 2020
- 3,7 milh�es de estudantes se matricularam em um curso de gradua��o
- 53,4% optaram por cursos EAD
- 46,6% escolheram os presenciais