
"Na minha despensa, tenho um pacote de macarr�o, milho de pipoca, a��car e caf�. Eu estava esperando a bolsa ser paga para comprar comida. Agora, n�o sei como vou comer nos pr�ximos dias".
O relato acima � da mestranda e pesquisadora em biologia molecular Luane Tom� de Paula Campos, 25, da Universidade de Bras�lia (UnB). Sua bolsa de R$ 1,5 mil deveria ter sido paga no in�cio do m�s, mas devido a cortes no or�amento do Minist�rio da Educa��o (MEC), ela se tornou uma das mais de 200 mil bolsistas que est�o com seus pagamentos atrasados.
A bolsa de Luane � paga pela Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal de N�vel Superior (Capes), um �rg�o vinculado ao MEC. Na ter�a-feira (6/12), a Capes divulgou uma nota informando que n�o teria condi��es de pagar os bolsistas porque a equipe econ�mica do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) zerou os recursos dispon�veis para desembolsos da pasta neste m�s.
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O atraso no pagamento das bolsas acontece em meio a um corte de R$ 1,7 bilh�o no or�amento do MEC feito pelo governo. O argumento para os bloqueios era a necessidade de adequar as despesas ao teto de gastos.
Nesta semana, o governo liberou R$ 300 milh�es para a pasta, mas entidades que atuam na causa da educa��o estimam que o MEC precisaria de pelo menos R$ 1,1 bilh�o s� para o pagamento de despesas em aberto de universidades federais. Ap�s protestos de estudantes, o ministro da Educa��o, Victor Godoy, anunciou nesta quinta-feira (8/12) que o governo havia liberado mais R$ 460 milh�es para o MEC e prometeu que o pagamento das bolsas da Capes seria feito na semana que vem.
O atraso no pagamento das bolsas, por�m, pegou milhares de pesquisadores em todo o Brasil e no exterior de surpresa. Como, em geral, os bolsistas n�o podem ter outras fontes de renda fixa, muitos se viram em situa��o de vulnerabilidade
"Eu sou a primeira mulher da minha fam�lia a entrar em uma universidade federal. Desde a gradua��o, sempre precisei de aux�lio financeiro e me engajei em projetos para conseguir algum dinheiro. Eu moro sozinha e a bolsa � minha �nica fonte de renda. Tem dois dias que eu n�o consigo dormir direito", conta Luane, que mora em um pequeno apartamento alugado em Planaltina, uma cidade-sat�lite no entorno de Bras�lia.
A pesquisadora atua em um projeto que tenta descobrir novos processos qu�micos para o beneficiamento do jeans.

Outra bolsista da Capes afetada pelo atraso � a colombiana Maria Camila Acero Castillo, de 27 anos. Ela faz doutorado em biologia molecular, tamb�m na UnB. Por m�s, ela recebe R$ 2,2 mil. Para dividir as despesas, ela se juntou a outras duas estudantes estrangeiras para alugar um apartamento em �guas Claras, uma regi�o administrativa de Bras�lia.
Ela conta que come�ou a semana aguardando o pagamento da bolsa para pagar sua parte no aluguel e nas demais contas da casa, mas o dinheiro simplesmente n�o chegou.
"A gente est� com o aluguel, luz e outras contas atrasadas. N�s falamos com a dona do im�vel. Ela entendeu, mas � uma situa��o muito inst�vel. Estou no Brasil h� tr�s anos e esse � o pior momento que vivi desde que cheguei", lamenta Maria.
A cientista pesquisa um novo modelo de tratamento para a epilepsia em pacientes que apresentam resist�ncia biol�gica aos medicamentos j� existentes.
Sem comida e sem rem�dios
Os cortes or�ament�rios na �rea da educa��o n�o afetaram apenas os estudantes de p�s-gradua��o. Alunos da gradua��o em situa��o de vulnerabilidade tamb�m est�o sofrendo com a suspens�o do pagamento de aux�lios e benef�cios considerados vitais para a manuten��o deles dentro das universidades. Em alguns casos, esses benef�cios garantem a pr�pria seguran�a alimentar de alguns estudantes.
� o caso da estudante Esther Sales, aluna do curso de Biologia, na UnB. Mulher e negra, ela vive com a m�e em uma casa em S�o Sebasti�o, uma cidade-sat�lite na periferia de Bras�lia.

Ela recebe R$ 465 por m�s de um programa da UnB para auxiliar alunos em situa��o de vulnerabilidade a permanecerem no Ensino Superior. Esther diz que sua m�e n�o pode trabalhar por problemas de sa�de e que o dinheiro que recebe ajuda a complementar a renda da fam�lia.
Neste m�s, por�m, a universidade anunciou que n�o poderia manter o pagamento por conta dos cortes or�ament�rios impostos pelo governo federal. Em uma nota oficial publicada na segunda-feira (5/12), a UnB disse que o �ltimo corte de R$ 17 milh�es no or�amento do �rg�o feito pelo governo federal impede o pagamento de aux�lios, contratos e pode comprometer at� mesmo o funcionamento do restaurante universit�rio. A UnB classificou a situa��o como "insustent�vel".
No laborat�rio onde estuda, Esther diz estar desesperada.
"Sem esse dinheiro, eu n�o consigo comprar comida e nem meus rem�dios. Preciso tomar medicamentos controlados pois tenho TDAH (Transtorno do D�ficit de Aten��o e Hiperatividade). Sem esses rem�dios, eu n�o rendo nas aulas. A sensa��o � de desespero", conta.
Esther diz que desde que seu benef�cio foi cortado, ela reduziu a quantidade de alimentos que ingere todos os dias.
"Agora, eu s� me alimento quando vou no restaurante universit�rio. Tomo caf�, almo�o e janto l�. N�o tenho mais condi��es de tomar um lanche no meio das refei��es. Meu maior medo � fecharem o restaurante", afirma.
Aparentando tristeza com a situa��o, Esther disse que vai tentar resistir at� onde conseguir.
"Eu fui a primeira mulher da minha fam�lia a chegar no ensino superior, mas n�o quero ser a �ltima", disse.
"Anestesiado" e longe de casa
Os cortes nas bolsas n�o afetaram apenas estudantes que vivem no Brasil. Segundo a Associa��o Nacional de P�s-Graduados (ANPG), h� relatos de pelo menos 100 estudantes brasileiros fazendo parte dos seus estudos fora do pa�s e que tiveram suas bolsas suspensas.
O doutorando Anderson Keity Ueno, que estuda biologia qu�mica na Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), est� em Reims, na Fran�a, onde atua como pesquisadora e recebe uma bolsa da Capes no valor de 1,3 mil euros.
Longe de casa, da fam�lia e com a bolsa atrasada, Anderson diz se sentir "anestesiado" e que j� come�ou a pensar em alternativas para sobreviver ao atraso.
"Eu estou anestesiado porque me custa acreditar que essa situa��o aconteceu [...] Se at� o final da semana que vem n�o cair (o dinheiro na conta) cogito em pedir algum tipo de empr�stimo ou conversar com a gerente da resid�ncia sobre o uso do cau��o.", diz.
Quebra de contrato e vulnerabilidade
Para o presidente da ANPG, Vin�cius Soares, o atraso nas bolsas da Capes � uma "quebra de contrato".
"O n�o pagamento � uma quebra de contrato com esses estudantes. Para muitas fam�lias, as bolsas s�o as �nicas fontes de renda da fam�lia. Esse atraso coloca milhares de fam�lias inteiras em todo o Brasil e fora em situa��o de vulnerabilidade", afirma Soares.
Nos �ltimos dias, a Capes se manifestou sobre os cortes por meio de uma nota.
Segundo ela, o atraso � decorrente de um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da economia Paulo Guedes que impediu o pagamento das bolsas.
"A Capes foi surpreendida com a edi��o do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autoriza��o para desembolsos financeiros durante o m�s de dezembro [...] o que a impedir� de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manuten��o administrativa da entidade at� o pagamento das mais de 200 mil bolsas", diz um trecho da nota.
Tamb�m por meio de nota, a UnB se manifestou sobre os cortes em seu or�amento no in�cio desta semana.
"A situa��o financeira da UnB e das demais universidades federais j� era dram�tica desde o in�cio de 2022, piorou com o corte de 7,2% feito pelo governo federal no m�s de junho (R$ 18 milh�es s� na UnB) e, agora, torna-se insustent�vel", disse o �rg�o.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao MEC que, at� o momento, n�o enviou respostas.
Procurada, a UnB informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as bolsas de assist�ncia estudantil como a recebida por Esther Sales foram pagas nesta quinta-feira. Ainda de acordo com a nota, os servi�os que foram prejudicados pelos cortes or�ament�rios foram o pagamento de bolsas, de servi�os terceirizados, �gua, luz e contratos do restaurante universit�rio.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63912014