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Estado de Minas 'CIDAD�O COMUM'

A curiosa origem da palavra 'idiota', que n�o tinha a ver com intelig�ncia

A palavra vem do grego e originalmente n�o era um adjetivo desrespeitoso ou depreciativo, mas tinha a ver com cidadania


18/09/2023 06:17 - atualizado 18/09/2023 08:53
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A palavra idiota escrita em grego
Idiota, em grego: originalmente n�o era um adjetivo desrespeitoso, depreciativo ou um insulto (foto: BBC)

“O pior analfabeto

� o analfabeto pol�tico.

Ele n�o ouve, n�o fala

nem participa dos acontecimentos pol�ticos.

N�o sabe que o custo de vida,

o pre�o do feij�o, do peixe,

de farinha, do aluguel, do cal�ado

e dos medicamentos

dependem de decis�es pol�ticas”.

Esse analfabeto pol�tico do poema atribu�do ao dramaturgo alem�o Bertolt Brecht �, por outras palavras, um idiota, em seu sentido quase original.

A palavra 'idiota' vem do grego %u1F30δι%u03CEτης idi%u1E53t%u0113s e originalmente n�o era um adjetivo desrespeitoso, depreciativo ou um insulto.

Nem tinha qualquer rela��o com a intelig�ncia da pessoa a quem se referia.

Era usada para se referir a um cidad�o comum, em oposi��o a um estudioso ou algu�m que agia em nome do Estado ou ocupava cargo p�blico.

Mas como os gregos valorizavam muito a participa��o c�vica, reconhecendo que sem ela a democracia entraria em colapso, era esperado que todos os cidad�os estivessem interessados e familiarizados com os assuntos p�blicos. Ou seja, eles n�o deveriam ser idiotas.

Permanecer � margem da vida p�blica era sinal de ignor�ncia, falta de educa��o, desinforma��o e abandono do dever como cidad�o.

Aquele que n�o contribu�a para os debates pol�ticos, declarou P�ricles, o grande estadista de Atenas, era considerado "n�o sem ambi��o, mas absolutamente in�til".

� nesse contexto que, com o passar do tempo, idiota come�ou a adquirir uma conota��o negativa, e se transformou um termo de reprova��o e desd�m.

Viver apenas uma vida privada n�o era ser plenamente humano.

“Se o comportamento e o discurso de um homem deixavam de ser pol�ticos, ele se tornava idiota: egoc�ntrico, indiferente �s necessidades do pr�ximo, inconsequente em si mesmo”, explica Christopher Berry em seu livro A Ideia de uma Comunidade Democr�tica.

E esse tipo de idiotice talvez fosse mais grave do que aquela que resultou da metamorfose que teve in�cio e que levaria a palavra a se tornar o que hoje, conforme a defini��o em portugu�s, por exemplo, do dicion�rio Michaelis:

adj m+f sm+f

1 Diz-se de ou o que demonstra falta de intelig�ncia, de discernimento ou de bom senso; est�pido, imbecil, tanso, tant�, tolo, zote.

2 Diz-se de ou pessoa que se considera superior aos outros; arrogante, presun�oso.

3 Diz-se de ou o que � tolo ou ing�nuo.

Da pol�tica � medicina


Ilustração da Grécia antiga
Na Gr�cia antiga, participar da pol�tica era considerado fundamental (foto: GETTY IMAGES)

Depois de se tornar um termo pejorativo para quem se recusava a participar da pol�tica, passou a definir algu�m como ignorante, grosseiro e sem instru��o.

Com essa interpreta��o, chegou ao latim no s�culo 3°, e da� para outras l�nguas.

Embora o significado pol�tico tenha sobrevivido por algum tempo, � medida que a cultura e as tradi��es da Gr�cia antiga ficaram para tr�s, o novo significado o substituiu.

Logo, outro fato refor�ou ainda mais o significado atual.

No in�cio do s�culo 20, os psic�logos franceses Alfred Binet e Theodore Simon criaram o primeiro teste de intelig�ncia moderno, que calculava o QI com base na capacidade das crian�as de realizar tarefas como apontar para o nariz e contar moedas.

Os psic�logos ficaram t�o apaixonados pela natureza cient�fica dos testes que criaram sistemas de classifica��o.

Qualquer pessoa com QI acima de 70 era considerada “normal” e qualquer pessoa acima de 130 era considerada “superdotada”.

Para lidar com pessoas com QI inferior a 70, inventaram uma nomenclatura.

Um adulto com idade mental inferior a 3 anos foi rotulado de “idiota”; entre 3 e 7, para “imbecil”; e entre 7 e 10, “d�bil mental”.

"Idiota" ent�o se tornou um termo t�cnico usado em contextos jur�dicos e psiqui�tricos.

Usar essa palavra, como aconteceu com o latim 'imbecil' para descrever graus de defici�ncia ps�quica, fez com que ela tamb�m acabasse sendo um insulto que se refere aos dons mentais do insultado.

Em algumas culturas, “idiota”, assim como “imbecil”, caiu em desuso na medicina algumas d�cadas depois porque foi considerado ofensivo.

Em espanhol, por�m, idiotismo ou idiocia continua aparecendo na Real Academia Espanhola (RAE) como o nome de um tipo de defici�ncia intelectual:

1. f. Med. Transtorno caracterizado por uma defici�ncia muito profunda das faculdades mentais, cong�nita ou adquirida nas primeiras idades da vida.

Portanto, um idiota tamb�m significa, segundo o Michaelis, em portugu�s:

4 MED Diz-se de ou pessoa que sofre de idiotia

Tr�s vidas

Ilustração da obra 'O idiota'
"O Idiota", do autor russo Fyodor Dostoyevsky, era o Pr�ncipe Myshkin, e ele foi chamado assim por causa de sua humildade, honestidade e bondade em uma sociedade de farsantes e falsos conspiradores. (Desenho e texto manuscrito de Dostoi�vski) (foto: BBC)

Desde o s�culo 19, h� pensadores que defendem que a palavra seja usada de forma mais ampla, mas recuperando o seu significado original.

Um deles � Walter C. Parker, professor em�rito da Universidade de Washington, para quem essa antiga etimologia pode ser uma ferramenta valiosa para uma compreens�o contempor�nea da democracia e da cidadania.

Parker, que se dedica � educa��o c�vica, explicou � BBC News Mundo que seu prop�sito � ajudar os indiv�duos na transi��o daquele mundo privado da fam�lia e do parentesco para o mundo p�blico do governo, uma transi��o crucial porque "nas democracias liberais s�o as pessoas que governam."

“Nesse sentido, podemos voltar a Arist�teles, h� 2 mil anos, que costumo citar quando escrevo sobre idiotice. Para ele, idiota � algu�m cuja vida privada � sua �nica preocupa��o, algu�m que n�o toma iniciativa na pol�tica.”

“S�o pessoas imaturas, com desenvolvimento truncado, que podem ter vida social, mas n�o vida p�blica.”

"Portanto, existe uma vida privada, uma vida social e uma vida p�blica, e para ser um indiv�duo com objetivos e prosperar voc� precisa de todos os tr�s."

Mas como podemos distinguir entre social e p�blico?

Para Parker, quem melhor pensou sobre isso desde Arist�teles foi a historiadora e fil�sofa Hannah Arendt.

“Basicamente ela diz que todos podemos ter uma vida social – com os nossos amigos e familiares, redes sociais, trabalho, lazer – sem necessariamente ter uma vida p�blica.”

“Uma vida p�blica � uma vida pol�tica.”

“O ideal da democracia liberal � que n�s, o povo, participemos, estabelecendo o governo e criando as regras com as quais viveremos juntos sem nos separarmos, e trataremos de nos defender do tipo de vida p�blica que n�o queremos.”

"Mas o idiota rejeita tudo isso. Ele simplesmente se enterra na sua vida privada e na sua vida social, arriscando assim que sejamos governados por aqueles que menos queremos", como j� advertiu o fil�sofo ateniense Plat�o em A Rep�blica.

� por isso que Parker quer resgatar o significado original do termo.

“Porque nos ajuda a falar sobre o que significa desenvolver uma voz pol�tica”, diz ele.

"N�o podemos ser idiotas"

Pessoas em lados opostos discutindo
� crucial expressar e ouvir opini�es pol�ticas, apontam especialistas (foto: Getty Images)

Tudo come�a na escola, opina Parker.

“No ensino, devemos promover o debate de quest�es p�blicas pol�micas com outras pessoas, cujas opini�es sejam semelhantes ou n�o. Isso n�o importa.”

“Se voc� gosta ou n�o da opini�o de algu�m � importante na vida social, mas n�o na vida p�blica, onde temos que nos conectar, nos relacionar, conversar e ouvir outras pessoas, independentemente de elas concordarem com voc�.”

“O objetivo da educa��o c�vica � refor�ar a democracia liberal, que est� hoje em perigo em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, como vimos com o trumpismo”, afirma o especialista.

Essa troca de opini�es que tem sido t�o importante nas �ltimas d�cadas acontece muitas vezes nas redes sociais, que servem como espa�o de discuss�o, mas podem ser uma caixa de resson�ncia para mentiras e informa��es destrutivas para a sociedade democr�tica.

“H� sempre o perigo de o idiota levar a sua idiotice para a esfera p�blica, para usar os termos que usamos no contexto de que estamos a falar”, explica Parker.

Mas algo tamb�m “terr�vel”, lamenta o acad�mico, � a indiferen�a.

Est� documentado que as novas (e n�o t�o novas) gera��es n�o est�o interessadas nos acontecimentos atuais.

Apesar de viverem num mundo onde mais do que nunca as pessoas t�m meios de acesso � informa��o, elas optam por n�o prestar aten��o. Elas simplesmente n�o se importam.

Ilustração de Aristóteles
Arist�teles argumentava que a demagogia pode levar � elei��o de democratas que acabam se tornando tiranos (foto: Getty Images)

“Na verdade, estamos recebendo cada vez mais pesquisas que mostram que os jovens t�m uma vida privada e social ativa, mas n�o uma vida p�blica.”

“E esse � um terreno f�rtil muito perigoso para a demagogia”, explica.

Agora: a exalta��o da vida p�blica n�o ocorre em detrimento das outras duas esferas, esclarece Parker.

“O objetivo de reivindicar o termo idiotice n�o � de forma alguma negar ou descartar a import�ncia da vida privada ou social, que s�o t�o cruciais para o nosso florescimento como seres humanos.”

“� l� que existe a nossa fam�lia, os nossos amigos e o nosso trabalho.”

“Mas a personalidade p�blica � o elo que falta, por assim dizer, para tornar poss�vel vivermos juntos em sociedade com as nossas diferen�as intactas.”

� nessa vida p�blica, salienta, que aprendemos a lidar com estranhos com ideologias diferentes em culturas diferentes.

“O objetivo � desenvolver um modus vivendi, do latim, um modo de vida que nos permita prosperar juntos sem nos matarmos.”

“Temos que cultivar o eu p�blico e, para isso, n�o podemos ser idiotas”.


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