
Depois de uma s�rie de pol�micas, tens�o e muita expectativa, o primeiro Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) aplicado na gest�o Jair Bolsonaro manteve o padr�o de anos anteriores, apesar das cr�ticas do presidente da Rep�blica sobre o que considerava uso ideol�gico da prova que � o passaporte para as 63 universidades p�blicas federais do pa�s.
Milh�es de candidatos em todo o Brasil se depararam com uma avalia��o que abordou diversos temas relacionadas a direitos humanos, embora a tem�tica LGBTQI+, que levantou controv�rsia na �ltima edi��o, tenha ficado de fora. Foi o que mostrou, na avalia��o de professores, o primeiro dia de provas, que testou conhecimentos nas �reas de linguagens, ci�ncias humanas e reda��o.
Para o pr�ximo domingo, na segunda bateria de provas, professores apostam que o desafio tende a tampouco reservar grandes surpresas aos candidatos, por se tratar de �reas de conhecimento mais objetivas: matem�tica e ci�ncias da natureza. O gabarito dos dois dias de prova ser� divulgado no dia 13 de novembro pelo Minist�rio da Educa��o (MEC).
Como de praxe em anos anteriores, as quest�es do Enem 2019 abordaram temas diversos ligados a direitos humanos, como viol�ncia contra a mulher, racismo, refugiados, escravid�o e discursos de �dio nas redes sociais. Houve temas relacionados a direitos das minorias, problemas de concentra��o de renda e uso de agrot�xicos brasileiros. Em contrapartida, outros assuntos recorrentes em anos anteriores, como o governo Vargas, Guerra Fria e a Segunda Guerra Mundial, n�o apareceram na edi��o deste ano. Ficou de fora tamb�m o per�odo da ditadura militar, o que chamou a aten��o, j� que Bolsonaro � o primeiro militar a governar o pa�s p�s-redemocratiza��o. Nenhuma das 90 quest�es trouxe a tem�tica LGBTQI , criticada por Bolsonaro na edi��o passada.
Em novembro passado, ao criticar uma das quest�es do Enem que abordava o pajub� – conjunto de express�es usadas pela popula��o LGBTQI –, o ainda candidato Jair Bolsonaro afirmou que em 2019 leria a prova antes de ela ser aplicada. A inten��o seria garantir que as quest�es “n�o tenham postura ideol�gica”. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep), �rg�o respons�vel pela avalia��o, chegou a declarar que havia a possibilidade de a vistoria de Bolsonaro ocorrer antes da aplica��o.
“Pouca coisa mudou. Havia uma expectativa de mudan�a substancial, mas a prova manteve a trajet�ria e os conte�dos cobrados”, afirma o professor Leonardo Caetano Miranda, do curso preparat�rio Chromos, que fez o Enem. No caso de sua �rea, geografia, esperava-se que houvesse a cobran�a de geografia f�sica, em detrimento da humana, o que acabou n�o se confirmando. “Tamb�m n�o tivemos tantas atualidades na prova de humanas, mas uma recorr�ncia de assuntos que eram previstos”, comenta.
O diretor pedag�gico-executivo do Bernoulli Educa��o, Marcos Raggazzi, aponta que a prova continua com o “formato e padr�o Enem”. A prova de linguagens, que na edi��o do ano passado foi alvo de pol�mica, n�o trouxe grandes novidades, mas ficou longe de pol�micas. “A prova de ci�ncias humanas ficou mais direta, o que era um indicativo, um pouco mais pr�xima do que a gente chama de 'vestibulares tradicionais', mas n�o foi significativamente diferente”, afirma.
Para o pr�ximo domingo, nas provas de matem�tica e ci�ncias da natureza, a expectativa � que o Enem mantenha a linha. “A gente acredita que n�o vai se distanciar significativamente das �ltimas provas, at� porque s�o disciplinas menos pol�micas”, diz Raggazzi. J� o professor do Chromos afirma que, para se dar bem na semana que vem, os candidatos devem ficar atentos � interpreta��o das quest�es. “A prova cobrou muito a capacidade do candidato de interpretar e associar o conte�do estudado com o que est� sendo pedido na quest�o”, diz. Ele tamb�m observou que os textos abordados nas quest�es eram bem atuais, publicados neste ano e no ano passado.
Questionado sobre a aus�ncia de temas como a ditadura militar, o ministro da Educa��o, Abraham Weintraub, admitiu que havia uma recomenda��o para os formuladores do exame evitarem pol�micas. “O conte�do das quest�es n�o vou comentar”, disse, para mais tarde completar que somente neste domingo teve conhecimento das quest�es. “O objetivo n�o era dividir, doutrinar, � selecionar as pessoas mais capacitadas.”
Candidatos
“Ca�ram muitas coisas sobre internet e preconceito. O tema da reda��o me surpreendeu tamb�m”, diz L�lian Fonseca, que j� estuda numa faculdade privada e sonha com vaga em uma universidade p�blica. Aluno de ci�ncias da computa��o, Matheus Marinho, de 19 anos, tamb�m est� na corrida por uma cadeira no sistema p�blico de ensino. Para ele, o maior dificultador foi a reda��o, que tratou da democratiza��o do acesso ao cinema no Brasil. “Vou muito ao cinema e n�o vejo a realidade que eles destacaram na prova. Vejo muita gente de classe m�dia baixa nas salas”, destacou.
J� a candidata Caroline Rodrigues, de 45, avaliou que a prova teve uma abordagem pol�tica “esquerdista”. “� a segunda vez que eu fiz o Enem e foi s� por curiosidade, porque j� tenho curso superior. Achei a prova muito pol�tica. Bem esquerdista mesmo. Teve muita coisa de preconceito, de pol�tica mesmo”, destacou. De acordo com o Inep, 376 participantes foram eliminados por descumprir as regras do exame. Dos 5,095 milh�es de inscritos, 3,92 milh�es compareceram � prova. A absten��o ficou em 23%, a menor da hist�ria do Enem, segundo o MEC. Ano passado, foi de 24,9%. A expectativa, no entanto, � de que o n�mero aumente no pr�ximo domingo, quando ser� realizada a segunda etapa do exame.
Cinema � a estrela da prova de reda��o
A defesa do presidente Jair Bolsonaro de n�o politizar o Enem tamb�m trouxe grande expectativa em rela��o ao tema da reda��o, que pediu para candidatos escreverem sobre a “Democratiza��o do acesso ao cinema no Brasil”. “Todo tema do Enem � pol�tico, mas esse n�o deve levantar pol�mica”, afirma Janiny Nominato professora de reda��o da rede Chromos.
Para Anna Carolina Ara�jo, supervisora de reda��o da rede Coleguium, o assunto surpreende, mas traz menos dificuldades que o do ano passado, quando o Inep abordou a “manipula��o do comportamento do usu�rio pelo controle de dados da internet”. Ela lembra que a Ag�ncia Nacional do Cinema (Ancine), �rg�o fomentador e regulador das produ��es cinematogr�ficas no pa�s, esteve no alvo de pol�mica recente, com o corte de financiamento a filmes de tem�tica LGBT.
Quanto a poss�veis “pegadinhas”, Anna Carolina avalia que uma dificuldade pode ser uma eventual refer�ncia ao Minist�rio da Cultura como agente fomentador do cinema. Isso porque a pasta deixou de existir no governo Jair Bolsonaro (PSL). Por isso, o ideal � que o aluno tenha se referido � Ancine. “Definir o agente � uma dificuldade, porque nem todo mundo conhece a Ancine, apesar de ela ter vindo � tona recentemente, h� dois meses, com pol�micas sobre filmes LGBT e censura. Quem falar da Ancine, com certeza, se deu muito bem”, ressalta.
Outro poss�vel erro, segundo Anna Carolina, � que o estudante se concentre na arte como um todo, de maneira ampla, e desvie do assunto principal, que � o cinema como transformador social. A professora ainda pontua a necessidade do pautar pol�ticas p�blicas para facilitar o acesso da popula��o em vulnerabilidade social ao cinema.
Segundo Anna, uma estrat�gia que pode trazer sucesso aos estudantes consiste construir a argumenta��o a partir dos filmes nacionais de proje��o mundial, citando t�tulos como Cidade de Deus (2002), O Auto da Compadecida (2000) ou Central do Brasil (1998).
Para ter uma boa pontua��o, o candidato deve ter apresentado uma proposta de interven��o. “O candidato pode apresentar alternativa para minimizar os impasses, os problemas relacionados ao tema. Pode sugerir a cria��o de um vale cinema ou pode solicitar ao governo cria��o de disciplina nas escolas para falar sobre cinema”, diz Janiny. Ela n�o se surpreendeu com o tema, que inclusive foi trabalhado em sala com os alunos da rede.
Foto vaza no in�cio do teste
Minutos depois do in�cio do Enem, circulava nas redes sociais imagem da p�gina com a proposta de reda��o. O ministro da Educa��o, Abraham Weintraub, confirmou a veracidade da imagem, mas minimizou o epis�dio, em declara��o na sua p�gina do Twitter, dizendo que o exame seguia “100%”. O Inep, respons�vel pela organiza��o da avalia��o nacional, informou que �rg�os competentes foram acionados para identificar o autor do registro. A suspeita da Pol�cia Federal � que um aplicador do exame tenha vazado o conte�do. Questionado sobre as penas que ele estaria sujeito, Weintraub afirmou, em coletiva de imprensa, que a inten��o seria “escangalhar ao m�ximo a vida dele”. “A gente vai atr�s de absolutamente tudo para que essa pessoa pague pela m�-fe e falsidade”, disse.