
Ent�o desempregada h� seis meses e afundada em d�vidas, Ra�ssa Cardoso, de 28 anos, foi procurada em junho por uma empresa oferecendo a ela uma vaga de trabalho.
Mas o que parecia uma oportunidade interessante se converteu em um constrangimento, devido � inflexibilidade da contratante quando a designer perguntou se poderia fazer a entrevista de forma virtual, por n�o ter naquele momento dinheiro para o deslocamento.
Num momento de infla��o em alta e renda das fam�lias em queda, o processo de sele��o de funcion�rios requer empatia das empresas, segundo especialista em recursos humanos.
"Depois de uma etapa de envio de v�deo-apresenta��o, eles me mandaram mensagem. Era um dia de semana, no final da tarde. Eu estava ocupada, n�o consegui ver a mensagem na hora, e eles n�o esperaram minha resposta, j� mandaram o endere�o, supondo que eu pudesse ir", conta Ra�ssa, que � moradora de S�o Gon�alo, na regi�o metropolitana do Rio de Janeiro.
A vaga era para trabalho presencial, no munic�pio vizinho de Niter�i."Eu estava desempregada h� seis meses, devendo contas, cart�es, empr�stimo. Estava numa situa��o muito complicada, contando moeda. Ent�o, de um dia para o outro, eu n�o tinha [dinheiro]", lembra a designer, que conta que sua situa��o se complicou ap�s n�o receber pelo m�s final na �ltima empresa em que trabalhou.
"Eu moro com meus pais. Meu pai � aposentado e minha m�e � esteticista aut�noma, mas ela tamb�m n�o estava conseguindo muita coisa. Ent�o acabou ficando bastante dif�cil."
A trabalhadora perguntou ent�o se havia a possibilidade de realizar a entrevista � dist�ncia. A recrutadora questionou qual seria a justificativa. Ra�ssa foi sincera: "No momento, estou sem dinheiro para o deslocamento", escreveu.
"Vamos ent�o deixar para uma pr�xima oportunidade", foi a resposta.
A profissional pediu ent�o para retornar mais tarde, dizendo que tentaria conseguir o dinheiro emprestado. Mas a resposta foi novamente negativa.

"Eles n�o ofereceram nenhuma possibilidade de reagendamento, n�o quiseram nem me dar um tempinho para eu poder pedir o dinheiro emprestado. N�o me deram nenhuma abertura e me retiraram do processo seletivo", lamenta.
"Senti bastante inflexibilidade da parte deles e um pouco de falta de empatia tamb�m. Acho que, quando voc� est� tratando com um candidato, precisa lembrar que tem uma pessoa ali do outro lado, que tem problemas, que tem vida pessoal como todo mundo. Fiquei frustrada e um pouco chocada, porque em quest�o de minutos, a conversa mudou totalmente."
Quanto custa procurar emprego?
Num momento em que o desemprego brasileiro est� em queda — a taxa de desocupa��o chegou a 9,3% no trimestre encerrado em junho, o menor patamar desde 2015, ap�s pico de 14,9% em mar�o de 2021 —, o custo de procurar emprego ainda se imp�e como uma barreira entre muitos desempregados e a volta ao mercado de trabalho.
Apesar de a popula��o ocupada ser a maior desde o in�cio da s�rie hist�rica da pesquisa, em 2012 (98,3 milh�es), o n�mero de trabalhadores informais bateu recorde (39,3 milh�es), enquanto o rendimento m�dio acumula queda neste ano (5,1%), em compara��o a 2021.
Segundo levantamento feito em 2019 pelo site de classificados de emprego Catho, pessoas que estavam em busca de vagas de est�gio ou trainee, por exemplo, gastavam cerca de R$ 300 por m�s nesta procura. A conta inclui gastos com transporte, alimenta��o fora de casa, impress�o de curr�culos e internet m�vel.
Ainda segundo a empresa, os candidatos procuravam emprego pessoalmente tr�s vezes por semana, em m�dia, com gasto di�rio m�dio de R$ 25. Se inclu�da a despesa com banda larga na resid�ncia, o custo mensal subia a R$ 350.
A BBC News Brasil solicitou � Catho uma atualiza��o desse levantamento, tendo em vista a infla��o acumulada de quase 27% desde 2019, mas a empresa informou que n�o possui dados atualizados.

Em junho, al�m dos 10,1 milh�es de brasileiros ainda desempregados, o pa�s somava 4,3 milh�es de desalentados, representando quase 4% da popula��o em idade de trabalhar.
Os desalentados s�o pessoas que desistiram de procurar emprego. Inclui quem se acha muito jovem, muito idoso, pouco experiente, sem qualifica��o ou teme n�o encontrar vaga devido a seu local de resid�ncia. Inclui tamb�m quem n�o tem dinheiro para pagar a passagem e procurar uma vaga.
Alguns Estados ou munic�pios oferecem passagens gratuitas para desempregados no transporte p�blico. � o caso, por exemplo, de S�o Paulo, que disponibiliza uma credencial que permite acesso gratuito ao Metr� e aos trens da CPTM, para pessoas desempregadas h� mais de 30 e menos de 180 dias. O benef�cio pode ser requisitado na esta��o Barra Funda da CPTM.
Mas nem toda hist�ria de trabalhadores sem dinheiro para a busca de emprego termina como a de Ra�ssa. A diferen�a pode estar no trato humanizado da situa��o pela empresa.
Foi o caso de uma profissional selecionada pela analista de recursos humanos Michelly Soares, em uma hist�ria que come�ou com falta de dinheiro para ir � entrevista e terminou com a contrata��o, requalifica��o profissional da contratada e avan�o dela rumo a uma posi��o mais bem remunerada.
Um problema resolvido com empatia e um Pix
"Eu estava fazendo um processo seletivo para uma vaga de auxiliar de servi�os gerais, que s�o as pessoas que cuidam da limpeza da �rea comum do hotel", conta Michelly, de 34 anos.
"Recebi um curr�culo e liguei para a candidata. No primeiro contato que fiz, ela n�o atendeu � liga��o. Insisti v�rias vezes, at� que na �ltima tentativa — quando eu pensei 'se n�o atender, eu n�o vou mais tentar' —, ela atendeu e falou: 'Me desculpa, dona Michelly, eu achei que era cobran�a'. Ali eu j� vi que era uma pessoa bem humilde", diz a analista de recursos humanos.
Depois de uma conversa pr�via por telefone, Michelly convidou a trabalhadora para realizar um teste pr�tico no hotel no dia seguinte.
"Ela falou: 'Ai, dona Michelly, amanh� eu n�o tenho como. � porque eu estou desempregada tem muito tempo, e n�o tenho condi��es de pagar passagem para ir � entrevista. Ontem eu j� peguei dinheiro emprestado porque o meu marido foi fazer uma entrevista de emprego. Ent�o eu n�o tenho mais a quem recorrer'", lembra a representante do hotel localizado em Ipanema, bairro nobre do Rio de Janeiro.
Michelly ent�o deu uma solu��o simples ao problema: sugeriu fazer um Pix � candidata, com o valor necess�rio para o deslocamento dela ao local da entrevista. A trabalhadora chegou a perguntar se n�o era trote, temendo estar sendo v�tima de algum golpe.
Mas a profissional de RH conseguiu convenc�-la de que a oferta era leg�tima. No dia seguinte, a trabalhadora fez o teste pr�tico e foi aprovada pelo gestor da �rea.
"Ela ficou muito, muito feliz. Come�ou a trabalhar com a gente e, no primeiro m�s em que recebeu o adiantamento do sal�rio, veio com o valor do Pix, querendo me pagar de volta, e com um chocolate em agradecimento. O dinheiro, � claro, eu falei que n�o precisava, mas aceitei o chocolate. Ela chorou, me abra�ou e agradeceu. Ficamos as duas muito emocionadas", diz Michelly.

Olhar para al�m do curr�culo
Segundo a analista de RH, depois desse caso, outros semelhantes j� aconteceram, principalmente nas vagas operacionais, geralmente ocupadas por trabalhadores de renda mais baixa, que costumam morar em bairros distantes ou at� mesmo em cidades vizinhas � capital fluminense.
Ela conta, por exemplo, de um profissional de mais de 50 anos que entregou � empresa um curr�culo preenchido � m�o. Ele j� estava desacreditado de se recolocar no mercado de trabalho, mas acabou sendo contratado, se destacando e mostrando grande comprometimento.
Michelly conta que a satisfa��o com essas hist�rias de sucesso � imensa.
"Eu n�o sei nem explicar o sentimento. � um sentimento de miss�o cumprida. Voc� v� a pessoa trabalhando e sente prazer pelo que faz. � uma coisa que n�o tem pre�o", afirma a analista.

"O profissional de RH � um mediador entre empregador e empregado. Mas ter empatia pelo outro � algo muito do perfil do profissional", opina, acrescentando que essa postura � ben�fica para a empresa, que acaba identificando talentos que, do contr�rio, poderiam ser desperdi�ados.
"Conhe�o profissionais de RH que est�o apenas preocupados em fechar a vaga, n�o est�o nem a� se a pessoa n�o tem como vir. N�o t�m o feeling de olhar um curr�culo e ver que a pessoa teve dificuldade de montar o documento. �s vezes, o curr�culo pode ter erros de portugu�s, porque a pessoa n�o teve a oportunidade do ensino, mas ela trabalha muito bem", afirma.
Para Michelly, � o RH quem "faz a empresa".
"Um RH humanizado consegue fazer a diferen�a, resulta em um clima organizacional bacana e em pessoas trabalhando engajadas", afirma.
Ra�ssa, ap�s ser dispensada pela empresa sem empatia, conseguiu outro emprego. Agora, ela considera que a experi�ncia negativa foi na verdade um "livramento".
"O lugar em que estou agora foi uma vaga que eu quis muito, por muito tempo. Ent�o eu estou muito feliz. As pessoas s�o muito bacanas e estou fazendo algo que gosto muito", afirma.
"Quanto �quela outra empresa, se antes de contratarem, eles j� tratam as pessoas desse jeito, sem ter um m�nimo de flexibilidade diante de um problema, provavelmente o trato com os funcion�rios l� dentro � da� para pior. Se for para ser desse jeito, realmente eu prefiro n�o estar ali."
J� a trabalhadora de servi�os gerais contratada por Michelly n�o est� mais no hotel.
"Ela foi t�o boa trabalhando aqui conosco, que come�ou um treinamento interno para passar a ser cumim, que � o profissional auxiliar do gar�om. Ela gostou muito e um outro hotel tinha vaga de cumim. Ela fez o teste, passou e foi. Foi muito bacana, eu fico muito feliz de ver algu�m que foi nossa aprendiz prosperar", comemora.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62430303
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