(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas EMPREGO

Os 'trabalhos dos sonhos' que se transformam em pesadelos

Ter um emprego e ser apaixonado por ele � �timo, mas alguns profissionais est�o deixando os empregos dos seus sonhos, em busca de estabilidade e seguran�a.


27/10/2022 16:37 - atualizado 28/10/2022 11:33


Pessoa montando um bolo
Geralmente, os profissionais sempre esperam conseguir um cargo que combine seus interesses e paix�es (foto: Getty Images)

Com 25 anos de idade, Andrew estava progredindo em sua carreira na �rea da culin�ria, como confeiteiro em um restaurante recomendado pelo guia Michelin na Esc�cia.

Todas as sobremesas deliciosas e os bolos finamente esculpidos na cozinha eram cria��es dele. Ele finalmente ocupava um cargo que havia passado anos desejando e procurando.

Andrew havia atingido esse n�vel depois de apenas seis anos no setor de hotelaria e alimenta��o. Ele come�ou com 19 anos de idade, como auxiliar de cozinha, em um hotel na sua cidade-natal no oeste da Esc�cia, e rapidamente foi promovido para chef j�nior.

Com 21 anos, ele foi aprendiz de chef em um premiado hotel da regi�o dos Lagos, no norte da Inglaterra. Ao mesmo tempo, Andrew estudava confeitaria obstinadamente nas horas vagas. Ele estava pronto para dedicar sua vida a aperfei�oar seus conhecimentos. "Era tudo o que me importava", conta ele.

Mas, no auge da carreira, trabalhando no emprego dos seus sonhos em um renomado restaurante, ele pediu demiss�o.

Com 26 anos de idade, ele voltou a estudar, desta vez em um curso de gradua��o de quatro anos em desenvolvimento de software. Ele havia abandonado n�o s� o emprego para o qual ele havia se dedicado tanto, mas o setor hoteleiro como um todo.

Para Andrew, a virada veio quando, depois de finalmente conseguir o cargo de destaque que tanto desejava, ele percebeu que o trabalho exaustivo que era necess�rio n�o valia a pena. "Dos 19 aos 25 anos, todo aquele per�odo da minha vida, eu simplesmente me sacrifiquei", ele conta. "Todos os outros estavam se divertindo e eu basicamente era um servo na cozinha."

Andrew percebeu que, ao longo de toda a sua carreira, ele se sentiu sobrecarregado, subvalorizado e mal pago.

"Eu estava trabalhando 65 a 70 horas por semana e recebendo [um sal�rio de] 20 mil libras (cerca de R$ 123 mil) por ano", afirma ele. "Eu era respons�vel pelo setor [de confeitaria]. Estava criando a maioria das sobremesas... por 5,95 libras (cerca de R$ 37) por hora. Eu comecei a pensar, 'por t�o pouco dinheiro, o que estou fazendo com a minha vida? Como assim, fiquei maluco?'."

Geralmente, os profissionais esperam conseguir um cargo que combine seus interesses e paix�es. Afinal, parece um �timo neg�cio trocar a rotina do escrit�rio por aquela sonhada padaria ou por um cargo divertido em uma empresa de videogames.

Mas essa narrativa de "fazer o que voc� ama" traz desvantagens. Muitas pessoas percebem que o emprego dos sonhos exige mais trabalho, sob condi��es piores. Outros descobrem que os setores que eles idolatram aproveitam-se das paix�es dos profissionais e pagam baixos sal�rios.

Diante dessas press�es, alguns profissionais est�o se perguntando se o emprego dos sonhos realmente vale a pena.

Paix�o x sal�rio

Nos dias atuais, mais do que nunca, a ideia de que a felicidade e o sucesso dependem de trabalhar em um emprego "divertido" — um cargo pelo qual voc� � apaixonado, em um ambiente de trabalho interessante e invej�vel — � um consenso.

"Esse tipo de pensamento vem se manifestando h� alguns anos, mas tornou-se realmente expl�cito durante os lockdowns, sobre seguir sua paix�o e [buscar] o emprego dos sonhos", afirma Eleanor Twedell, coach profissional e autora do livro Why Losing Your Job Could be the Best Thing that Ever Happened to You ("Por que perder seu emprego poder� ser a melhor coisa que j� aconteceu a voc�", em tradu��o livre).

Segundo uma pesquisa do portal americano de freelancers Fiverr no final de 2020, 59% dos 2 mil americanos pesquisados acreditam que a pandemia de covid-19 incentivou as pessoas a buscar os empregos dos seus sonhos.

E a maioria dos participantes (71%) viu-se buscando seu emprego dos sonhos algum dia, enquanto 45% acreditavam que era poss�vel dedicar-se a ele em tempo integral.

Mas os redirecionamentos de carreiras em busca do emprego dos sonhos nem sempre funcionam como as pessoas esperam, especialmente se os empregadores se aproveitarem da paix�o dos seus funcion�rios.

"Os funcion�rios que adoram seus empregos ou realmente valorizam seu trabalho est�o dispostos a suportar condi��es mais dif�ceis do que outros, como hor�rios de trabalho fora do padr�o ou baixos sal�rios", segundo Laura Giurge, professora de ci�ncias do comportamento da London School of Economics and Political Science.

"E, at� certo ponto, os empregadores podem saber disso e, portanto, pedir a esses funcion�rios dedicados e apaixonados que assumam trabalho adicional ou enfrentem condi��es terr�veis", afirma ela.

Esta pr�tica de explora��o da paix�o � particularmente proeminente nos setores de cria��o. Uma pesquisa de 2019 demonstrou que os trabalhos mais criativos no Reino Unido, como o de jornalista, estilista de moda, m�sico e designer de jogos, ficavam abaixo da m�dia salarial anual.


Pessoas interagindo num teatro
Os empregos em setores de cria��o, como o teatro, costumam pagar sal�rios abaixo da m�dia (foto: Getty Images)

E trabalhar de gra�a � comum: segundo uma pesquisa entre profissionais de cria��o do Reino Unido em 2020, 47% das pessoas com menos de 30 anos de idade afirmaram que haviam feito um est�gio n�o remunerado para garantir o emprego dos seus sonhos.

Segundo o mesmo estudo, 60% das pessoas abaixo de 30 anos afirmaram que n�o haviam sido pagas por todas as horas em que haviam trabalhado no m�s anterior.

Um estudo de 2019 segue o mesmo caminho para explicar por que isso acontece. A pesquisa concluiu que as pessoas consideravam que tratar mal os funcion�rios — como pedindo para que eles realizassem tarefas adicionais ou trabalhassem por mais horas sem pagamento — era mais leg�timo quando se acreditava que os profissionais eram apaixonados pelo seu trabalho.

Andrew afirma que reconheceu esse fen�meno logo de in�cio no setor hoteleiro. "Eles basicamente constroem todos os neg�cios com base na explora��o de outras pessoas", explica ele.

E, apesar da sua realiza��o inicial, a paix�o que ele tinha pelo trabalho o impediu de pedir demiss�o por anos. "Quando comecei no bar, minha ambi��o era chegar �quele n�vel qualificado pelo Michelin", relembra ele. "Por isso, decidi que o dinheiro n�o importava, mas � claro que importa."

Esse desprezo inicial pela seguran�a financeira � algo que Twedell observa com frequ�ncia entre seus clientes que buscam uma carreira com mais realiza��o. Muitas vezes, � um comportamento que ela, como coach, precisa eliminar.

"Na verdade, n�s trabalhamos por dinheiro", afirma ela. "N�o h� vergonha nisso. A maioria de n�s trabalha porque precisa do dinheiro."

Por isso, em vez de incentivar um cliente a ter um in�cio de carreira arriscado para tornar-se confeiteiro, Twedell pergunta o que o cliente realmente quer, n�o do seu trabalho, mas da sua vida.

"Muitas pessoas respondem 'eu quero liberdade, longe do hor�rio das nove �s cinco'. Por isso, elas conseguiam o emprego desejado e percebiam, 'meu Deus, n�o existe liberdade aqui. Preciso trabalhar ainda mais para ganhar o mesmo que ganhava antes'."

Twedell afirma que, para algumas pessoas, mudar para um emprego mais tradicional e abandonar o emprego dos sonhos pode ser libertador — algo que Josh Mansker viveu oito anos atr�s.

Mansker passou quatro anos em teatros dos Estados Unidos, trabalhando como iluminador e t�cnico de som, uma carreira que ele foi inspirado a buscar depois de fazer parte da comunidade dos "meninos do teatro" no ensino m�dio. Mas, aos 23 anos de idade, ele ficou frustrado porque ele e seus colegas ele n�o estavam conseguindo ganhar muito.

"Olhei para os colegas que estavam na casa dos 30 e 40 anos de idade e todos eles realmente tinham dificuldades financeiras, lutando para conseguir manter uma fam�lia, o que era algo importante para mim", relembra ele.

Mansker ent�o tomou a dif�cil decis�o de deixar para tr�s seu emprego dos sonhos e requalificar-se. Ele agora trabalha em Toronto como professor de escola secund�ria e ganha mais do que algum dia j� ganhou no teatro.

"Tenho todos os benef�cios de ser professor e um �timo sal�rio", afirma ele. "O sal�rio de professor normalmente � muito baixo, mas em Toronto n�o � ruim."

Seu cronograma de trabalho tamb�m � combinado com o da sua esposa, que tamb�m � professora. Com isso, o casal pode passar as f�rias de ver�o juntos.


Pessoa cozinhando
Um emprego na sua �rea de interesse n�o significa, necessariamente, que as condi��es e os benef�cios ser�o bons (foto: Getty Images)

Por que as prote��es e a estrutura s�o importantes

Pode parecer excesso de zelo chamar um emprego com hor�rio de trabalho das nove �s cinco de libertador, mas, para alguns profissionais, um emprego "normal" pode fornecer a estrutura e o apoio que o emprego "agrad�vel" n�o consegue oferecer.

Foi o caso de Adrian, que trabalhava como caixa em um banco. Depois de ser demitida no in�cio da pandemia, um amigo a ajudou a encontrar uma vaga em uma farm�cia que oferecia cannabis no seu Estado-natal do Maine, nos Estados Unidos, que legalizou o seu uso medicinal e recreativo.

Esta � uma �rea que a interessa. "Eu pr�pria uso cannabis. Muitos dos meus amigos usam, faz parte da rotina da nossa comunidade", afirma Adrian.

E ela foi feliz por algum tempo, falando apaixonadamente aos clientes sobre a cannabis e ajudando-os a encontrar os produtos que, em alguns casos, estavam ajudando no tratamento de condi��es m�dicas. Mas alguns clientes n�o eram t�o agrad�veis.

"O que realmente me fez sair foram os diversos incidentes com um cliente que me importunava sexualmente, a mim e �s outras mulheres atendentes [vendedoras da farm�cia]", ela conta. "N�o fizeram muito sobre isso. Eles [os empregadores] queriam o dinheiro, ent�o nada acontecia com ele."

Desmoralizada com a experi�ncia e cansada depois de dois anos trabalhando por longas horas e na maioria dos fins de semana, Adrian retornou ao mundo banc�rio, onde ela agora se sente mais protegida contra esses casos e mais bem atendida enquanto funcion�ria.

"Agora, no banco, tenho um cronograma de trabalho bem definido e melhores hor�rios. Eu trabalho das 8 da manh� �s 4 horas da tarde e tenho todos os fins de semana de folga", afirma ela.

"E as licen�as remuneradas s�o outro ponto importante. Nas farm�cias, n�o h� licen�as remuneradas. Se ficar doente, voc� n�o recebe o pagamento daquele dia. N�o havia nenhum benef�cio. O benef�cio era a erva gr�tis sempre que ela chegava, o que n�o era t�o frequente assim", ela conta.

Como desistir do sonho

Adrian levou dois anos para sair do setor pelo qual era apaixonada. Mansker levou quatro e Andrew, seis.

Essa mudan�a dr�stica na carreira pode levar tempo e a perspectiva de requalifica��o pode ser apavorante. E, em n�vel pessoal, os profissionais podem ter dificuldades para dissociar-se dos seus empregos. Sem uma carreira "divertida", quem eles s�o?

"Os adultos passam a maior parte do tempo no trabalho e n�o surpreende que as pessoas possam vir a equacionar o que elas fazem com o que elas s�o", afirma Laura Giurge. E pode ser muito dif�cil descartar uma identidade profissional quando ela est� t�o interligada com os interesses e as paix�es do profissional.

Mas, se uma pessoa conseguir reconhecer-se como mais que apenas o seu cargo, sua carreira "menos interessante" n�o precisa ser o fim da sua paix�o, como Mansker felizmente descobriu.

"Tenho meio que usado aqui as t�cnicas de teatro da escola", ele conta. "Temos algum equipamento de teatro, eu tenho muitas c�meras... posso ensinar �s crian�as as coisas que adoro fazer."

Embora Andrew raramente fa�a bolos ou sobremesas no seu tempo livre — o cheiro da confeitaria ainda lhe causa n�useas —, sua nova carreira como programador de software permite que ele tenha tempo � noite e nos fins de semana para buscar suas outras paix�es.

"No ano passado, voltei a jogar futebol e, alguns meses depois, entrei em um time", ele conta. "Finalmente consegui um emprego no qual posso realmente fazer as coisas de que gosto."

Agora com 31 anos, livre do setor de alimenta��o, com sal�rio em r�pido crescimento e, finalmente, bem descansado, Andrew est� disposto a treinar outras pessoas para que elas saiam da "armadilha da paix�o" na qual ele se encontrava.

"Se voc� j� se cansou e quer mudar, voc� pode... Se quiser fazer uma mudan�a, fa�a, porque voc� n�o vai se arrepender."

Andrew e Adrian est�o usando seus nomes do meio por motivos de seguran�a profissional.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.

- Este texto foi publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/vert-cap-63411663


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)