
Como melhorar o desempenho dos funcion�rios em uma organiza��o produtiva?
Desde os anos 1950, quando foi introduzida a express�o "capital humano" nas empresas do Ocidente, v�m sendo constantemente promovidas ferramentas com o �nico prop�sito de otimizar o desempenho das pessoas que trabalham para as organiza��es.
Dentre estas ferramentas, uma das mais difundidas � o chamado feedback - que tamb�m pode ser compreendido como cr�tica construtiva ou retroalimenta��o. Por muito tempo, o feedback foi considerado um m�todo eficaz para melhorar o ambiente de trabalho. At� que, nos �ltimos anos, alguns especialistas come�aram a questionar sua efic�cia.
Um dos principais cr�ticos � Marcus Buckingham, autor do artigo Why Feedback Rarely Does What It's Meant to ("Por que o feedback raramente faz o que deveria fazer", em tradu��o livre), publicado na Harvard Business Review.No artigo, o autor se refere ao feedback como uma "fal�cia". "Voc� acredita que deve ser cada dia melhor no que faz porque outra pessoa diz que sim e isso, clara e simplesmente, � uma fal�cia. Uma mentira", afirmou Buckingham � BBC News Mundo, o servi�o em espanhol da BBC.
Buckingham trabalhou como chefe de pesquisa no Instituto ADP, nos Estados Unidos, especializado no estudo de recursos humanos e ambientes de trabalho. Ele escreveu v�rios livros sobre o assunto.
E o artigo, co-escrito com outro pesquisador, Ashley Godall, foi recentemente escolhido como um dos mais influentes e inovadores publicados nos cem anos de exist�ncia da Harvard Business Review. Ele foi inclu�do em uma edi��o especial para celebrar o centen�rio da revista americana.
A BBC News Mundo conversou com Buckingham para saber mais sobre as raz�es pelas quais ele acredita que o feedback n�o deve ser usado nas organiza��es. Confira abaixo a entrevista.

BBC News Mundo - O que voc� define como "fal�cia do feedback"?
Marcus Buckingham - � acreditar que algu�m pode vir a ser melhor se outra pessoa disser a ela o que est� fazendo bem ou mal e ainda orientar como pode melhorar o seu trabalho. Isso � uma fal�cia.
BBC - E como chegou a esta conclus�o?
Buckingham - Eu comecei a me interessar por isso depois de trabalhar por anos em diferentes empresas em v�rios lugares do mundo e perceber o enorme investimento em dinheiro, tempo e recursos humanos gasto pelas empresas, n�o s� projetando ferramentas e sistemas para permitir que os gerentes, l�deres de equipes ou at� os colegas avaliem os atributos e pontos fortes e fracos, mas tamb�m para gerar espa�os para destacar o que as pessoas precisam mudar ou fazer diferente para melhorar seu desempenho no trabalho.
O que vi foi que isso funciona dentro de um modelo de compet�ncia, no qual as empresas geram um padr�o ideal. Dou um exemplo: uma empresa estabelece que as pessoas do setor de vendas devem ter certas qualidades, certos atributos. Eles ent�o analisam as pessoas com base nesses atributos inclu�dos no modelo. Depois, eles procuram as pessoas de vendas e dizem a elas o que devem fazer, sob a premissa de aproximar-se desse modelo estabelecido anteriormente. Como uma receita m�dica, com indica��es e a��es que devem ser tomadas.
Isso que estou dizendo se aplica igualmente a todos os tipos de trabalho: modelos de compet�ncia para l�deres, para gerentes, para enfermeiros, para engenheiros...
Ent�o, acredita-se que todo mundo esteja ansioso por isso: para que lhes digam o que precisam fazer para que sejam melhores, para que possam crescer. E a� reside a fal�cia, porque todo este processo � subjetivo, cercado de parcialidade. Algo que v�rios especialistas em psicologia e em assuntos de recursos humanos chamaram de "efeito qualificador idiossincr�tico".
BBC - Pode explicar essa express�o e o que ela tem a ver com a subjetividade quando se fornece feedback?
Buckingham - Veja, cabe esclarecer que esta � uma conclus�o cient�fica de diversos especialistas no assunto, n�o � uma conclus�o a que cheguei sozinho. E basicamente consiste em olhar para o que acontece quando algu�m qualifica em outra pessoa atributos que essa pessoa nem sequer tem.
Um exemplo do que estamos falando: um gerente ou coordenador faz uma avalia��o de uma pessoa com base em um padr�o que podemos chamar, por exemplo, de pensamento cr�tico. Quando eu, como gerente, qualifico cinco ou seis aspectos de uma pessoa sobre este tema, dois ter�os deles refletem a mim e n�o � pessoa que estou qualificando. Por isso, chama-se efeito qualificador idiossincr�tico. Ou seja, o que essas pesquisas indicam � que qualificar a outra pessoa n�o s� � algo totalmente subjetivo, mas tamb�m � poss�vel que eu esteja refletindo os meus pontos fracos e fortes sobre o atributo que estou avaliando.
As pessoas pensam que, quando fazem feedback, � como se estivessem diante de uma vidra�a olhando como a outra pessoa se comporta, mas, na realidade, elas est�o diante de um espelho, onde parte do que se v� s�o elas mesmas. Por isso, destaco que � humanamente imposs�vel fazer uma cr�tica construtiva, retroalimenta��o ou feedback, como voc� quiser chamar.

BBC - Mas, embora seja humanamente imposs�vel, isso funciona segundo um modelo bem estabelecido - o de dar e aprender a receber "bom feedback" -, e as empresas baseiam seus modelos de desenvolvimento humano, em grande parte, nessa retroalimenta��o.
Buckingham - A grande conclus�o a que chegamos, eu e meu colega, � que claramente n�o se pode confiar a seres humanos uma tarefa como a de dar feedback. Para come�ar, eu, como gerente, tenho um vi�s sobre a pessoa que vou qualificar. E isso me torna uma pessoa pouco confi�vel para levar a cabo essa tarefa.
O que podemos fazer � expressar nossas sensa��es, relatar nossas experi�ncias. Por isso � que funcionam t�o bem as resenhas ou qualifica��es de restaurantes, hot�is, lojas etc.: "gostei do restaurante, gostei do lugar, gostei da comida". Ali, a nossa experi�ncia funciona. Nossos sentimentos.
BBC - Uma das ideias que destaca no seu artigo � que a fal�cia come�a quando se parte da premissa de que o c�rebro � como um "recipiente vazio".
Buckingham - Nesta experi�ncia que comento, de ver como se trabalha a retroalimenta��o ou a melhoria do pessoal, uma das grandes conclus�es a que cheguei � que essas ferramentas foram criadas totalmente com base na ideia de que os c�rebros dos funcion�rios s�o recipientes vazios, prontos para serem preenchidos com todas essas avalia��es. E sabemos muito bem que isso n�o � assim. O pior � que esta � a ideia usada como base para o projeto das escolas, para a estrutura��o dos nossos ambientes de trabalho.
A ideia imposta desde que somos crian�as � que podemos ser o que queremos ser. Algo que uma professora da Universidade de Stanford [Carol Dweck] chamou de "mentalidade do crescimento", que destaca que podemos aprender tudo o que precisamos aprender. Que podemos ser qualquer coisa que queiramos ser.
E esta ideia traz dois problemas: primeiro, � poss�vel ensinar a uma pessoa as exig�ncias m�nimas para desempenhar um trabalho. Por exemplo, ensinar uma enfermeira a aplicar uma inje��o com seguran�a ou ensinar a um vendedor os benef�cios de um produto para que depois ele possa vend�-lo. Ou seja, podemos esclarecer o m�nimo que � esperado. O problema � que n�o exigimos isso, mas sim o "desempenho m�ximo": o que queremos ser. E o desempenho m�ximo n�o pode ser ensinado. N�o pode ser mostrado. Como mostramos um modelo de desempenho excelente?

O segundo problema � que o desempenho excelente n�o � algo homog�neo. Se colocarmos como exemplo de desempenho excelente o melhor jogador de futebol do planeta, � imposs�vel para os demais poder acompanh�-lo, exatamente porque esse jogador � �nico. Mas, mesmo assim, quando fazemos a cr�tica construtiva, quando usamos o feedback, exigimos o "desempenho m�ximo".
Porque acreditamos que as pessoas podem ser moldadas a partir de um modelo de compet�ncia, sem considerar que o c�rebro humano j� � uma rede complexa de neur�nios que estabeleceram muitas coisas nas pessoas desde que elas eram pequenas. N�o somos embalagens vazias.
BBC - Ent�o, como encher algo que n�o est� vazio?
Buckingham - N�o sei se existe uma resposta totalmente adequada. O que � certo � que, dentro desse estudo que conduzimos, observamos que, se o nosso c�rebro n�o � uma "embalagem vazia", temos que pensar como podemos melhorar o que j� existe incorporado. Por isso, esse tema � t�o complexo, pois precisamos identificar como vem essa embalagem, o que ela tem, como ela funciona.
E j� dissemos: n�o se trata de algo homog�neo. � heterog�neo, o que exige n�o apenas saber como funciona cada pessoa, mas tamb�m identificar qual � a melhor forma para que essa pessoa possa melhorar o que est� fazendo. Tudo isso em termos de como voc� pensa, como constr�i suas rela��es, como interpreta as coisas, como � o seu processo criativo. Ent�o, voltamos �quilo que falamos antes: se voc� quiser o desempenho m�ximo, primeiro precisa ver o que � que a pessoa tem.

BBC - Agora, a partir destas no��es, como sugere que podemos conseguir com que as pessoas sejam melhores no que fazem?
Buckingham - Vamos partir de uma ideia. Se quisermos que os funcion�rios cumpram com um trabalho, simplesmente isso, pode-se estabelecer padr�es m�nimos que o gerente pode fazer com que seus funcion�rios atinjam. Agora, se falarmos em querer o desempenho m�ximo, acredito que existam tr�s coisas que podem ser aplicadas.
Uma delas � ficar atento ao que as pessoas fazem e como elas fazem. Preocupar-se com o que elas fazem no dia-a-dia. Se existe algo que observei ao longo destes anos estudando essa din�mica � que, na escola ou no mundo do trabalho, as pessoas realmente se sentem mal se forem ignoradas na sua individualidade. As pessoas gostam de aten��o.
J� se afirmou que as pessoas ficam ansiosas pelo feedback, que o pedem e tentam receb�-lo. Eu n�o concordo, acredito que o que as pessoas querem � aten��o. Nietzsche j� dizia: somos uma besta com bochechas vermelhas que quer a aten��o dos outros.
Em segundo lugar, dedique muita aten��o � pessoa que est� fazendo bem as coisas, para que ela fa�a muito melhor. No casamento, por exemplo: concentre-se nos momentos mais felizes e, se quiser melhorar, � preciso analisar o que funcionou naqueles momentos. O mesmo no trabalho: o que foi bem feito? Concentre-se nos detalhes, como os objetivos foram alcan�ados.
Porque ficou claro para mim que o cimento das coisas boas que acontecem no futuro s�o as coisas boas feitas no presente. Agora, n�o se trata de enaltecer algu�m. Trata-se de concentrar-nos no que pode servir para que n�s fa�amos bem feito.
E o terceiro ponto: prestar aten��o no que uma pessoa adora fazer. Pergunte a ela: o que voc� adora fazer? Instintivamente, o que voc� faria voluntariamente? Dizemos isso porque sabemos que as emo��es e o aprendizado est�o realmente relacionados quando estamos fazendo algo que adoramos.
BBC - O senhor deixou clara a quest�o do desempenho m�ximo, mas seu texto tamb�m afirma que "a excel�ncia e o fracasso n�o s�o termos opostos". Por qu�?
Buckingham - Tendemos a pensar que a excel�ncia � o oposto do fracasso, de forma que avaliamos nossos fracassos para aprender sobre a excel�ncia. Vemos isso todo o tempo nos jornais: a hist�ria dos empres�rios de sucesso que falharam muitas vezes at� serem bem-sucedidos. E a hist�ria se repete, com essa m�xima que est� na moda, de que somente atrav�s do fracasso � poss�vel atingir a excel�ncia. E isso n�o � verdade no mundo real. O mundo real funciona de outra forma.
Um exemplo: quando falamos em casamentos fracassados ou rela��es que n�o funcionam, uma das coisas que se afirma repetidamente � que as pessoas discutem muito. Mas as pesquisas demonstram que n�o � assim.
Existe um estudo da Universidade de Buffalo [Estados Unidos], dedicado a pesquisar os casamentos felizes e os considerados infelizes. Eles contaram a quantidade de discuss�es (n�o brigas f�sicas) e chegou-se � conclus�o de que n�o havia muita diferen�a no n�mero de discuss�es entre os felizes e os infelizes. A grande diferen�a era o que acontecia no per�odo entre cada discuss�o.
Nos casamentos considerados infelizes, tratava-se mais de tomar medidas para proteger-se da outra pessoa. Mas, nos felizes, as discuss�es levavam a momentos de intimidade, de curiosidade, de abertura a novas coisas. Segundo o modelo geralmente aceito de que falarmos, n�s dever�amos certamente concentrar-nos no casamento infeliz: em resolver esses problemas. Dir�amos que a excel�ncia no casamento � totalmente o oposto e estar�amos fazendo um diagn�stico totalmente equivocado da situa��o.
� com essa mesma l�gica que chegamos � conclus�o de que n�o � poss�vel considerar que o fracasso ensine algo sobre a excel�ncia.
BBC - Ent�o, se � preciso redefinir a forma em que se fornece feedback, tamb�m seria preciso exigir que se ensine como receb�-lo?
Buckingham - N�o, porque n�o se trata de capacita��o. � um tema fundamental. N�o importa a capacita��o de uma pessoa para fornecer feedback, tudo fica nas boas inten��es. E o mesmo ocorre se fizermos o processo inverso - capacitar as pessoas a receber o feedback. Simplesmente, n�o � poss�vel. O problema � o processo. O processo est� corrompido, a forma como ele � feito, os resultados que s�o buscados. Aqui reside a dificuldade deste modelo, que precisa ser totalmente repensado.
BBC - O senhor comenta a fal�cia de atingir a excel�ncia. O que � para voc� a excel�ncia e como podemos aspirar a ela?
Buckingham - A excel�ncia � um resultado. Por isso, dizemos que, quando algo funciona, � preciso identificar como se atingiu esse resultado e conduzir a aten��o das pessoas para o processo bem sucedido por tr�s dele. Agora, como a excel�ncia n�o pode ser aprendida estudando o fracasso, nunca poderemos ajudar a outra pessoa a ter sucesso comparando seu desempenho com um modelo de excel�ncia pr�-fabricado, fornecendo retroalimenta��o sobre o que n�o atende a esse modelo pr�-estabelecido e dizendo a ela que preencha as lacunas. Isso nunca ir� funcionar.
Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63176626