
In�cio Ribeiro passou por Belo Horizonte para fazer uma palestra no Mood – Festival de Moda de Belo Horizonte sobre sua trajet�ria pessoal e as perspectivas do mercado internacional. Longe do Brasil h� quase 30 anos, quando trocou Belo Horizonte por Londres para estudar na Central Saint Martins, o mineiro se tornou refer�ncia de carreira bem-sucedida no exterior, protagonizou momentos importantes na cena fashion l� de fora e continua atuante na �rea da moda.
Entre as novidades dessa visita � terra natal, o estilista prometeu doar a sua cole��o de formatura para o Mumo – Museu da Moda de Belo Horizonte. Papaulo, como � conhecido entre n�s, contou tamb�m que o V&A – Victoria and Albert Museum, um dos maiores e mais visitados de Londres, se interessou em receber o acervo da Clements Ribeiro, label londrina que ele e a mulher, Suzanne Clements, fundaram logo ap�s a gradua��o na faculdade de moda e que fez sucesso nas passarelas da London Fashion Week, ber�o dos novos criadores dos anos 1990.

A doa��o abrange 12 looks de desfiles completos, incluindo pe�as de tecidos e de cashmere, 15 caixas de acervo documental, o que compreende �lbuns de croqui, moldes, provas de tecidos e tric�, arte de estampas, �lbuns de imprensa, entre outros itens. “Isso � motivo de grande alegria, j� que o V&A �, sem d�vida, uma das maiores institui��es e autoridade cultural em arte e design do mundo, cujo acervo extenso e �nico � refer�ncia para todas as pr�ticas de design internacionalmente”, explica o estilista.
Isso significa tamb�m manter viva a mem�ria da Clements Ribeiro, j� que em 2014 o casal resolveu, de comum acordo, fech�-la. Foi uma decis�o dif�cil, segundo In�cio, particularmente devido � sua proje��o – era comercializada em 52 pa�ses, com distribui��o especialmente significativa nos Estados Unidos e no Jap�o.
“A Clements Ribeiro trouxe um refresch para um mercado no qual sobressa�am, na �poca, o estilo dark e o desconstrutivismo e encantou com seus looks exc�ntricos, bo�mios, cheios de texturas, estampas, muita cor. Era uma moda muito positiva e, quando introduzimos o cashmere, ela explodiu”, rememora. Os modelitos com listras coloridas inspirados nas camisas de jogadores do r�gbi ingl�s foram disputados por lojas conceituadas, destaques em v�rias revistas e vestidas por celebridades, como Madonna.

Tal notoriedade fez com que a tradicional Cacharel, que vivia um momento de ostracismo, convidasse o casal para assumir a dire��o criativa da casa com uma oferta irrecus�vel. “Deparamos com uma grande oportunidade, a Clements Ribeiro tinha recursos comerciais limitados, isso al�m do desafio de oxigenar uma grife e colocar nosso nome no mercado internacional”. O relan�amento das cole��es femininas da marca nas passarelas da semana de moda francesa, depois de anos sem se apresentar, exprimia toda a import�ncia da empreitada. Durante sete anos – de 2000 a 2007 – e 18 desfiles, Suzanne e In�cio se dividiram entre Londres e a Fran�a e entre as duas labels.
Em um revisionismo, In�cio contou ao Caderno Feminino que ele e Suzanne n�o puderam evitar de imprimir na Cacharel uma boa dose do DNA da Clements Ribeiro, o que, de certa forma, terminou por estabelecer uma concorr�ncia. “Era uma roupa mais barata do que a nossa e penso que isso, de certa forma, prejudicou sim o nosso neg�cio”, reflete.
Neste intermezzo, o casal iniciou a colabora��o com a Evans, do segmento plus size, com car�ter fortemente sexy, totalmente oposto � Clements Ribeiro, o que resultou em ser convidado a vestir a cantora Adele, no auge do seu sucesso, para algumas ocasi�es, entre elas premia��es importantes como o Grammy Awards, em Los Angeles, e o Mercury, em Londres.
O fechamento da Clements Ribeiro, ocasionado, entre outras raz�es, por problemas de produ��o e licenciamento, foi gradativo. “Por tr�s cole��es consecutivas fomos encolhendo, eliminando alguns itens, at� que na �ltima fiz a venda sozinho, em Paris. O interessante � que o resultado de vendas nunca caiu, foi igual ao dos dois outros per�odos”, relata. O que significava que a marca continuava tendo potencial e sendo desej�vel, mas, segundo In�cio, o processo faz parte do vol�til mercado da moda. Com o passar do tempo, torna-se dif�cil manter a novidade e o frescor.
Per�odo sab�tico “Quando voc� fecha um neg�cio como o nosso, sempre fica uma aura meio negativa em torno da gente. Ent�o, resolvemos tirar um sab�tico para nos reenergizar e definir como seguir�amos dali pra frente”, ele conta. Suzanne escolheu o caminho das artes pl�sticas. E ele resolveu se reinventar como profissional, oferecendo outros servi�os al�m do estilismo, consciente de que bagagem � o que n�o lhe faltava. Afinal, s�o 40 anos de estrada, sete deles em Belo Horizonte, na Divina Decad�ncia, onde deu os primeiros passos profissionais e dali seguiu para Londres. “Quando se tem uma carreira longa n�o � f�cil aceitar o fato de que ela passe por um processo mais lento, mas, na pr�tica, n�o � ruim”, garante.
Hoje, In�cio trabalha com o que ele chama de consultoria executiva de cria��o. “Atuo com equipes de estilo para otimizar a qualidade de cria��o, de adapta��o e a consist�ncia das cole��es, apresentando solu��es criativas e perform�ticas no sentido de securizar o sucesso das mesmas”, explica. Essa atua��o envolve muitas etapas, como escolha de tecidos, cores, participa��o em provas de roupas, supervis�o geral. Outro trabalho que ele vem desenvolvendo � o de coaching de dire��o de moda, como o realizado para a brit�nica Toast. Nesse campo, ele faz diagn�sticos, acompanhamento das equipes criativas e t�cnicas, detecta pontos em que as empresas est�o falhando em seus processos, entre outras atribui��es.
Em 2017, foi convidado pela Benetton para atuar na reconstru��o da sua linha masculina, renovando todo o design em car�ter intensivo, em Treviso, It�lia, o que envolveu troca de tecidos, renova��o de modelagens, numa revis�o total de moda. No ano seguinte, fez consultoria criativa para a marca Loro Piana, do grupo LVMH, premium do segmento de cashmere. Seus conceitos para a Heritage Stripes foram utilizados nas bolsas do ver�o 2019, assim como no pr�t-�-porter, e est�o ainda em desenvolvimento em Mil�o.
Novos campos de atua��o v�o surgindo, como a �rea de decora��o. Entre as suas �ltimas atividades est� o desenvolvimento de linha de tecidos com padronagens para interiores e papel de parede em licenciamento com a marca americana Schumacher. Recentemente, ele participou tamb�m de um extenso projeto de reposicionamento da marca Em�lio Pucci, que passou por roupas esportivas, cal�ados e bolsas.
Nova era Observador do mercado fashion internacional, o mineiro acredita que dois fatores combinados – a globaliza��o e a internet – transformaram completamente o sistema da moda. Os rituais que eram importantes perderam a fun��o que tinham, e o consumidor, que era validado por agentes como revistas de moda, editoras importantes e desfiles, hoje tem outros par�metros para se guiar. “Todo mundo participa como quer e isso � estimulante por um lado e ca�tico por outro”, enfatiza, citando a relev�ncia atual dos influenciadores e da era da corporativa��o e da industrializa��o. De acordo com In�cio, a moda se tornou a maior ind�stria do planeta e nesse universo convivem homens poderosos e muito ricos em frentes contr�rias, como Bernard Arnault, comandante do sofisticado grupo LVMH, e Am�ncio Ortega, dono da Zara, do segmento do fast fashion, outra for�a respons�vel pela revolu��o no mercado fashion.
Segundo ele, o quadro atual trouxe tamb�m o deslocamento entre moda e cultura, antes valorizado no pr�t-�-porter. “A assinatura do estilista, originalidade e autoralidade ficam em segundo plano para o marketing das grandes marcas e o pr�t-�-porter, que cresce vertiginosamente, funciona como vitrine para a venda de bolsas”.O estilista pontua ainda que diretores criativos de labels famosas, como Alessandro Michelle, da Gucci, trabalham dentro de c�digos de gerenciamento em uma jun��o entre estilo e gest�o.
Em contrapartida, ele v� com bons olhos uma nova gera��o que est� de olho em valores calcados na antimoda, como o movimento dos brech�s, do re�so, do upcycle, da reciclagem, do mercado do aluguel de roupas. “S�o outros tempos em que a sustentabilidade � uma grande for�a motriz”, ressalta.