A participa��o no concurso Ready to Go, realizado por cinco anos no Minas Trend, foi o passaporte para que a Libertees ganhasse a aten��o do mercado. O concurso, que era chancelado pelo Sindivest-MG e organizado pelo TS Studio, revelou v�rios talentos e ideias relevantes, como as que Daniela Queiroga e Marcella Mafra escolheram para a marca que dirigem h� mais de tr�s anos.
Com a f�brica instalada dentro do Complexo Penintenci�rio Estev�o Pinto e uma pequena produ��o elaborada pelas detentas, as duas empreendedoras apresentavam um trabalho de forte impacto e transforma��o social na vida dessas mulheres. At� as estampas eram criadas por elas como resultado das aulas de educa��o art�stica oferecidas pelo sistema prisional e utilizadas nas pe�as atrav�s de uma sele��o.
A proposta encantou o j�ri do Ready do Go, a Libertees ficou com o terceiro lugar na edi��o realizada em outubro de 2017 e, desde ent�o, participou de todos os outros sal�es de neg�cios de moda realizados pela Fiemg. A ideia original foi mantida: as costureiras s�o remuneradas conforme previsto na Lei de Execu��o Penal (Lei 7.210/84, artigo 29), com parte do sal�rio destinado � fam�lia, parte para pequenas despesas sociais, parte como ressarcimento ao Estado. O restante fica depositado em uma caderneta de poupan�a para ser usada depois que a pena for cumprida. Al�m disso, 5% do lucro obtido com as vendas das roupas s�o reinvestidos na aquisi��o para as aulas de arte, nas quais t�m in�cio os desenhos e cores que identificam a label.
Por�m, a parte mais interessante da proposta � a ressignifica��o da vida das presidi�rias por meio do trabalho, a oportunidade de aprender um of�cio que lhes permita a reinser��o na sociedade, al�m da conquista da autoestima. No ano passado, por exemplo, a Libertees promoveu um desfile na penitenci�ria, como evento integrante da programa��o do Mood – Festival de Moda de Belo Horizonte, no qual as detentas eram as modelos.
A partir da premia��o no Ready to Go, a marca iniciou tamb�m uma corrida em busca de aperfei�oamento do estilo e modelagem e do desejo crescente de se aproximar dos princ�pios sustent�veis da cadeia produtiva da moda. Entre eles, o design limpo e atemporal, o slow fashion materializado em cole��es c�psulas, a escolha de fornecedores, a sele��o de tecidos, entre outros valores que permeiam esse terreno e que culminaram na sele��o para participar do Brasil Eco Fashion, realizado virtualmente em novembro, com desfiles transmitidos ao vivo no canal do YouTube.
Passar nessa curadoria era uma aspira��o das duas s�cias, uma esp�cie de certificado importante dentro do segmento, uma eleva��o de patamar. “Ficamos muito felizes em nos encaixar no evento porque ele tem um rigor muito grande nos quesitos e pontua��es. Nosso trabalho ainda � muito desconhecido no Brasil e foi importante compartilhar essa plataforma de mercado que divulga o trabalho das marcas, tanto do ponto de vista de conceito quanto comercialmente, para todo o pa�s”, afirma Daniela.
Significou tamb�m, como ela pontua, uma adapta��o imposta pelo advento da pandemia. “Com a Covid-19, o pres�dio fechou as portas e o trabalho da f�brica interrompido. Tivemos que nos virar para dar conta das responsabilidades.” Como outras empresas do setor, a solu��o encontrada foi a confec��o de m�scaras, numa a��o que chegou a reunir uma rede de 90 costureiras em oito munic�pios pr�ximos a Belo Horizonte, com uma log�stica que incluiu a utiliza��o de motoboys, vendas por whatsapp e at� compras de m�quinas para profissionais trabalharem.
Nesse �nterim, foram fabricadas 330 mil exemplares, o que permitiu que a empresa sobrevivesse at� dezembro de 2020. No intermeio desse processo, nasceu tamb�m o site e e-commerce da Libertees para ampliar a possibilidade de vendas.
Mudan�a A cole��o Desvios, que desfilou na Brasil Eco Fashion, j� tinha come�ado a ser formatada antes da pandemia. Segundo Daniela, ela constituiu, como o nome indica, uma mudan�a de rumo e, mais do que isso, o repensamento sobre o sentido de tudo: o arquivo da Libertees teve que ser revisitado e reeditado com parte do trabalho socioeducativo realizado pelas detentas anteriormente. E os prints abstratos, que fazem parte do seu DNA, foram retirados do acervo digitalizado; outros desenhos ganharam bordados em linha.
Com o estilo de F�bio Costa, pela primeira vez foi poss�vel viabilizar a cria��o a partir de tecidos selecionados e 100% sustent�veis, como o algod�o org�nico, o algod�o reciclado de aparas, malhas de garrafa pet, tramas mescladas de algod�o e linho, viscoses com poliamida. O momento introspectivo � revelado pelas cores exibidas em off white, ocre, pastel levemente terroso – como o da estampa chiclets, que ganhou uma reedi��o especial – e nos looks de alfaiataria com listras longil�neas e transversais.
“Quer�amos algo que remetesse a conforto, que abra�asse o corpo feminino, mesmo nos lo- oks de alfaiataria em malha. Os tecidos s�o macios e aconchegantes e a modelagem � bem limpa, ampla, confort�vel, com volumes bem colocados”, explica Daniela, frisando o car�ter atemporal da cole��o. Novidade s�o as formas retorcidas elaboradas a partir do experimento da moulage e corte cont�nuo do tecido. Looks ag�neros tamb�m tiveram espa�o no trabalho do estilista F�bio Costa.
A cole��o, segundo as duas s�cias, foi tamb�m um exerc�cio de supera��o – ou de regenera��o – diante de uma crise t�o profunda. Um mergulho na alma, como sintetiza a dupla. E ainda um avan�o na quest�o da sustentabilidade. Com a penitenci�ria Estev�o Pinto fechada, Daniela e Marcella est�o em tratativas com a Associa��o de Prote��o e Assist�ncia ao Condenado (Apac) para dar continuidade ao trabalho da Libertees a partir dos mesmos crit�rios estabelecidos no pres�dio. “� uma unidade prisional de cumprimento de pena humanizado, cujo objetivo � a recupera��o e reinser��o social dos condenados e a proposta combina bem com o que acreditamos.” A parceria deveria come�ar em fevereiro, mas devido ao recrudescimento da pandemia, talvez ter� que esperar mais um pouco.
Enquanto isso, a marca mant�m seu quartel-general no Co.Crie, coworking de moda no qual disp�e tamb�m de uma estrutura para atender � demanda do varejo. “A venda tem ocorrido tamb�m em outros pontos de venda da cidade. Estivemos hospedadas no Grande Hotel do Ronaldo Fraga e, por ocasi�o do Natal, participamos de uma a��o de vendas na loja Atmo, em Lourdes.”