Cordisburgo – Na parede frontal do centro de artesanato na entrada desta cidade de 9 mil habitantes, a 120 quil�metros de Belo Horizonte, est� a primeira cita��o de Jo�o Guimar�es Rosa: “Comecei a escrever motivado pela saudade do interior de Minas; lembran�as de Cordisburgo que me fizeram escrever Sagarana”. A inscri��o � s� in�cio dos sinais do forte v�nculo da cidade com o autor de Grande sert�o: veredas.
No Centro, na parede da Loja Brasinha, de propriedade de Jos� Osvaldo dos Santos, mais Guimar�es Rosa: “Cordisburgo � o lugar mais formoso devido ao ar e ao c�u, e pelo arranjo que Deus caprichou em seus morros e suas vargens; por isso mesmo, l�, de primeiro, se chamou Vista Alegre”. E mais: “... quando escrevo, sempre me sinto transportado para este mundo, Cordisburgo”. Nos muros do cemit�rio, outra frase famosa: “As pessoas n�o morrem, ficam encantadas”.
Os muros do Col�gio Estadual Cl�udio Pinheiro de Lima est�o ilustrados com motivos ligados ao sert�o de Guimar�es Rosa: p�ssaros, burrinhos de carga, buritis... A diretora da escola, Ulissea Goulart Martins, explica que a cidade “praticamente respira” a obra dele. “As professoras trabalham textos de Guimar�es Rosa no dia-a-dia. Os estudantes se orgulham”, conta ela, que garante: “Os meninos admiram Guimar�es Rosa e, quando a gente admira, � um referencial. Isso faz aumentar o interesse dos estudantes pela literatura”.
Mas nem sempre foi assim. “Defino Guimar�es Rosa em antes e depois dos contadores de hist�ria. � muito bonitinho ver os meninos contando hist�rias”, diz a diretora. Ela se refere ao Grupo de Contadores de Hist�ria Miguilins, fundado por Calina Guimar�es h� 13 anos. Muitos estudantes da escola fazem parte do grupo. “A gente fica dois anos fazendo curso. Quando vem dar plant�o, j� est� sabendo da vida e da obra de Guimar�es Rosa”, informa Iara Barbosa Oliveira, 15 anos. Os miguilins repetem para os visitantes trechos da obra do escritor e o “plant�o” semanal de cada um � no Museu Casa Guimar�es Rosa. Quando passam da idade de pertencer aos miguilins, v�o contar suas hist�rias nas caminhadas ‘ecoliter�rias’ do Grupo Caminhos do Sert�o que, liderado por Brasinha, visita os locais que inspiraram o escritor.
Outras iniciativas, como a Associa��o dos Amigos do Museu, fazem parte desse culto da cidade ao filho ilustre. Mas, no in�cio, houve at� resist�ncia. Segundo a presidente da associa��o, Solange Agripa Trombini, tinha gente que n�o aprovava o movimento em dire��o � mem�ria do escritor. “At� nos chamavam de bando de loucos. Diziam: ‘Esse homem nunca fez nada por Cordisburgo’. Hoje, s�o adeptos.” Ela d� exemplos: h� cerca de 10 anos, os eventos atra�am 20 pessoas; agora, chegam a ter 500 participantes. A Semana Roseana, realizada h� 20 anos, j� atrai 2 mil pessoas.
Um que sempre considerou importante para Cordisburgo o trabalho do escritor � o motorista de caminh�o Artur Henrique Souza Filho, de 55, que, sem ter lido a obra do conterr�neo, � grato: “Tudo que n�s falamos errado, ele nos ap�ia que est� certo. Esse homem � bom demais para n�s”.
O ca�ula nesse culto ao conterr�neo � o Grupo da Terceira Idade Estrela do Sert�o, criado pela associa��o h� sete anos. No in�cio, o grupo se encontrava uma vez por ano, na Semana Roseana. Agora, faz reuni�o duas vezes por semana, para bordar. O mote principal � “Guimar�es Rosa na ponta da agulha”. Funciona assim: as bordadeiras ouvem ou l�em um texto do escritor e criam com a agulha, a partir da percep��o de cada uma.
Pequenos trechos s�o colados nas paredes da sala das bordadeiras e elas escolhem qual desejam recriar na ponta da agulha. “Quero bordar o n�mero quatro”, ou “Quero bordar o n�mero 17”. O n�mero 17, no caso, � a “Can��o de Siruiz”, retirada de Grande sert�o: veredas, que diz: “Remanso de rio largo, viola da solid�o: quando vou pra dar batalha, convido meu cora��o”.
“Elas conhecem a obra dele n�o pelos livros, mas porque fazem parte do que ele conta. � uma liga��o de vida”, explica Solange Trombini. N�o importa que apare�am cavalo verde, boi azul e galinha cor de rosa nos bordados. No resultado do trabalho, as bordadeiras montam at� pain�is com frases e motivos do sert�o, representando, por exemplo, flores e p�ssaros que est�o na obra.
Se a cria��o de Guimar�es Rosa est� impregnada pelo sert�o e por Cordisburgo, a cidade tamb�m vive claramente impregnada pela obra do seu filho. Parece que tudo por l� tem a marca dele. A lista � grande: Bairro Buritis, onde os nomes das ruas s�o refer�ncia a personagens, Bairro Sagarana, Posto Guimar�es Rosa, Fazenda Sagarana, S�tio Tutam�ia, Biblioteca Riobaldo e Diadorim, Travessa Guimar�es Rosa, Academia Cordisburguense de Letras Guimar�es Rosa, Loja Sagarana, Restaurante e Pizzaria Um Conto e Cem, Bar Sert�o e Veredas e at� a Cacha�a Rosa do Sert�o. Como diz a gari Maria L�cia de Souza Gomes, de 54: “Esse homem aqui para n�s � s� a fama”.
A fama ficou. De prop�sito ou n�o, est� l� no Grande sert�o, na fala de Riobaldo: “Seja a fama de gl�ria... Todo o mundo vai falar nisso, por muitos anos, louvando a honra da gente, por muitas partes e lugares. H�o de botar verso em feira, assunto de sair divulgado em jornal de cidade”.
