
Ipoema – Neste distrito de Itabira, a 85 quil�metros de Belo Horizonte, a menina Eleni C�ssia Vieira, filha e neta de tropeiros, observava, da janela de sua casa, a passagem das tropas. Gostava de apreciar a movimenta��o dos tropeiros na hora de preparar e saborear a comida. O tempo passou, Eleni foi estudar e trabalhar fora, at� que a saudade e o desejo de trabalhar pela comunidade falaram mais alto e ela voltou a Ipoema, em 1999. O objetivo principal: resgatar os valores locais.
Mesmo quando estava longe, a presen�a de Ipoema, caminho das tropas, era forte na vida de Eleni. Tanto que ela decorou e recita at� hoje trechos da poesia A cruz da estrada, de Castro Alves, aprendida na escola e que, n�o por acaso, fala de estradas e viagens: “Caminheiro que passas pela estrada, seguindo pelo rumo do sert�o, quando vires a cruz abandonada, deixe-a em paz, dormir na solid�o”.
As lembran�as de Eleni se sucedem: “O ar ficava impregnado do cheiro agrad�vel quando fritavam o torresmo. Meu av� tinha um quarto de tropeiro dentro de casa, com todos os objetos da tropa. E eu tinha o prazer de limpar as botas do meu pai e do meu av� quando eles chegavam de viagem”. Cada vez que ela visitava Ipoema, as recorda��es se misturavam � observa��o de que aqueles valores poderiam se perder.
“Quando voltei, as pessoas estavam destruindo fog�o a lenha para trocar por g�s. Eu falava: “Gente, voc�s est�o tirando a chama da vida de suas casas”. Elas diziam para a visita que n�o tinha nada gostoso para oferecer e as quitandas estavam borbulhando. As pessoas achavam que gostoso era oferecer biscoito industrializado”, diverte-se Eleni, que lan�ou imediatamente m�os � obra.
O primeiro grande resultado foi a instala��o do Museu do Tropeiro, que virou realidade em 2003, com investimento da prefeitura, depois de um grande trabalho de recolhimento de pe�as que remetiam aos tempos �ureos do tropeirismo. Inaugurado o museu, por interm�dio dele Eleni come�ou a implantar projetos variados, sempre no sentido de recuperar e preservar valores locais.
Ela cria projetos aos montes. Em todos os s�bados de lua cheia, a rua em frente ao museu � interditada para a realiza��o do Roda de Viola, evento j� tradicional, que resgata antigas modas de viola, como a que fica estampada na parede do museu: “Maria, por caridade, n�o ama tropeiro, n�o. Tropeiro � homem bruto, bicho sem combina��o. Maria, escuta o conselho, sossega seu cora��o”.
Um dos mais emblem�ticos entre os projetos de Eleni � o Dia do Saci, vers�o brasileira do Dia das Bruxas americano, que envolve a meninada de Ipoema. “Eu n�o me sentia bem vendo a energia daquela festa em ambiente escuro”, diz ela, referindo-se ao halloween. Por outro lado, ela se encantava com o Saci, bem brasileiro e que, na avalia��o dela, tem uma energia leve em sua caracter�stica de protetor das florestas. “Como deixar este personagem morrer em troca de uma festa que n�o � nossa?”, indaga.
Por causa da elei��o, amanh�, a festa este ano ser� na quinta-feira, dia 4, com 400 crian�as. O tema far� refer�ncia a personagens do S�tio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato. Cada sala de aula vai representar um personagem, como Dona Benta e Visconde de Sabugosa. “Nossa proposta � n�o deixar que a popula��o seja massacrada pelo halloween, que n�o � uma marca de nossa identidade”, explica a l�der.
A lista de projetos de Eleni � longa. Ela aprendeu com o pai a tocar berrante. Ent�o, criou a Comitiva do Berrante. Para trazer de volta o som dos chicotes batendo contra as pedras do cal�amento, foi criado o grupo dos Estaladores de Chicote, que tem crian�as e adultos manuseando o chicote como os antigos tropeiros. Os Meninos Trovadores recitam poemas do conterr�neo Carlos Drummond de Andrade, que fazem refer�ncia ao mundo rural. E As Lavadeiras de Ipoema resgatam velhas cantigas da regi�o, com coreografia que lembra o movimento das mulheres lavando roupa �s margens do rio.
No Natal, s�o as Pastorinhas que ganham as ruas. Todas as quintas-feiras tem Cinema no Museu. �s quartas, � a vez do Varal Liter�rio, em que estudantes da comunidade apresentam reda��es e desenhos com temas relacionados ao per�odo do ano. Em agosto, houve desenhos e textos sobre a lenda da mula sem cabe�a. Em todas as atividades, a preocupa��o com a preserva��o ambiental est� presente.
Eleni n�o para, porque quer ver as tradi��es bem vivas. “Eu sempre me inspirei nas mulheres guerreiras e sempre acreditei na cultura como for�a de identidade. Para acabar com uma comunidade, basta tirar a hist�ria dela”, ensina.