
Quem tiver olhos para ver, veja a imagem de uma Amy Winehouse envelhecida e consumida pelo v�cio, chapada no muro do Viaduto Sarah Kubitschek, no Complexo da Lagoinha, em Belo Horizonte. Quem tiver ouvidos para ouvir, ou�a o lamento da cantora brit�nica, que parece sussurrar a letra de Rehab, uma de suas �ltimas m�sicas: “Tentaram me mandar para a reabilita��o/Eu disse n�o, n�o, n�o/�, eu estive meio ca�da, mas quando eu voltar/Voc�s v�o saber, saber, saber/Eu n�o tenho tempo”.
Poucos dias depois de ser encontrada morta dentro de casa, em 23 de julho, Amy ressurgiu em meio �s cinzas das fogueiras acesas pelos usu�rios de crack que batem ponto naquele viaduto. Por meio da contundente interven��o na paisagem urbana, o artista mineiro Drin C�rtes chama a aten��o para o surgimento de mais uma cracol�ndia em BH. “Os usu�rios de crack s�o tratados como invis�veis. As pessoas sabem que eles est�o l� e viram o pesco�o para o outro lado. Tentei atrair o olhar do p�blico para aquele lugar”, revela.
Formado em belas-artes pela UFMG, o jovem artista tem 25 anos, dois a menos que a cantora tinha ao perder a vida. Apesar de ser contempor�neo de Amy, Drin C�rtes pensa diferente em rela��o � inglesa. Discorda dos excessos no �lcool e nas drogas pesadas (ela chegou a aparecer em um v�deo em que aparece usando crack) e quer vencer a sina dos 27 anos, reservada a artistas. Ele aproveitou como mote a morte da cantora para homenage�-la e, ao mesmo tempo, fazer uma cr�tica social. “O fato de ela ter sido viciada n�o fez com que fosse ignorada como essas pessoas s�o todos os dias”, pontua.
Para desenhar os tra�os de Amy, Drin C�rtes usou apenas pincel e pano molhado, limpando a fuligem deixada pelas fogueiras do crack (que servem para derreter os fios de cobre convertidos em dinheiro pelos dependentes da pedra). Fez o extremo oposto da picha��o: limpou, em vez de sujar os muros da cidade. Drin C�rtes n�o quer elogios. Nem assinou a fugaz obra de arte, que est� se apagando com o tempo. Preocupou-se somente em mandar o recado. “A rua � o melhor lugar para transmitir alertas”, ensina.
Conversas
Ao todo, o trabalho levou quatro horas. Durante o processo, o artista esteve cercado por usu�rios de drogas pesadas, em plena luz do dia. “Eles vieram conversar comigo e um deles estava especialmente intrigado pelo fato de Amy ter ca�do naquela vida. Contou ter sido desapropriado com a fam�lia para a constru��o de um dos novos viadutos. J� teria perdido a m�e e uma irm� para o crack, mas continuava viciado na pedra”, conta. Em um dado momento da conversa, tr�s viaturas da PM estacionaram do outro lado da avenida. “Os policiais ficaram s� olhando. Queria ver brigarem comigo com tanta gente cometendo crime ao meu redor”, comenta.
Na concep��o inicial de Drin C�rtes, Amy seria a primeira de uma s�rie de celebridades ligadas ao crack que seriam grafitadas uma a uma nos viadutos de BH. A morte precoce da cantora precipitou o movimento. Quando saiu a not�cia da morte dela, eu estava em um projeto de resid�ncia art�stica em Diamantina. Abandonei o projeto pelo meio e voltei correndo. Precisava trabalhar na minha ideia”, afirma o artista. Ele ainda n�o sabe se dar� continuidade � proposta, j� que o objetivo maior est� sendo atingido. A Amy das cinzas ganhou repercuss�o em sites especializados em grafite e entre entendidos em arte de rua, al�m de intrigar os habitantes mais atentos da cidade. “Podem ficar espertos que est� vindo novidade por a�”, avisa.

Sujeira vira arte
Produzido pelo artista mineiro Drin C�rtes, o trabalho de Amy Winehouse usou como plataforma a pr�pria sujeira da parede, decorrente da fuligem de fogueiras acesas constantemente pelos usu�rios de crack. Para fazer os tra�os e detalhes, foram usados apenas pincel e pano molhados – t�cnica conhecida como grafitti reverso, eco-tagging ou graffiti limpo. A ideia surgiu do trabalho do paulista Alexandre Orion. O artista pl�stico fez uma interven��o no t�nel Max Feffer, em S�o Paulo, onde desenhou, apenas com um pano molhado, quase duas mil caveiras. Enquanto desenhava, Orion foi parado diversas vezes por policiais, que apenas fizeram perguntas e anota��es. No entanto, o projeto, intitulado Oss�rio, foi apagado no dia seguinte por um caminh�o de �gua da prefeitura paulistana. Al�m de Orion, outro grande representante da modalidade � o americano Paul "Moose" Curtis. Em abril de 2008, o artista lan�ou o document�rio The Reverse Graffiti Project, que mostra, em S�o Francisco, a arte como protesto contra a polui��o e a falta de cuidado com as megal�poles do mundo.