Uma decis�o do Supremo Tribunal Federal (STF) acirra o debate sobre embriaguez e dire��o e gera rea��o entre autoridades policiais e o Minist�rio P�blico em Minas, que prometem aumentar o rigor na tipifica��o dos acidentes de tr�nsito com mortes. A primeira turma do STF entendeu que um motorista paulista que dirigia embriagado e causou a morte de uma pessoa n�o deveria responder por homic�dio doloso (com inten��o de matar). A condena��o do condutor foi desqualificada e o r�u vai responder por homic�dio culposo (n�o intencional). De acordo com a interpreta��o do Supremo, aplicar o conceito de crime doloso nesses casos significaria presumir que o motorista tenha bebido com o intuito de praticar o crime. Em Belo Horizonte, desde 2008, 1.331 inqu�ritos de homic�dios culposos foram abertos na Delegacia de Acidentes de Ve�culos. Somente tr�s tratam de homic�dios dolosos e apenas um deles envolvendo consumo de bebida alco�lica.
Trata-se da investiga��o sobre a morte da empregada dom�stica Luzia Rodrigues Fernandes, de 65 anos, em 2009. Ela foi atropelada na cal�ada no Prado, Regi�o Oeste da capital, pelo m�dico Fellipe Ferreira Valle, � �poca com 29 anos. Ele fugia de policiais militares, depois de sair de uma boate na Pra�a Raul Soares, no Centro, e dirigiu na contram�o por nove quarteir�es. Indiciado por crime doloso, o m�dico tamb�m foi denunciado pelo Minist�rio P�blico e chegou a receber senten�a de pron�ncia para ir a j�ri popular. Em fevereiro, por�m, o Tribunal de Justi�a de Minas Gerais, atendendo a recurso da defesa, desqualificou a interpreta��o, em posi��o semelhante � do STF. Fellipe, que ficou preso por quatro meses, agora responde por homic�dio culposo.
Para o promotor do 2° Tribunal do J�ri de Belo Horizonte, Francisco de Assis Santiago, a decis�o do STF � absurda. “Estou cansado de decis�es de favorecimento a bandidos. Essa decis�o � uma verdadeira licen�a para matar. Ela diz: ‘Pode beber e dirigir, porque, se matar algu�m, n�o vai dar em nada’. O motorista embriagado assume os riscos de sua conduta e por isso precisa ser punido por homic�dio doloso, tendo em vista o dolo eventual. O mesmo acontece com casos que envolvem racha, dire��o em alta velocidade ou carro na contram�o”, afirma.
O promotor reconhece que o TJMG mant�m o entendimento pela culpa, mas n�o se abate. “O tribunal ainda � muito conservador, mas n�s, promotores, entendemos que muita gente ainda vai morrer nessa combina��o perigosa de �lcool e dire��o, se n�o houver uma puni��o rigorosa. Se um caso deste tipo chegar para mim, o motorista vai ser denunciado por homic�dio doloso. Sou pai de fam�lia e prezo a vida, por isso minha caneta � dura”, diz ele.
Para o advogado do m�dico, Jos� Arthur Di Spirito Kalil, as decis�es do Supremo e do TJ s�o corretas e t�cnicas. “Meu cliente n�o se submeteu ao teste do baf�metro, e um exame cl�nico depois do acidente n�o demonstrou sinais de embriaguez, embora ele tenha dito em depoimento que bebeu. Fellipe deveria ir a j�ri, mas a senten�a do f�rum n�o era definitiva e o tribunal entendeu de modo contr�rio. N�o � poss�vel resolver essa equa��o como se fosse matem�tica, n�o se pode dizer que o agente assume o risco em todos os casos. O direito penal brasileiro n�o contempla o dolo eventual nos casos de homic�dios no tr�nsito. Essa rela��o � inadmiss�vel e o Supremo mostra que est� atento �s discuss�es.”
Chefe do Departamento de Opera��es Especiais do Detran/MG, o delegado Ramon Sandoli destaca que o entendimento do STF n�o � o mesmo que o da Pol�cia Civil mineira. “A Pol�cia Civil, por meio do Detran, compartilha do entendimento do Minist�rio P�blico: o motorista que conduz um ve�culo ap�s ingerir bebida alco�lica ou em alta velocidade entende que pode causar um mal maior”, afirma.
A delegada-adjunta de Acidentes de Ve�culos, Andr�a Abood, afirma que a proposta � dar um tratamento mais rigoroso ao assunto. “A sociedade nos cobra mais rigor, e o entendimento da primeira inst�ncia � de homic�dio doloso, em casos de acidentes com mortes que envolvam embriaguez. Crimes de tr�nsito s�o tratados como neglig�ncia, imprud�ncia ou imper�cia, supondo que ningu�m sai de casa com a inten��o de usar o carro para matar. A discuss�o � de que o motorista sabe que o �lcool interfere nas suas capacidades. N�o se pode generalizar e por isso a maioria dos casos ainda fica caracterizada como culpa. Todas as circunst�ncias s�o levadas em considera��o, mas a inten��o � de trabalhar com mais rigor”, avisa.
Para o advogado Carlos Cateb, especialista em transito da Ordem dos advogados do Brasil, se��o Minas Gerais, a decis�o do Supremo abre um precedente ariscado. “Praticamente acaba com a puni��o. Fiquei decepcionad�ssimo. O condutor que dirige em alta velocidade, na contram�o ou embriagado, sabe desse perigo e assume o risco. Mas essa decis�o confirma a absoluta certeza da impunidade e s� beneficia o criminoso”, avalia. Ele, por�m, reconhece que a falha tem origem em brecha deixada pelo C�digo Brasileiro de Tr�nsito, que permite a interpreta��o que resulta em puni��o mais suave. ]
Dolo ou culpa
O C�digo Penal trata como homic�dio doloso os casos mais graves, em que o agente tem a inten��o de matar. O crime � hediondo e o artigo 121 prev� pena de seis a 20 anos de pris�o. H� situa��es em que h� o dolo eventual, quando o acusado n�o quer cometer o crime, mas assume o risco. Nos casos de tr�nsito, por exemplo, uma corrente do direito defende que agravantes como a embriaguez, a alta velocidade e a dire��o na m�o contr�ria do fluxo podem ser caracterizados dessa forma. Os tribunais que acompanham esse entendimento aplicam a mesma pena do homic�dio doloso. J� o homic�dio culposo trata da neglig�ncia, imprud�ncia e imper�cia, mas pressup�e que o agente n�o tem a inten��o de cometer o crime. A pena, nesses casos � de um a tr�s anos de reclus�o.
O caso Fellipe Valle

O caso Gustavo Bittencourt

O caso Eduardo Pedras
