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Estado de Minas

Apenas sete em cada mil crimes de tr�nsito tem condena��o em Minas

Somente 459 dos 58,8 mil delitos de tr�nsito ocorridos em Minas Gerais em 2010 foram apreciados pela Justi�a, sem condi��o de julgar e punir quem desobedece �s leis e mata


postado em 25/09/2011 06:48 / atualizado em 25/09/2011 07:39

Causador do acidente na Raja Gabáglia chegou a ser preso, mas hoje responde em liberdade(foto: Sidney Lopes/Estado de Minas - 01/02/2008 )
Causador do acidente na Raja Gab�glia chegou a ser preso, mas hoje responde em liberdade (foto: Sidney Lopes/Estado de Minas - 01/02/2008 )

Os destro�os de a�o, vidros e borracha de um caminh�o acidentado, abandonados num socorro automotivo em uma curva escura do km 420 da BR-381, em Caet�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, s�o um s�mbolo de impunidade no tr�nsito que desperta emo��es diferentes. Sempre que o comerciante Adair Geraldo Syrio J�nior, de 31 anos, passa por l� e v� o Ford Cargo de 13 toneladas, se lembra da noite de 11 de mar�o de 2009, quando aquele ve�culo bateu na van em que viajava, ferindo-o e matando o seu irm�o, o universit�rio Albert Silva Syrio, 26 anos, e cinco colegas. Ningu�m ainda foi julgado e condenado. Uma vez por m�s o motorista do caminh�o passa pelo trecho, indo de S�o Paulo para o Nordeste, segundo os socorristas. O caminh�o retorcido, que a promotoria e a pol�cia afirmaram estar sem condi��es de rodar � �poca da trag�dia, representa a capacidade limitada da Justi�a em julgar crimes de tr�nsito.

Esse n�o � um caso isolado. De acordo com levantamento feito pelo Estado de Minas nas 297 comarcas de Minas Gerais, por meio do Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG), dos 58.866 crimes de tr�nsito ativos em 2010, como dirigir embriagado, homic�dio e les�o corporal no tr�fego, apenas 459 tiveram como desfecho o julgamento seguido de condena��o – �ndice de 0,7% do total. A cada 1 mil processos, apenas sete tiveram a culpa comprovada e uma puni��o.

Autoridades da Justi�a, Minist�rio P�blico, Pol�cia Civil e OAB-MG concordam que o �ndice de condena��es � pequeno, mas divergem dos motivos para isso (leia mais na p�gina 27). Para o advogado especialista em direito de tr�nsito da OAB-MG, Carlos Cateb, a situa��o refor�a a impunidade “S�o �ndices alarmantes. A Justi�a est� abarrotada. A lentid�o faz o cidad�o n�o acreditar na Justi�a”, critica.

Penas alternativas

A ju�za Maria Isabel Fleck, da 1ª Vara Criminal do F�rum Lafayette, afirma que 90% dos casos de crimes de tr�nsito chegam � condena��o, ainda que isso possa demorar. “No restante dos casos temos absolvi��es. O problema � que as pessoas querem pris�o, mas a cultura das penas alternativas educa a pr�pria sociedade depois, criando uma cultura de respeito”, diz. O procurador de Justi�a de Recursos Especiais e Extraordin�rios Criminais do Minist�rio P�blico, Jos� Alberto Sartorio de Souza, conta que sua luta tem sido impedir que os casos de crimes dolosos, quando a pessoa n�o tem inten��o de matar, mas assume o risco ao beber ou fazer rachas, sejam desqualificados como culposos – sem inten��o.

No caso do desastre em Caet�, o processo tramitou entre outros 380 volumes em 2010. Os ju�zes locais conseguiram condenar apenas um caso. O trecho � parte da chamada Rodovia da Morte, como � conhecida a BR-381 entre Belo Horizonte e Jo�o Monlevade, no Vale do A�o, que recebeu a denomina��o por ser recordista de acidentes no estado. O �ndice de julgamentos de batidas, atropelamentos e tombamentos nas comarcas ao longo da estrada � pouco melhor, de 0,9%, ou seja, nove em cada 1 mil processos tiveram condena��o. Foram 2.547 casos, dos quais 23 com desfecho.

O comerciante Adair Syrio afirma nunca ter sido chamado para testemunhar sobre o acidente que vitimou seu irm�o e os colegas. “S� falei com o escriv�o da pol�cia. Ele disse que a per�cia mostrou que o caminh�o tinha os pneus carecas, o freio amarrado e estava em alta velocidade. Foi um crime e, como tudo no Brasil, vai ficar impune se n�o reclamarmos”, disse. A reportagem n�o conseguiu contato com o caminhoneiro envolvido no acidente em Caet�.

A dor da espera

Desde que o marido, Fernando F�lix Paganelli, de 48 anos, morreu numa batida provocada por um estudante que subia a Avenida Raja Gabaglia na contram�o, em fevereiro de 2008, a vida da dona de casa Ana Cristina Tavares Nunes Paganelli de Castro, de 43 anos, se tornou um inferno. � �poca, os filhos de 15 e de 13 anos s� tinham a ela para recorrer, sendo que a dona de casa nunca havia trabalhado, segundo seus advogados. Seis meses depois da trag�dia, a sa�de n�o resistiu � tens�o e ela teve um acidente vascular cerebral que a deixou com dificuldades para se mover e falar. At� hoje, faz fisioterapia e fonoaudiologia para se recuperar. Causador dessa trag�dia, o estudante de administra��o Gustavo Henrique de Oliveira Bittencourt, de 25 anos, acusado de estar embriagado na ocasi�o, chegou a ser preso, mas hoje responde em liberdade ao processo de homic�dio doloso. A previs�o dos auxiliares da acusa��o � de que ele s� venha a ser julgado daqui a 12 meses.

Casos como este mostram que, apesar de ser mais r�pida em julgar os crimes de tr�nsito do que a m�dia dos tribunais estaduais, a Justi�a em Belo Horizonte ainda est� muito aqu�m de punir com rapidez aqueles que transformam as ruas e estradas em lugares perigosos para circular. At� o fim de 2010, dos 6.406 processos ativos na Justi�a comum e nos dois juizados especiais da capital, apenas 88 chegaram a um julgamento e obtiveram condena��o. O �ndice � quase duas vezes melhor do que a m�dia mineira, de sete julgamentos por 1 mil processos, chegando a 13 por 1 mil casos abertos. Naquele ano entraram 1.653 processos para se juntar aos 4.753 acumulados de outros anos.

Respons�vel pela 1ª Vara Criminal do F�rum Lafayette, que ao lado da 12ª Vara � onde os crimes de tr�nsito s�o julgados na capital, a ju�za Maria Isabel Fleck acha que a maior velocidade dos julgamentos em Belo Horizonte ocorre porque os processos s�o apreciados em duas varas espec�ficas e n�o nas varas comuns. “Isso torna o processo mais r�pido. Minha m�dia, por m�s, � de 10 processos julgados. O resultado de 2010 deve ser ainda um resqu�cio de 2009, que foi quando os processos vieram para os juizados especiais. Somos dois ju�zes em Belo Horizonte, mas estamos conseguindo dar respostas melhores � sociedade”, afirma.

Vergonha

Ainda assim o advogado especialista em direito de tr�nsito da OAB-MG Carlos Cateb, acha que muito ainda precisa ser feito para que o n�mero pequeno de condena��es n�o seja traduzido como impunidade dos respons�veis. “� uma vergonha a condena��o demorar tanto tempo que chegue a levar � prescri��o de processos. Os tribunais mineiros precisam encarar essa como uma realidade que mata mais do que outros crimes juntos. Hoje o tr�nsito � o maior respons�vel por mortes. Quando o Judici�rio n�o responde nos prazos corretos, isso refor�a a impunidade.”

Ana Cristina perdeu o marido, o empresário Fernando Paganelli, em fevereiro de 2008 e ainda aguarda o julgamento do estudante que invadiu a contramão e causou o acidente(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil.)
Ana Cristina perdeu o marido, o empres�rio Fernando Paganelli, em fevereiro de 2008 e ainda aguarda o julgamento do estudante que invadiu a contram�o e causou o acidente (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. Brasil.)
Enquanto algumas v�timas ainda lutam por justi�a, como Ana Cristina Paganelli e seus filhos, que j� conseguiram na esfera c�vel uma liminar para receber mensalmente uma quantia como sustento e processam Bittencourt por indeniza��o de R$ 400 mil, h� quem seja contagiado pela dificuldade em conseguir uma condena��o e prefira tentar tocar a vida, apesar dos traumas. Como a auxiliar administrativa Tamires Angela Silva, de 24 anos, que estava entre os nove feridos no acidente entre uma van e um caminh�o na BR-381, em Caet�, na Grande BH, em 2009. Cinco de seus colegas morreram nesse desastre, que iniciou um movimento de cobran�a pela duplica��o da estrada, interrompendo a via todo dia 13 durante um ano.

A jovem n�o segue o processo e tenta todos os dias superar as perdas e as marcas que leva no corpo. Foram dois meses internada, sendo tr�s semanas em coma induzido, com edema cerebral, pulm�o perfurado e o ba�o removido. Ela ficou tr�s meses em fisioterapia para recuperar os movimentos do lado esquerdo do corpo. “S� soube que eles tinham morrido muito tempo depois, quando acordei do coma. Antes, at� liguei para o celular dos falecidos, sem saber. Esconderam de mim para n�o prejudicar minha recupera��o. Fui saber pela televis�o que colocaram no quarto do hospital. Foi um desespero, muita tristeza.”

Agora, Tamires re�ne coragem para encarar a estrada novamente, para o curso de p�s-gradua��o em Belo Horizonte. “Minha fam�lia e eu estamos nervosos. Vou rezar muito e, quando chegar, ligo dizendo que estou bem”, planeja.


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