Estruturas que deveriam ser feitas para suportar cargas pesadas de terra, mesmo em condi��es adversas de excesso de chuva, est�o cedendo a uma mistura de ingredientes perigosos para a constru��o civil em Belo Horizonte. A falta de projetos t�cnicos, erros construtivos e at� mesmo incompet�ncia t�cnica s�o apontados por especialistas como causas para o aumento de 108% no n�mero de desabamentos de muros de arrimo na capital, na compara��o feita entre 2011 e 2010. Enquanto h� dois anos a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil atendeu 105 chamados da popula��o para esse tipo de ocorr�ncia, em 2011, os pedidos saltaram para 219. Os mesmos problemas fizeram com que os desabamentos em resid�ncias, ainda que parciais, aumentassem de 89 para 114 no mesmo per�odo, um salto de 28%.
No bojo de circunst�ncias que levaram � eleva��o dos n�meros, a aus�ncia de profissionais especializados na elabora��o do projeto t�cnico � tida como a principal causa da fal�ncia das estruturas. “Em obras estruturais, como s�o os arrimos, � sempre preciso que o projeto seja elaborado por um engenheiro capacitado. Mas, infelizmente, temos um problema cultural no Brasil que � dispensa da contrata��o desse profissional em muitas constru��es, o que faz com que as obras sejam mal dimensionadas para sua finalidade”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Avalia��es e Per�cias, Frederico Correia Lima Coelho.
Mais grave ainda � que, mesmo com pessoas autorizadas � frente do projeto, o especialista n�o descarta a possibilidade de maus profissionais estarem atuando no mercado. “Em Belo Horizonte, n�o h� um �rg�o que fiscalize a execu��o dos projetos de estudo de solo, terraplenagens e de conten��es; os estruturais; os de instala��es el�tricas, hidr�ulicas e de inc�ndio. Passam pelo crivo da prefeitura apenas o projeto arquitet�nico que segue regras do C�digo de Posturas do Munic�pio e da Lei de Uso de Ocupa��o do Solo”, diz. As duas legisla��es estabelecem, entre outras normas, limites de afastamento entre im�veis e de altimetria. Ao Conselho Regional de Engenharia de Minas Gerais (Crea-MG), segundo ele, cabe apenas a responsabilidade de fiscalizar a presen�a ou n�o de um engenheiro na obra e o registro das Autoriza��es de Responsabilidade T�cnica (ARTs), que s�o os projetos da obra. “� preciso ampliar a fiscaliza��o. Os maus profissionais devem ser punidos e sair do mercado”, alerta.
No entanto, para o presidente do Crea-MG, Jobson Nogueira de Andrade, o problema n�o � de falta de qualifica��o profissional. Ele concorda que a falta de projetos t�cnicos possa ter aumentado os sinistros, mas vai al�m: “A legisla��o precisa evoluir. � necess�ria uma mudan�a na aprova��o de projetos de loteamentos e o monitoramento da ocupa��o”.
Press�o econ�mica
O boom da constru��o civil registrado no �ltimos anos tamb�m � apontado pelo presidente do Ibape como um dos fatores que elevaram os casos de obras de arrimo malsucedidas. “A velocidade com que as obras t�m sido feitas tem impacto na qualidade das edifica��es, j� que muitas vezes falta m�o de obra qualificada, o que gera erros construtivos e falhas de execu��o. Estamos pagando o pre�o de anos de estagna��o no mercado imobili�rio”, comenta.
O uso de material inadequado, especialmente em pequenas obras, pode ainda estar na lista de raz�es para o aumento dos n�meros de desabamentos. E para quem deseja construir, o especialista deixa um recado: “A constru��o de um muro de arrimo n�o pode ser feita em s�rie. � preciso respeitar as condi��es do terreno”.
Novo instituto
Na tentativa de diminuir a incid�ncia de sinistros em obras feitas em �reas de risco geol�gico na cidade, a prefeitura estuda implantar um �rg�o capaz de controlar esse tipo de edifica��o. De acordo com o engenheiro da Comdec Eduardo Pedersoli, poderiam entrar na lista constru��es fiscalizadas aquelas erguidas em bairros como Buritis, Mangabeiras e Santa L�cia, al�m de im�veis no entorno da Avenida Raja Gabaglia. “As discuss�es ainda s�o preliminares, mas o objetivo � que padr�es construtivos sejam avaliados e n�o apenas os arquitet�nicos”, disse.
A medida est� lista de a��es previstas para serem implantadas na cidade neste ano e foi definida ontem durante encontro que reuniu �rg�os de defesa civil, o Ibape e o Crea-MG. Na ocasi�o, foram tratados temas, como constru��es em �rea de risco geol�gico, engenharia de estruturas, fiscaliza��o de obras, al�m de projetos de preven��o para acidentes.
"Muitas obras n�o respeitam normas"
Entrevista//Fernando Amorim de Paula, professor do Departamento de Engenharia de Estruturas da UFMG
Muitas obras em �reas de risco de Belo Horizonte n�o respeitam normas t�cnicas, revela o professor Fernando Amorim de Paula, do Departamento de Engenharia e Estruturas da UFMG. Ele considera que algumas constru��es usam materiais inadequados e outras s�o feitas sem nenhum respaldo profissional. Acrescenta que, para abrir v�os, quebrar paredes ou mudar a estrutura, � preciso que um engenheiro acompanhe a obra.
Como o senhor avalia o aumento do n�mero de queda de muros de arrimo em Belo Horizonte?
� um n�mero bastante consider�vel. Mais que dobrar esse total de ocorr�ncias, pode ser um ind�cio de problemas na execu��o de obras na cidade. Irregularidades que podem ser agravadas em longos per�odos de chuva, como o que enfrentamos recentemente. � certo que a cidade tem um relevo acidentado, mas obras bem planejadas s�o feitas para suportar o esfor�o sobre a estrutura.
Quais s�o os fatores que podem levar um muro de arrimo a cair?
Entre os principais, est� o mal dimensionamento da estrutura para conter o solo. Muitas obras feitas em �reas de risco n�o respeitam normas t�cnicas. Enquanto o solo est� seco e est�vel, a capacidade de conten��o do muro funciona bem. Mas quando chove muito, o �ngulo de atrito altera e passa-se a ter um empuxo maior. Esse esfor�o sobre a estrutura gera uma tend�ncia de escorregamento e de abalo no muro. Outro motivo muito comum � a falta de drenos ou drenagem insuficiente na conten��o.
Como deve ser feito um sistema de drenagem?
� preciso ter pelo menos um dreno a cada tr�s metros de comprimento e um a cada metro de altura. Mas esse padr�o pode variar a depender do tipo de terreno. Nos solos do Buritis e Santa L�cia, constitu�dos predominantemente de filito e quartizito, s�o necess�rios drenos mais resistentes, j� que eles t�m tend�ncia para deslizamentos.
Os acidentes tamb�m t�m rela��o economia na obra?
Sim. Em alguns casos, usam-se blocos cer�micos ou de concreto para fazer um arrimo, quando na verdade devem ser usados concreto e vigas de a�o. Feitos com materiais inadequados, funcionam bem por um tempo, mas depois o muro n�o resiste e cai.
A consulta a um profissional � indispens�vel?
Infelizmente, o que tornou-se cultura no Brasil � a realiza��o de obras sem o respaldo de um profissional, especialmente nas reformas. Se for uma interven��o simples, como pintar ou trocar um a torneira, n�o h� problemas. Mas para abrir v�os, quebrar paredes ou mudar a estrutura, � preciso que um engenheiro acompanhe a obra.