
L� se v�o quase 50 anos desde a entrevista do escritor e m�dico Guimar�es Rosa ao cr�tico alem�o G�nther W. Lorenz. E os grandes rios? Ah, esses ainda guardam semelhan�as com os homens, mas longe de serem po�ticas, como as enxergadas pelo g�nio que contou em prosa a alma do sert�o mineiro. Abarrotados de sedimentos, muitos reduzidos a canais de esgoto, s�o rasos e podres, tal como a pobreza de esp�rito da sociedade que se acostumou a descartar nos cursos d’�gua tudo o que j� n�o serve. Basta olhar para os trechos assoreados do S�o Francisco. Marco na obra de Rosa, no estado e no pa�s, o grande e velho Chico tem �reas onde o transporte hoje s� ocorre em pequenas embarca��es. Um problema que come�a antes: pode ser sentido j� no cheiro das �guas cinzentas do Ribeir�o do On�a ou nas margens tomadas de sacos pl�sticos e lixo do Rio das Velhas, na Grande BH. Mas � a vis�o do leito seco de mananciais na bacia do Jequitinhonha, como o C�rrego do Vandinho, em Padre Carvalho, que n�o deixa d�vida: a a��o do homem tem conseguido apagar a magia da palavra “rio” e amea�ar o milagre da renova��o da vida em ecossistemas cada vez mais castigados, a ponto de, pouco a pouco, roubar-lhes a eternidade.
Foi o que constatou o Estado de Minas durante um m�s de jornada, percorrendo 6.963 quil�metros e atravessando 42 munic�pios das cinco maiores bacias hidrogr�ficas de Minas, em busca das principais raz�es da asfixia de nossos rios. A constata��o � de que o estado onde nascem 33% das 12 regi�es hidrogr�ficas brasileiras – S�o Francisco, Atl�ntico Leste, Atl�ntico Sudeste e Paran� – n�o aprendeu a conciliar desenvolvimento com prote��o. Esgoto, atividades industrial, miner�ria e agropecu�ria e ocupa��o desordenada exercem press�o cada vez maior sobre nascentes e cursos d’�gua com vaz�o cada vez menor, comprometendo a capacidade dos rios de se renovar. O resultado n�o se fez esperar e se traduz em problemas como o colapso no abastecimento em munic�pios do Vale do Rio Doce e a disputa por recursos h�dricos no Tri�ngulo Mineiro.
Composta por 10 bacias hidrogr�ficas estaduais e um n�mero de c�rregos, ribeir�es e rios t�o grande que nem o Instituto Mineiro de Gest�o das �guas (Igam) foi ainda capaz de mapear, Minas Gerais tem 67% de seu territ�rio banhado por cursos d’�gua, mas parece n�o ter se dado conta dessa responsabilidade. “�reas de cabeceiras e nascentes devem ter cuidado maior. Se n�o h� controle, ocorre uma s�rie de impactos para quem est� abaixo”, adverte o gerente de Conjuntura dos Recursos H�dricos da Ag�ncia Nacional de �guas (ANA), Alexandre Lima. Com apenas 30% das unidades de conserva��o regularizadas, o estado apresenta fragilidades quanto � prote��o de matas e florestas, recantos fundamentais � produ��o de �gua. E se a quantidade se apresenta como problema, a qualidade do recurso h�drico talvez seja hoje o maior desafio. Minas entrega diariamente a nove estados �gua contaminada por cerca de 1,7 bilh�o de litros de esgoto, despejados in natura nos corpos d’�gua. “Exportamos polui��o”, ressalta o professor de engenharia sanit�ria da Universidade Federal de Minas Gerais Leo Heller.
Divulgado na �ltima semana, levantamento do Sistema Nacional de Informa��es sobre Saneamento (Snis), do Minist�rio das Cidades, mostra que pouco mais de um quarto (25,9%) dos dejetos gerados em Minas s�o tratados, bem abaixo da m�dia brasileira, de 37,8%. Tantas press�es levam o estado a sustentar �ndice de Qualidade da �gua (IQA) m�dio ou ruim – par�metro que reflete contamina��o por esgoto – em 62% das 429 amostras analisadas pelo Igam em seu monitoramento deste ano. O desempenho representa piora em rela��o ao ano passado e atinge n�veis que, segundo o pr�prio instituto, decretam estado de aten��o. “H� rios entrando em situa��o que requer cuidado”, afirma coordenadora do monitoramento do Igam, Katiane Brito.

Se para o homem os efeitos da devasta��o s�o considerados “m�dios”, para a fauna, nem tanto. Segundo a Funda��o Biodiversitas, em 11 anos, de 1995 a 2006, o n�mero de esp�cies na lista de peixes amea�ados saltou de tr�s para 49. O aumento est�, em grande parte, relacionado a problemas como barragens, polui��o e desmatamento. O quadro s� n�o � pior em virtude da capacidade quase milagrosa dos rios se livrar por si mesmos de parte dessas descargas t�xicas. A contamina��o por esgoto � o tema da primeira reportagem da s�rie em que o EM vai revelar, a partir de hoje e ao longo da semana, como est�o as principais bacias hidrogr�ficas mineiras. A reportagem deste domingo mostra ainda as agress�es que sofrem o S�o Francisco, o Rio da Integra��o Nacional, e seus afluentes, como contrapartida ao fato de fertilizar todo o sert�o das Gerais.