(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Conhe�a trabalhadores que fazem esfor�o digno de atletas ol�mpicos para ganhar a vida


postado em 23/07/2012 07:00 / atualizado em 23/07/2012 07:13

Sexta-feira, a Inglaterra abre oficialmente em Londres os Jogos Ol�mpicos 2012. Pernas, bra�os, m�os, m�sculos e mentes entrar�o em cena na santa batalha por medalhas. Nos tablados, nas quadras, na �gua, nas pistas de corrida, nos est�dios e gin�sios estar�o atletas preparados anos a fio para competir e encher de orgulho pa�ses e povos, independentemente da ra�a, da ideologia ou da condi��o social. A maioria das competi��es reproduz fielmente a��es da vida real, nas quais trabalhadores an�nimos gastam energia em busca da sobreviv�ncia ou do conforto da fam�lia. A semelhan�a entre o esfor�o do levantador de peso e o do carregador de sacos de areia e cimento Rodrigo n�o � mera coincid�ncia. Assim como o dos competidores do revezamento 4x100 com a correria dos lixeiros Washington, Ulisses, Paulo C�sar e Jean Carlos. E Ivanilton, o barqueiro do Parque Municipal, � feliz mesmo n�o estando nas �guas londrinas remando pelo orgulho esportivo? Ou como reagiria o office boy ciclista Raimundo se algu�m lhe dissesse que pedala mais r�pido ou igual aos competidores ol�mpicos? O esporte imita a vida e a vida imita o esporte. E aqui est�o os medalhistas da vida.

(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)


Para entrar nesta equipe, n�o h� exig�ncia de peso, altura nem idade. Os �nicos requisitos s�o f�lego e (muita) disposi��o numa maratona digna de Usain Bolt, primeiro velocista a quebrar tr�s recordes mundiais em uma Olimp�ada, em Pequim, em 2008. Diariamente, s�o 20 quil�metros de corrida em meio a obst�culos urbanos, arremesso de quatro toneladas de lixo e incont�veis saltos da boleia do caminh�o. “O segredo � nunca trazer problema de casa e, aqui, � um olhando pelo outro”, revela o experiente Bui�, na identidade Washington Luiz de Miranda Rosa, de 42 anos, a metade a Servi�o da Superintend�ncia de Limpeza Urbana de BH. Ele se reveza com Paulo C�sar Marriel, de 54, Jean Carlos V�nancio, de 39, e Ulisses Coelho, de 38, na rotina vitoriosa contra a sujeira na capital. Assim como os velocistas, os lixeiros correm contra o rel�gio. “Enquanto o caminh�o leva o lixo para o aterro, temos 1h15 para juntar os sacos de 20 quarteir�es. Mas era pior, quando o caminh�o n�o tinha compressor, a gente corria 80 quil�metros por dia”, conta Paulo C�sar. Tanto esfor�o permite que Jean abra exce��o quase di�ria de refrigerante e salgado no card�pio, bem diferente da alimenta��o balanceada dos atletas.

Nesse ritmo, lixeiros consomem 50% a mais de calorias que um adulto sedent�rio, o que exige cuidados com a hidrata��o. Esse problema Paulo C�sar resolve f�cil, com �gua da torneira dos moradores, a quem Bui�, que voa para alcan�ar o caminh�o, tem grande apre�o. “A medalha do coletor � o carinho da comunidade.” Membro da equipe h� tr�s dias, Ulisses, de f�sico mais avantajado, est� lutando para ganhar essa medalha. “Minha coxa d�i e, quando chego em casa, n�o dou conta de ir nem na padaria.” Mas Bui� acredita no potencial do companheiro: “Ele � humilde e atencioso.”

For�a � base de arroz e feij�o

Aos 20 anos, o cazaque (natural do Cazaquist�o) Ilya Ilin levantou 180kg no arranco e 226kg no arremesso para ganhar o ouro na Olimp�ada de Pequim, em 2008. Mas como esse esfor�o n�o � di�rio, pode-se dizer que o carregador Rodrigo Mendes de Carvalho, de 29 anos, mesmo n�o levantando o mesmo peso, � merecedor de uma medalha no levantamento de peso. Todos dias, durante oito horas de trabalho em um dep�sito de material de constru��o na Avenida Bar�o Homem de Melo, Oeste de BH, ele levanta e carrega pelo menos seis toneladas, n�o de uma s� vez, � claro. Rodrigo � um dos trabalhadores contratados pelo dono do dep�sito para p�r nos caminh�es as encomendas dos clientes. “Carrego pelo menos 100 sacos de areia, de 60kg, um por vez, em cada jornada de oito horas”. Orgulha-se de “ombrar” dois sacos de cimento, de 50kg cada, sem gemer. Essa pesada tarefa rende a ele cerca de R$ 700 mensais, �nica renda para alimentar a mulher e as duas filhas, Sara, de 4, e Lara, de 6. A fam�lia mora em barraco de dois c�modos no Bairro Jardim Am�rica. “� moradia de favor.”

Rodrigo gaba-se de nunca ter sentido dor ou qualquer desconforto na coluna. Sua alimenta��o para suportar tamanha carga � composta basicamente de arroz, feij�o, carne e macarr�o. “Principalmente massa. Adoro”. Mas o esporte favorito de Rodrigo n�o � levantamento de peso. “Gosto mesmo � de luta. Tenho 250 filmes (DVDs) em casa, entre os quais todos os estrelados por Jean Claude van Dame.”Mas a medalha com a qual Rodrigo sonha n�o est� no levantamento de peso nem em nenhuma modalidade de luta. “O que quero � a oportunidade de dar �s minhas filhas tudo o que n�o tive.”

O office boy dos pedais

Raimundo Rodrigues Neves, de 54 anos, nasceu no Piau�, mora h� 30 anos em Belo Horizonte, tem o apelido de “russo da bike” e s� nos �ltimos cinco anos pedalou o suficiente para dar quatro voltas na Terra. A adrenalina marca a rotina do office boy dos pedais, que sai de casa, no Bairro Guarani, na Regi�o Norte, e retorna depois de percorrer todos os dias cerca de 100 quil�metros pela capital. Russo nunca ouviu falar em Julien Absalon ou Sabine Spitz, medalhistas ol�mpicos do mountain bike, mas j� foi aconselhado a investir nas competi��es.

Ele prefere focar na entrega de documentos pelas ladeiras de BH, atividade que lhe rende R$ 1 mil por m�s. “Aqui � cheio de morro, n�o d� para fazer corpo mole, mas o que atrapalha a gente � essa ‘carraiada’”, conta, competindo junto de autom�veis e �nibus em plena Pra�a Sete, no Centro. O preparo f�sico veio com a pr�tica e do cuidado da esposa. “Ela cuida muito bem de mim. Minhas pernas nem ficam doloridas”, diz. Raimundo sempre amou andar de bicicleta e adotou a magrela como companheira de trabalho depois de ficar desempregado, h� cinco anos.

A recompensa vem em forma de sa�de e disposi��o: dif�cil o atleta do cotidiano ficar gripado. O problema � quando o tr�nsito aperta, o motorista n�o respeita e quem paga o pato � o coitado do Russo. “J� ca� duas vezes, quebrei tornozelo, o dedo da m�o esquerda e quatro costelas.” Tal como atleta, ele precisou de ficar afastado, mas sem tantas regalias e apenas com a ajuda da Previd�ncia. Mesmo com os por�ns, Russo n�o desanima e, no mais nobre esp�rito ol�mpico, volta para a dura competi��o do cotidiano. “A minha meta � sobreviver, comprar um lugar para morar e pedalar at� quando Deus quiser.”

(foto: Leonardo Curi/EM DA Press)
(foto: Leonardo Curi/EM DA Press)
Bra�os sincronizados


H� tr�s d�cadas e meia, Ivanilton Almeida Rodrigues, de 53 anos, trabalha no Parque Municipal, Centro de BH, como coordenador dos pequenos barcos alugados a visitantes no Lago dos Ventos. Tem ainda como fun��o orientar e at� ensinar quem deseja remar na �gua turva e coalhada de gordas e pregui�osas carpas. Quando o movimento est� fraco, ele sai sozinho e em quatro minutos d� a volta no lago, numa dist�ncia calculada a grosso modo em um quil�metro.
Nada compar�vel ao desempenho do b�lgaro Olaf Tufte, de 36, ganhador do ouro no skiff (modalidade de remo) individual nos Jogos de Pequim, em 2008. “J� vi o pessoal treinando na Pampulha. Se pegar um pouco da coordena��o, com uma r�pida adapta��o a gente desembaralha”. De postura e coordena��o Ivanilton entende. S�o as orienta��es b�sicas que ele passa aos aventureiros de primeira viagem no Lago dos Ventos, como fez na sexta-feira com as meninas Joyce do Esp�rito Santo, de 10, e Michele Lima, de 8.

Comissionado, Ivanilton tira em torno de R$ 2 mil mensais no servi�o, que � uma concess�o municipal. Com esse dinheiro, ergueu uma casa em Vespasiano e criou os cinco filhos (quatro mulheres e um homem). A energia vem da boa sa�de e da alimenta��o, equilibrada � base de frutas, legumes, arroz e feij�o, sem muita gordura. “Como meu domingo � a segunda-feira (dia em que o parque fechas as portas), arrisco um churrasquinho em fam�lia.” Al�m de ensinar e remar, ele constr�i barcos. Ele n�o � atleta e n�o vai aos Jogos londrinos, mas seu esp�rito ol�mpico j� � medalhista: “Meu ouro s�o os filhos e os quatro netos. Gra�as a Deus, s� me d�o alegrias.”


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)