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Estado de Minas MINEIROS DE OURO

Ex-empregada dom�stica j� ajudou a formar mais de 12 bibliotecas comunit�rias


postado em 20/07/2013 06:00 / atualizado em 20/07/2013 07:54

Na casa no Bairro Paquetá há tantas obras, algumas raras, que muitas delas estão disponíveis para quem quiser formar um novo acervo(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Na casa no Bairro Paquet� h� tantas obras, algumas raras, que muitas delas est�o dispon�veis para quem quiser formar um novo acervo (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

 

H� 37 anos, quando Vanilda de Jesus Pereira ainda n�o tinha 14, vir de Confins a BH era uma verdadeira viagem. N�o havia essa de Linha Verde. Era quando ela deixava a casa dos pais, na cidade da regi�o metropolitana, para trabalhar como dom�stica na capital, onde nasceu. Tinha o primeiro grau (ensino fundamental) completo e, al�m do trabalho da casa, lia o jornal para a patroa e orientava a filha da mulher com os trabalhos de escola. Uma noite, depois de ajudar a crian�a a fazer o resumo de uma obra liter�ria, levou o livro para ler no quartinho quente e apertado.

“Por incr�vel que possa parecer o livro era Escrava Isaura. A obra, escrita pelo romancista mineiro Bernardo Guimar�es (1825-1884), pertencia � biblioteca da casa. Mal Vanilda come�ou a leitura, a patroa apareceu, enfurecida. “Com ordem de quem voc� pegou o meu livro?” Na mesma noite a demitiu e, se ainda estiver viva, n�o sabe o bem que fez a milhares de pessoas, al�m de mudar a vida daquela menina. Vanilda foi para a rodovi�ria. N�o havia mais �nibus naquele dia para Confins e ela dormiu nos jardins do terminal.

No dia seguinte, foi � Livraria Amadeu, o mais famoso sebo de BH, ent�o na Galeria Ouvidor. “Comprei dois livros, Escrava Isaura e �ramos Seis – este da escritora paulista Maria Jos� Dupr� (1898-1984).” O pai, lavrador, era evang�lico e praticamente obrigava a filha a segui-lo na op��o religiosa. “Ora, se eu pagava 10% do ganhava � Igreja, por que n�o gastar mais 10% com livros? Arrumei outro emprego e passei, ent�o, a comprar dois livros por m�s. Eu me tornei uma devoradora de literatura.”

Valnilda lia e emprestava a quem pedisse, sem esperar pela devolu��o. Deixou Confins e foi morar na pequena favela que havia no entorno do viaduto do Anel Rodovi�rio no Bairro S�o Francisco. J� com quatro filhos e solteira, sofreu um AVC. “N�o pude mais trabalhar como empregada. Ent�o, pedi a um vizinho que adaptasse um peda�o de ferro afinado na ponta de um cabo de vassoura e fui para as ruas catar papel�o para sustentar os filhos.”

N�o era raro achar um ou outro bom livro no lixo. Um dia, no entanto, em uma cal�ada da Pampulha esbarrou em um monte de livros, entre os quais enciclop�dias. “Perguntei ao morador mais pr�ximo se era dele. Respondeu que era lixo mesmo. Lixo cultural, claro. O que dei conta, botei na cabe�a. Mas apareceu um taxista solid�rio. E ele me ajudou a levar todos aqueles volumes para a favela.” Os livros encheram o barraco. “Em cima da cama, debaixo do fog�o, em todos os lugares. E cuidei de etiquetar todos.”

Nasceu a primeira biblioteca formada por Valnilda. E, ao contr�rio da daquela primeira patroa, ela abriu o acervo a toda a comunidade. Mas n�o era apenas livro o que Vanilda recolhia. Crian�as sem pai, sem m�e e sem rumo tamb�m. “Com os meus quatro, posso dizer que tenho 48 filhos”. Em todos os fins de ano, os meninos escreviam cartas pedindo brinquedos e roupas, que ela entregava a empresas. Por isso, sofreu a maior carga de preconceito, e da pol�cia.

“Havia v�rias pessoas com carros modernos estacionados na beira da favela. Eram empres�rios que foram fazer doa��es. Um carro da PM parou e os militares foram logo perguntando se era um sequestro.” De tanto acumular livros, doados, achados ou comprados, etiquetados e arrumados, Vanilda virou refer�ncia. A ajudou a criar bibliotecas nas cidades de Confins, S�o Joaquim de Bicas, S�o Francisco, Berilo, Nanuque, Salinas, Posto da Mata (BA), Monte Azul, Sabar�, Mato Verde, entre outros, e nos bairros Cachoeirinha e C�u Azul, em BH. No S�o Francisco n�o h� mais: a favela foi erradicada para obras da Avenida Ant�nio Carlos.

A mais nova biblioteca de Vanilda � no Bairro Paquet�, na Pampulha, onde mora. � uma casa humilde, com todos os c�modos tomados por prateleiras repletas de livros, a maioria doada. Romancistas, poetas, pensadores, personagens de quadrinhos e tantos outros do universo da literatura convivem � espera de quem se interessa pelo conhecimento. A casa est� sempre de portas abertas e Vanilda est� a postos, solid�ria com quem precisa de ajuda, como marcar uma consulta no SUS, conseguir uma ambul�ncia e at� para um curativo de emerg�ncia.

Maria Eduarda aprende cedo a devorar livros(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Maria Eduarda aprende cedo a devorar livros (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Ela ganha a vida como cuidadora de idosos. � para os que n�o podem pagar pelo servi�o ela faz um sop�o, todos os fins de semanas, e distribui marmitas. Doa��es de alimentos e obras liter�rias chegam a toda hora. E nem � preciso cham�-la. Basta deixar na porta. “Quantas mulheres j� tirei da prostitui��o, das drogas. Basta voc� sorrir para algu�m e ter� a certeza de que Deus existe. E naquele mundo de livros, aparece Maria Eduarda, de 6 anos, filha de cora��o de Vanilda. � uma pequena devoradora de literatura infantil. “Ler � muito bom”, diz com pose de quem sabe do que est� falando.


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