Sandra Kiefer

Frei vem do latim frater, que quer dizer amigo. E n�o poderia haver melhor t�tulo eclesi�stico do que esse para assinalar a miss�o de Cl�udio van Balen, que completa 80 anos nesta quinta-feira, 46 deles dedicados � Par�quia Nossa Senhora do Carmo, uma das mais atuantes da capital, na comunidade do Carmo-Sion. Com serm�es engajados e muitas vezes controversos, o religioso conquistou uma legi�o de fi�is admiradores, sobretudo por estimular a pr�tica de a��es sociais e por ousar enfrentar assuntos pol�micos, tanto para a Igreja Cat�lica quanto para a ci�ncia, como aborto, eutan�sia, homossexualismo, div�rcio e at� a transposi��o do Rio S�o Francisco, tema que virou pres�pio na igreja. Mesmo que suas posi��es n�o sejam consenso, a palavra de frei Cl�udio � t�o contundente que nem aqueles que discordam dele s�o capazes de permanecer indiferentes.
Do alto da firmeza de posi��es consolidada em seus 80 anos, frei Cl�udio est� em busca de leveza, conforme confessa na reflex�o do boletim da missa do �ltimo domingo, na qual paroquianos amigos prepararam homenagem antecipando a celebra��o do anivers�rio. “Prosseguirei na caminhada, sendo este o objetivo: deixar alguma flor neste planeta no qual nasci, aprendi, recebi tanto, convivi e pelejei, vencendo obst�culos e colhendo bons frutos”, assinalou, no folheto. Em outro trecho, por�m, o religioso desconfia da pr�pria capacidade de se manter sereno. Como diz um colega padre, que o acompanha � dist�ncia, no anonimato: “Frei Cl�udio � admir�vel, admir�vel, admir�vel… mas tem o temperamento explosivo”.
Coube ao garoto Jildert – nome civil de batismo na Holanda – a escolha de vir para o Brasil aos 16 anos, ainda na condi��o de seminarista, com um grupo de sete jovens holandeses, estudantes carmelitas da Ordem dos Irm�os da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo. Dos oito, quatro conclu�ram a forma��o sacerdotal. Desses, dois perseveraram no sacerd�cio. Frei Cl�udio � o �nico sobrevivente no Brasil. Ap�s dois anos de estudo ginasial em Itu (SP), um ano de est�gio em Mogi das Cruzes (SP), tr�s de filosofia e quatro de teologia em S�o Paulo, frei Cl�udio tamb�m se formou em letras cl�ssicas. Foi ordenado em dezembro de 1959. De 1960 a 1964, quando se encontrava em Roma, preparando-se para o doutorado em teologia dogm�tica, conviveu com o clima de renova��o que iria desembocar no Conc�lio Vaticano II. Ele conta que, na ocasi�o, teve a oportunidade de presenciar “uma significativa – embora passageira – mudan�a na Igreja Cat�lica, em doutrina e pastoral”.
No retorno ao Brasil, depois de r�pida passagem de tr�s anos por S�o Paulo, foi transferido para Belo Horizonte, onde daria aulas de teologia e trabalharia na par�quia do Carmo, onde permanece at� hoje. Em 2010, a informa��o de que o afastamento de frei Cl�udio para outra cidade era cogitado foi o bastante para desencadear intensa mobiliza��o na comunidade, que reagiu com o poder de 13 mil nomes lan�ados em um abaixo-assinado, al�m de encher, ainda mais, as missas do religioso. Teriam motivado o movimento para afast�-lo atitudes que fugiriam aos padr�es da Arquidiocese de Belo Horizonte. Entre as principais fontes de inc�modo estaria o boletim distribu�do nas missas, totalmente reescrito por ele. Nas demais par�quias, a celebra��o segue um roteiro pr� definido pela C�ria Metropolitana.

Poucos sabem, por�m, que frei Cl�udio briga pela moderniza��o do folheto da missa desde a d�cada de 1960. A contenda iniciou-se dois anos depois do Conc�lio Vaticano II (1962-65), que liberou o emprego do portugu�s no in�cio e no fim das celebra��es, preservando o latim apenas na parte central do folheto. “J� na metade do ano de 1967, decidimos rezar a missa toda em portugu�s. N�o tinha sentido insistir em uma l�ngua que ningu�m mais entendia. O povo bateu palmas, mas o bispo exigiu explica��es. Meio ano depois, em 1968, chegou a ordem de Roma dispensando o uso do latim”, revela o religioso, autor de dezenas de livros e adepto da Teologia da Liberta��o – corrente sem consenso dentro do catolicismo que surgiu na Am�rica Latina, na d�cada de 1960, com forte conota��o socioecon�mica e pol�tica e que defende a atua��o da Igreja sobretudo em defesa dos menos favorecidos.
Car�ter formado na dureza da 2ª Guerra
Frei Cl�udio n�o poderia ser diferente do que �. De certa forma, suas posturas refletem algo de sua experi�ncia iniciada na Holanda, durante os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Aos 10 anos, viu seu pai fazer buracos no silo para esconder jovens que se negavam a colaborar com o Ex�rcito alem�o. Com o pa�s ocupado pelos nazistas, o frade revela ter ficado muito impressionado com a atitude do ent�o vig�rio local. Do p�lpito, ele insistia para que ningu�m colaborasse com o regime de Hitler. Devido �s suas mensagens, passou tr�s anos em um campo de concentra��o nazista.
Fatos e exemplos como esses deixaram marcas profundas no religioso, que, mais tarde, j� no Brasil, pregaria contra injusti�as e viol�ncias do regime militar. “O leite bebido na inf�ncia produz, mais tarde, seus efeitos”, observa o religioso, que continua jovem no idealismo que propaga. Durante a ditadura militar, a Igreja do Carmo continuou a funcionar como casa aberta, abrigando reuni�es de estudantes das mais diversas frentes de milit�ncia pol�tica.
Conta o frade: “Certa vez, um grupo de sete rapazes e mo�as, acusados de iniciativas subversivas, presos e torturados em Juiz de Fora, fizeram chegar a n�s o relato do que haviam sofrido. Um dos acusados, preso e maltratado, citou meu nome como facilitador dessa ‘subvers�o’. Fui ouvido no Dops, xingado e amea�ado, por�m prova n�o foi encontrada, al�m da palavra do rapaz torturado”.
PAPA
Quanto � escolha do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, eleito papa Francisco, frei Cl�udio considera que a Igreja Cat�lica est� entrando no bom caminho. “Na teologia, o papa bebeu de uma fonte antiga, da qual todos n�s – os mais antigos – bebemos tamb�m. Felizmente, quanto � pastoral, o papa Francisco tem um jeito bem aberto. H� quem observe que ele fala e faz o que estamos ouvindo e fazendo, na par�quia, h� 40 anos. Ainda bem”, suspira.
Entre as “modernidades” adotadas pelo frade carmelita no ritual da missa, est�o o repartir da comunh�o tamb�m com pessoas separadas que se casaram de novo. Ele argumenta que a mesa da Eucaristia deve ser de acolhida e n�o de exclus�o.
Frei Cl�udio chega a se exaltar ao descrever o quadro da Santa Ceia, que costuma encimar a mesa da sala de jantar de in�meras casas cat�licas em Minas. “Afinal, na Primeira Eucaristia, em uma ponta da mesa estava Judas, que iria trair; na outra ponta, Pedro, que iria negar; e o restante da turminha que iria abandonar Jesus, na hora da condena��o. Al�m do mais, at� o papa, ao rezar a missa, na hora da comunh�o, tamb�m reconhece: ‘N�o sou digno de que entreis em minha morada’. Ora, se ningu�m � digno, o problema n�o � a dignidade, mas o convite, que � universal”, defende. “Ningu�m � digno, mas todo mundo � convidado.”
Artes�o da f�
Em 21 de outubro ser� lan�ado o livro Cl�udio van Balen: Artes�o da f�, de autoria do padre Mauro Passos e do ambientalista Cl�udio Guerra, amigos do frade. A obra detalha um pouco mais da trajet�ria do religioso, sua inf�ncia na Holanda e as atividades sociais da Igreja do Carmo, refer�ncia no pa�s. “Sabe do que mais gosto em frei Cl�udio? Da sua alma livre, sem narcisismo e sem amarras. Ele � o que �. Eu queria ser assim”, confessa uma entre os 800 volunt�rios dos mais de 50 projetos sociais da Igreja do Carmo, entre servi�os jur�dicos, m�dicos e psicol�gicos, que atendem a 20 mil pessoas por m�s. Diariamente, ela segue de �nibus de um bairro vizinho at� o Sion para se inspirar no exemplo de vida do religioso.