Jefferson da Fonseca Coutinho

Era para ser uma reportagem sobre mais uma homenagem a S�o Francisco de Assis, o santo da natureza, em manh� de b�n��os, desfile e feira de ado��o de animais. N�o fosse uma mulher de olhos sem gra�a, solit�ria, a percorrer canteiro por canteiro da Pra�a Floriano Peixoto, no Bairro Santa Efig�nia, Regi�o Leste de Belo Horizonte, em busca desesperada por Val�rio, o c�o vira-lata, surdo, desaparecido desde as 8h30 de 22 de abril de 2012. “Para muitos, apenas um c�o. Para mim, um filho”, emociona-se Maria de Lourdes Goulart, de 57 anos, ao repetir a frase espalhada pelos quatro cantos da cidade, na busca incessante desde a manh� acinzentada daquele outono.
S�o 532 dias sem perder a esperan�a. De feira em feira, de protetor em protetor de todas as organiza��es n�o governamentais atentas aos bichos em apuros da cidade, Maria de Lourdes sonha reaver Val�rio. “Com todas as maldades contra os animais que a gente fica sabendo, n�o passo um s� dia, uma s� noite sem pensar que ele pode estar em dificuldades”. O desaparecimento de Val�rio foi “descuido de minuto”, numa fresta no port�o de a�o estragado da Rua Machado de Assis, no Bairro Lagoinha, na Regi�o Noroeste.
“Foi domingo. Sei at� a hora. No s�bado, ele passou o dia ainda mais carinhoso, grudado em mim, como se quisesse se despedir”, suspira. Maria diz ter passado os dias seguintes percorrendo canto por canto da regi�o, batendo de casa em casa. “Disseram-me que ele tinha sido visto na Pedreira Prado Lopes. Passei dias andando de beco em beco. Fiz cartazes e faixas e coloquei na regi�o. Nada”, lamenta.
A aposentada tamb�m iniciou uma campanha pela internet, nas redes sociais e blogs de prote��o. O e-mail para not�cias – [email protected] – foi replicado no Facebook por amigos e amigos dos amigos que se solidarizaram com a causa de Maria. No rastro de Val�rio, tr�s novos companheiros resgatados, que passavam por situa��o de risco: Preto, Tilza e Suzana. Todos sem ra�a definida (SRD).
A dona de casa diz ser s� amor por Val�rio. “Tem gente que pode n�o entender. Mas � amor. Como o que temos por nossos filhos. Val�rio � um filho muito querido, que veio ao mundo numa condi��o muito especial”, considera. O pequeno vira-lata, branco e peludo, um “falso bordee collie”, com pequenas manchinhas pretas, nasceu em 2008. Filho da velha cadela SRD Teia e do border Collie Pitt. Os olhos tristes, esvaziados de Maria de Lourdes se reacendem para falar do dia em que Val�rio veio ao mundo.
BEG�NIAS
“Teia era muito velha. Um dia, ela, sempre muito esfomeada, n�o apareceu na hora da comida. Fui v�-la e ela estava deitada com um bichinho branco debaixo dela. Pensei: ‘Engra�ado… um ratinho e a Teia n�o reage. N�o faz nada…’. A�, fui ver e era o Val�rio, miudinho, lindo que s� vendo”, sorri. A aposentada diz que nem podia imaginar que a cadela querida, companheira de perder a conta em anos, ainda podia ser m�e. Da�, de acordo com Maria, a defici�ncia auditiva de Val�rio.
Em casa, no muro de chapisco, a cor mais clara do cimento indica o lugar do port�o por onde fugiu Val�rio. A dona de casa decidiu acabar com o port�o menor, de entrada, para ficar apenas com a garagem, tamanho dissabor com a passagem. “N�o vou nem chamar voc�s para entrar. Por causa da depress�o, n�o estou dando conta de arrumar a casa”, desculpa-se. Na varandinha em obras, alegres s�o as beg�nias coloridas em vida. Do lado de dentro, muito bem guardados, os outros “filhos” de Maria.

O Primeiro Encontro dos Bichos, promovido pelas ONGs SOS Bichos, Bichos de Companhia e Senhorita Camale�o, em parceria com o N�cleo Fauna de Defesa Animal, reuniu dezenas de ativistas e simpatizantes da causa animal na Pra�a Floriano Peixoto, no Santa Efig�nia, Regi�o Leste de BH. L�dia Abritta, de 65 anos, levou a chitzu Lulu, adotada em 2010, para receber a b�n��o de frei Ant�nio Rodrigues, o Frei Toninho, de 66.
“Lulu foi encontrada na rua, �s 23h, no Bairro S�o Lucas. Fiz de tudo para localizar o dono. Coloquei an�ncio no com�rcio da regi�o. At� que um taxista me disse que sabia quem era o dono, mas ele n�o quis ficar com ela. Acho que porque ela era muito levada”, conta L�dia, feliz com a “melhor amiga” no colo. A professora lamenta que hist�rias de insensibilidade e abandono se repitam com tanta frequ�ncia.
Para Frei Toninho, da Comunidade S�o Francisco de Assis, do Bairro Coqueiros, na Regi�o Noroeste, o abandono � um dos piores maus-tratos. A grande maioria dos bichinhos resgatados j� teve uma casa em outros tempos. De acordo com o franciscano, o homem precisa aprender a tratar os animais. “S� assim vai poder viver em paz e harmonia consigo mesmo e com a natureza”, defende.
TOP MODELS Arena de contrastes, enquanto os vira-latas sofridos Ringo, Pitty, Le�ncio, Conselheiro, Brad e Layca, entre outros, desfilam � espera de um lar amigo, sem maus- tratos, entre os canteiros floridos da pra�a uma fam�lia oferece filhotinhos dos mais lindos e bem cuidados das ra�as lulu da pomer�nia e chitzu. Por R$ 500 o mimo. Perto dali, adultos e crian�as aplaudem a farra dos bichos no desfile da C�o�ada da Fama.
Ado��o respons�vel
Carla Roberta Magnani, de 46, presidente da SOS Bichos, em campanha pela identifica��o nas coleiras, comemora o sucesso do encontro, que, al�m da conscientiza��o de respeito e carinho com os bichos, tem como objetivo chamar a aten��o para a import�ncia da ado��o respons�vel. “S�o muitos os animais que est�o precisando de um novo lar. Adotar � trazer a alegria de um amor incondicional para dentro de casa”, ressalta.