(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Como milhares de alunos, professores enfrentam dura rotina entre a casa e a escola

EM acompanha professores que sofrem com transporte para chegar � escola. Darlene leva mais de uma hora de casa at� a sala de aula


postado em 10/11/2013 06:00 / atualizado em 10/11/2013 08:07

5:15 Darlene saiu de casa de madrugada e segue para a primeira escola(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
5:15 Darlene saiu de casa de madrugada e segue para a primeira escola (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Uma hora e 15 minutos � o tempo que a professora Darlene Aparecida Bispo de Moura Pimenta, de 50 anos, gasta para chegar a uma das escolas em que leciona em Ribeir�o das Neves, na Grande BH. Com sacrif�cio, mas muita dedica��o, ela enfrenta 88 quil�metros de viagem de ida e volta diariamente, entre o Bairro Tupi, Norte da capital, onde mora, e as duas institui��es.

No domingo passado, o Estado de Minas mostrou as dificuldades e os riscos enfrentados por estudantes na zona rural e nas estradas para chegar � escola. E hoje conta como  professores, a maioria mulheres, enfrentam drama �s vezes maior, que implica duas jornadas. S�o li��es de sacrif�cio e esperan�a por um futuro melhor para educadores e alunos.

“Acordo �s 4h25 para preparar o caf� da manh� do meu filho, tomo banho e me arrumo. Tenho de sair de casa no m�ximo �s 5h15 para n�o perder o �nibus. O pr�ximo s� passa �s 5h35 mais lotado ainda”, conta a professora. Na madrugada fria e chuvosa, ela anda dois quarteir�es por ruas desertas, pega o primeiro �nibus �s 5h20 e desembarca �s 5h45 na esquina das ruas Guaicurus e Rio Janeiro, no Centro. Percorre mais dois quarteir�es a p� e toma outro �nibus, mais vazio do que o anterior, �s 5h50, na Avenida Oiapoque. �s 6h10, o coletivo chega � BR-040 com o dia j� claro."

5:20 Depois de esperar no ponto, ela começa a maratona nos ônibus(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
5:20 Depois de esperar no ponto, ela come�a a maratona nos �nibus (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
As viagens di�rias costumam ser tranquilas quando n�o ocorrem acidente ou manifesta��o fechando a BR-040. Ela consegue chegar ao Bairro Liberdade, em Ribeir�o das Neves, �s 6h27. Desembarca na rodovia, atravessa uma passarela, anda mais um pouco e chega �s 6h30 � Escola Estadual Jo�o de Almeida, onde prepara o material did�tico durante uma hora e vai para a sala de aula �s 7h30.

A segunda jornada de trabalho de Darlene come�a �s 11h45, quando ela embarca no �nibus na 040 e vai para a Escola Estadual Henrique Sapori, no Bairro Veneza. Chega �s 12h10 e sai �s 17h35. “Des�o do �nibus em BH por volta das 18h30, no Bairro Cora��o Eucar�stico, e pego outro �nibus para o meu bairro, onde chego �s 19h40”, conta.

Darlene e milhares de outras professoras mineiras se desdobram em at� tr�s empregos para garantir renda melhor. Al�m do estresse da profiss�o, elas sofrem com o desgaste dos deslocamentos. Professora h� 21 anos na escola do Veneza, ela diz que j� se acostumou com a viagem. O �nibus para o Centro de BH sempre chega lotado. Dificilmente, ela consegue um lugar para sentar, mas na sexta-feira teve sorte. O motorista, entretanto, passou apressado pelo quebra-molas e o �nibus jogou os passageiros para cima, despertando quem estava no cochilo.

A professora diz que j� passou por situa��es mais dif�ceis. Quando se separou do marido, em 1995, a filha Dandara tinha 7 anos e o filho Marco, 5. “Uma mo�a ia do Bairro Veneza tomar conta deles l� em casa. Quando ela faltava, eu deixava uma crian�a tomando conta da outra. Muitas vezes, a mais velha telefonava dizendo que o irm�o estava passando mal e eu n�o podia fazer nada. Eu ficava na escola, mas com a cabe�a em casa, preocupada. S� chegava �s 7 da noite”, lembra.

6:10 Após descer no Centro de BH, pega outro coletivo e desce na BR-040(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
6:10 Ap�s descer no Centro de BH, pega outro coletivo e desce na BR-040 (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


Quando chega � 040, Darlene pede prote��o a Deus, mais ainda quando chove. Ela diz ter visto diversos acidentes graves da janela dos �nibus. Uma vez, o pr�prio coletivo em que estava bateu num carro e come�ou a pegar fogo. “Tivemos que descer �s pressas e pegar outro �nibus”, contou.

A professora tamb�m reclama da falta de tempo para a fam�lia. “Em casa, sou a primeira a sair e a �ltima a chegar”, diz, orgulhosa de Dandara, hoje com 25, que na noite anterior se formou em gest�o p�blica e j� trabalha na UFMG. “O ca�ula tem 22, estuda para concurso p�blico e � s�cio do primo numa empresa de tele-entrega de sandu�che”, comenta.

Hipertensa, Darlene mostra a lista de medicamentos que toma: “Na escola, todo mundo usa rem�dio controlado”. Caprichosa, ela mostra seus cadernos com planos de aula, um para cada escola, trabalho que normalmente faz � noite, quando chega em casa, e tamb�m nas folgas de fim de semana.

6:10 Após descer no Centro de BH, pega outro coletivo e desce na BR-040(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
6:10 Ap�s descer no Centro de BH, pega outro coletivo e desce na BR-040 (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)

Tr�s horas no tr�nsito

Em BH, a rotina das professoras � similar � de outras cidades, segundo a diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educa��o da Rede P�blica Municipal (Sind-Rede/BH), Andr�a Carla Ferreira, de 42. Ela � professora de hist�ria no Bairro Dom Silv�rio, na Regi�o Nordeste, e de geografia em uma escola estadual de Vespasiano, na Grande BH. Como os educadores da rede de ensino estadual, ela enfrenta dura jornada no dia a dia. S�o mais de tr�s horas di�rias no tr�nsito, quando n�o h� engarrafamento na MG-010 e na Avenida Cristiano Machado. “Tenho medo de acidentes na estrada, principalmente quando chove e a pista fica escorregadia”, disse.

Andr�a sai �s 6h15 do Bairro Cachoeirinha, na Regi�o Nordeste, e vai de �nibus para o Dom Silv�rio. Depois das aulas, pega carona at� a Cristiano Machado, onde embarca em um �nibus para Vespasiano. “Gasto duas horas s� para ir e voltar de Vespasiano. Para o professor, n�o � vantagem usar o carro, pois ocorre o desgaste do ve�culo, manuten��o e combust�vel. � muito caro”, disse. A professora tamb�m reclama dos gastos com o transporte. “Em BH, recebo o cart�o BHBus. Mas, para Vespasiano, arco com as despesas.”

Durante a semana, Andr�a fica por conta do trabalho e retorna tarde para casa. “Dependendo do dia, ainda trabalho � noite em Vespasiano, mas normalmente saio �s 18h.

Proposta de reajuste est� em tramita��o

A Secretaria de Estado de Educa��o (SEE) informou que em 25 de outubro apresentou projeto de lei � Assembleia Legislativa com proposta de reajuste salarial de 5% para os servidores da educa��o. A progress�o na carreira, que estava prevista para janeiro de 2016, ser� antecipada em dois anos, com 2,5%. O remanejamento de professores � definido no edital dos concursos e o candidato j� escolhe previamente a cidade para onde quer ir. A transfer�ncia � regida por lei espec�fica, segundo a secretaria, que define prazo para solicita��o de remanejamento, disponibilidade de vaga na escola visada e outros crit�rios.

Entre a fam�lia e a sala de aula


Professora da Faculdade de Educa��o da UFMG e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient�fico e Tecnol�gico (CNPq), In�s Teixeira diz que os educadores enfrentam muito mais dificuldades na zona rural. “Ou o professor mora perto da escola, fica l� de segunda a sexta-feira, longe da fam�lia, muitas vezes em condi��es muito prec�rias, ou ele sai de casa todos os dias para ir � escola de v�rias formas, como kombi, motocicleta e bicicleta”, diz.

Em sua pesquisa sobre a rotina de professores, Maria In�s afirma ter encontrado profissionais que iam trabalhar a cavalo. “Em �poca de chuva tem barro. Em �poca de sol, poeira”, afirma a professora., que tamb�m � coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Condi��o e Informa��o Docente (Prodoc), que re�ne pesquisadores da educa��o superior, profissionais de v�rias institui��es universit�rias e redes de educa��o b�sica.

H� duas situa��es que levam o educador a se sacrificar tanto, segundo In�s. Uma � a busca por renda maior, o que leva a pessoa a seguir de uma escola para outra. “No ensino rural ele dobra. Fica ali de manh� e de tarde. No caso das escolas das cidades, eles saem de uma escola para outra, mas pelo menos t�m transporte p�blico. J� encontrei professor que comia marmita no �nibus quando ia de uma escola para outra”, conta.

A grande maioria dos professores � de mulheres, muitas com tripla jornada de trabalho, disse a pesquisadora. “Elas chegam cansadas em casa e t�m que preparar marmita para o dia seguinte. Algumas podem almo�ar na escola ou comer a merenda dos meninos”, disse. Quando t�m filhos, as professoras arrumam algu�m para tomar conta deles e lev�-los � escola, segundo In�s.

A pesquisadora tamb�m lembra o trabalho extraclasse que a profissional leva para casa. “Por tudo isso, o �ndice de adoecimento dos professores � um dos mais altos entre as categorias profissionais”, informou. O professor convive com outros desgastes em sala de aula. Segundo In�s Teixeira, os alunos t�m muitas dificuldades e chegam � escola com problemas familiares e sociais, o que aumenta a exig�ncia sobre o trabalho docente. “� uma profiss�o com alto �ndice de envolvimento humano e emocional. Inclusive, o corpo do professor fica completamente exposto. Ele fica com 45 meninos aqui, mais 35 acol�, e vai pulando de turma em turma e isso aumenta o estresse. Uma hora, est� com uma turma com um perfil e depois est� com outra com perfil totalmente diferente”, disse.

“O professor vira um aconselhador do pai do aluno, um assistente social, e tudo vai cair na m�o dele. Sala de aula � como um espelho da sociedade. O menino n�o est� atento porque �s vezes � um problema na fam�lia. Inclusive, os alunos j� chegam � escola com muita experi�ncia de viol�ncia que aprenderam no mundo l� fora”, conclui In�s Teixeira. No primeiro semestre, segundo ela, foram 125 mil atendimentos periciais e 934 licen�as m�dicas de professores por motivo de sa�de, muitos agravados pelo estresse.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)