Guilherme Paranaiba e Luana Cruz

Ibituruna, no Centro-Oeste de Minas, tem 2.923 habitantes. A vida pacata, t�pica de uma cidade do interior, contrasta com a carnificina di�ria nas estradas e nos centros urbanos. Em 2013, o n�mero de mortes (3.184) no estado foi maior do que a popula��o de Ibituruna, por exemplo. E superou bastante a proje��o feita pelo Estado de Minas em abril, de que 2.178 vidas seriam ceifadas at� o fim do ano se fosse mantida a m�dia de acidentes em todo o estado no primeiro trimestre de 2013. As mortes no tr�nsito s�o quase duas vezes maiores que os 1,7 mil assassinatos registrados na Grande BH entre janeiro e novembro do ano passado. Se a compara��o for estendida � capital, a diferen�a � ainda maior. Cinco vezes mais pessoas morreram no tr�nsito em 2013 em rela��o ao total de homic�dios entre janeiro e novembro. Enquanto o poder p�blico culpa o mau comportamento dos motoristas pelas trag�dias nas estradas, especialistas responsabilizam a imprud�ncia dos condutores, as m�s condi��es das estradas e a fiscaliza��o insuficiente.
Vidas e sonhos perdidos entre ferragens retorcidas, latarias amassadas, vidros estilha�ados e destrui��o generalizada em meio ao asfalto das rodovias e da cidades. Esse foi o destino de pelo menos 3.184 pessoas em Minas Gerais em 2013, segundo levantamento feito pelo Estado de Minas. A mortandade � 46% superior � estimativa feita pelo EM em abril para o ano inteiro baseando-se nos n�meros do primeiro trimestre. E mais preocupante ainda, pois � maior do que a soma dos assassinatos na Grande BH e nas 21 cidades do interior do estado com mais de 100 mil habitantes (2.454 homic�dios entre janeiro e novembro de 2013).
O balan�o considera dados da Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF), da Pol�cia Militar Rodovi�ria (PMRv) e da �rea urbana de 237 munic�pios sob atua��o da Pol�cia Militar. Nesse caso, todos os �bitos ocorreram no local do acidente. Al�m disso, a pesquisa feita pelo EM incluiu quem morreu em acidente de tr�nsito nos hospitais que atendem pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) e n�o � inclu�do nas estat�sticas da pol�cia.
O advogado Carlos Cateb, que participou da elabora��o do C�digo de Tr�nsito Brasileiro (CTB), acredita que quatro fatores s�o respons�veis pelo “cen�rio de guerra”. Ele aponta a imprud�ncia de motoristas, seguida pelas cobran�a pesa das transportadoras sobre motoristas. “Essas companhias cobram metas, o que exige que os caminhoneiros rodem por muitas horas seguidas. Hoje, o caminh�o � uma arma no Brasil. Al�m disso, elas n�o fazem avalia��o correta na hora de escolherem os condutores dos ve�culos pesados”, diz Cateb.
O especialista diz ainda que o poder p�blico se omite e n�o investe devidamente em educa��o para o tr�nsito e n�o faz fiscaliza��o ostensiva: “Parte do que se arrecada com multas e impostos dos ve�culos tem que ser investido na educa��o. Al�m disso, n�o se v�em policiais nas estradas”. Por fim, ele chama a aten��o para a morosidade do Judici�rio para julgar crimes de tr�nsito. “Os processos chegam � Justi�a e morrem, deixando infratores impunes”, completa.
J� na avalia��o do inspetor Aristides J�nior, assessor de comunica��o da PRF em Minas Gerais, a maior causa da carnificina nas estradas e nas cidades � o mau comportamento dos motoristas. O agente garante que s� o investimento em mais equipamentos e policiais n�o resolveria o problema. “A agressividade e o desrespeito �s normas criam um cen�rio em que se torna necess�rio um planejamento maci�o e cotidiano em educa��o de tr�nsito. Nenhuma pol�cia � onipresente e n�o consegue estar em todos os lugares”, afirma. Ele chama a aten��o para o fato de que a conscientiza��o deve ser feita nas escolas tamb�m, pois o motorista do futuro segue o exemplo que v� hoje.
CAMPANHAS EDUCATIVAS
O governo de Minas garante que investe em educa��o para o tr�nsito. Segundo a assessoria de comunica��o, a Pol�cia Militar, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER/MG), o Departamento Estadual de Tr�nsito (Detran) e a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) desenvolvem programas de preven��o de acidentes. Em 2013, o DER fez 465 blitzes educativas. Ainda segundo a assessoria, a Seds mant�m a campanha Sou pela vida, dirijo sem bebida”, que aplica o teste do baf�metro para flagrar motoristas embriagados ao volante. De 14 de julho de 2011 at� 16 de janeiro foram mais de 100 mil testes aplicados, com 1.222 motoristas flagrados acima de 0,34 miligramas de �lcool por litro de sangue, o que significa crime de tr�nsito, e 2.950 infra��es, casos em que o teste aponta entre 0,05 mg/l e 0,34 mg/l.
O diretor do Detran, delegado Oliveira Santiago Maciel, tamb�m responsabiliza o motorista como o principal respons�vel pelos acidentes. Segundo ele, o �rg�o trabalha para reduzir os n�meros. “No ano passado mais de 1,2 mil instrutores de autoescola passaram por reciclagem no Detran, 15 mil motoristas tiveram carteira suspensa e mais de 1 mil inqu�ritos por embriaguez foram abertos”, informou. Ele atribui ao Legislativo estadual o fato de as escolas n�o terem disciplina para ensinar crian�as e adolescentes a agir no tr�nsito. “Existe um projeto tramitando h� dois anos na Assembleia. Os deputados precisam torn�-lo lei”, afirma.
Quem acaba pagando caro s�o os parentes e amigos de v�timas de desastres, caso do corretor de im�veis e pastor evang�lico Edivaldo Corr�a Dur�es, 51 anos, morador do Gama (DF). Ele � irm�o do eletricista e tamb�m pastor Evaldo Corr�a Dur�es, de 39, que perdeu a vida no �ltimo dia de 2013, depois de se envolver em acidente que matou oito pessoas em tr�s ve�culos. Nenhum dos envolvidos sobreviveu � batida no km 112 da BR-040, em Lagoa Grande, no Noroeste do estado. Com Evaldo estavam a mulher e dois filhos. “A dor causada pela falta do meu irm�o vai demorar muito tempo para ser desfeita. Os carros hoje chegam a 200 km/h e nossas estradas s�o as mesmas de 50 anos atr�s. N�o vemos campanhas educativas de grande porte, os condutores fazem o que querem e as grandes cidades est�o abarrotadas de ve�culos”, desabafa Edivaldo.
Estradas n�o protegem motoristas
A maior parte das mortes no tr�nsito ocorre nas estradas. Os n�meros foram puxados pelas rodovias fiscalizadas pela Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF) e tamb�m pelas estradas de menor movimento, aquelas onde a responsabilidade � da Pol�cia Militar Rodovi�ria (PMRv). Juntas, as BRs e as MGs somaram 2.447 �bitos, o que, para especialistas, t�m rela��o direta com as condi��es de infraestrutura vi�ria. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), respons�vel pelas rodovias federais do estado, refuta essa constata��o, argumentando que as BRs mineiras s�o as mais movimentadas do pa�s e t�m recebido aten��o especial do �rg�o em investimentos para melhoria das condi��es de seguran�a. No que diz respeito ao tr�fego urbano, Belo Horizonte os acidenters diminu�ram entre 2012 e 2013, segundo dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds).
O soci�logo e consultor em seguran�a de tr�nsito Eduardo Biavati considera que as estradas est�o defasadas e precisam de muitas interven��es. “As estradas n�o matam sozinhas, mas tamb�m n�o protegem os motoristas”, diz.
Segundo ele, a malha rodovi�ria do Brasil � muito antiga e os gestores das estradas tamb�m s�o respons�veis pela carnificina. “Se pud�ssemos oferecer condi��es rodovi�rias perfeitas, a gente poderia dizer que temos o que h� de melhor e o motorista n�o respeita, mas n�o � isso que acontece”, pontua.
Biavati tamb�m chama a aten��o para o fato de que 466 pessoas morreram entre janeiro e outubro de 2013 nos hospitais que atendem pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) em Minas, v�timas de acidentes de tr�nsito. “Se a pessoa morre depois, no hospital, significa que a les�o � realmente grave. E se � t�o grave ao ponto de causar a morte, podemos dizer que a velocidade no momento da batida tamb�m era alta”, afirma.
Para o superintendente do Dnit em Minas Gerais, �lvaro Campos de Carvalho, a posi��o geogr�fica do estado favorece a maior circula��o de ve�culos e, consequentemente, o maior n�mero de acidentes. Carvalho cita ainda o relevo montanhoso de Minas, que tamb�m favorece as batidas, e afirma que o Dnit est� providenciando melhorias para as rodovias mineiras. “Temos mais de 200 contratos em vigor de manuten��o e restaura��o de rodovias. Toda a malha vi�ria do Dnit em Minas tamb�m j� est� contemplada pelo programa BR Legal, que vai implantar nova sinaliza��o nas estradas e garantir a manuten��o das placas por cinco anos”, diz ele.
BELO HORIZONTE
Enquanto em 2012 a capital mineira registrou 182 mortes em batidas nas ruas e avenidas da cidade, o n�mero caiu 47% no ano passado, quando foram 96 �bitos. Tamb�m acompanharam a redu��o o n�mero de feridos, que diminu�ram mais de 30%, e o de acidentes com v�timas, que recuaram mais de 15%. Em 2013, mais de 65 mil colis�es, capotamentos, atropelamentos e demais ocorr�ncias aconteceram em toda a cidade.
