O pre�o da liberdade � a eterna vigil�ncia. A frase, usada largamente por regimes totalit�rios por �bvios motivos, � creditada ao escritor brit�nico George Orwell, mas h� controv�rsias. Ele teria sido considerado o criador por ser o autor do best seller 1984, onde um poderoso big brother vigia indiscriminadamente seus cidad�os. Trinta anos depois da data em que ocorre a trama – o livro foi escrito na d�cada de 1940 –, parafraseamos Orwell e, com uma ligeira distor��o, podemos dizer que para os turistas deficientes f�sicos o pre�o da liberdade � a eterna cobran�a. Liberdade para viajar e paci�ncia para cobrar equipamentos de acessibilidade (rampas, corrim�os, pisos e banheiros especiais, etc). O Minist�rio do Turismo lan�a em fevereiro mais uma etapa do programa federal Turismo Acess�vel. Para avaliar como anda a acessibilidade na capital minera, fomos � Pampulha, um dos principais atrativos tur�sticos da cidade, acompanhando o cadeirante Gil Porta (foto), que reprovou a Igreja de S�o Francisco de Assis. Para ele, Belo Horizonte contabiliza avan�os (o Mineir�o � um exemplo) mas falta muito a ser feito. E � bom lembrar que todos n�s podemos ser deficientes em algum momento: basta, por exemplo, quebrar uma perna. Saiba tamb�m como foi a emocionante viagem de Elizabeth Dias de S�, cega desde jovem, aos parques da Disney, nos Estados Unidos, no interessante relato de seu sobrinho, Jo�o Lucas S�, de 15 anos.
Gilberto Porta, o Gil, entrou determinado no Mineir�o. Na dire��o de seu Honda Fit adaptado, vinha com um jeit�o de J�rome Valcke, tamb�m conhecido como “JV, o Inclemente”, aquele franc�s, palpiteiro-geral da Fifa, encarregado de fiscalizar os est�dios que v�o sediar os jogos da Copa. Por�m, vinha educado e comedido, numa sexta-feira com manh� de muito sol, pouco antes das 10h. Era o pontap� inicial de um p�riplo pelo conjunto arquitet�nico da Pampulha. A miss�o: testar as condi��es oferecidas �s pessoas portadoras de defici�ncia para fazerem turismo num dos principais cart�es-postais da capital.
No comando da opera��o, Gil, de 51 anos, “mestre especialista” em detectar falhas ou, em muitos casos, observar que n�o h� o que criticar, pelo fato puro e simples de n�o haver instala��o alguma para deficientes. O que, por si s�, constitui motivo de protesto, em se tratando de bens p�blicos ou a servi�o de um p�blico.
Cadeirante h� mais de 25 anos, portanto experiente sabedor da rotina de um deficiente f�sico para a miss�o, Gil era “o cara” para a miss�o proposta pelo EM. A esposa Telma, igualmente deficiente, tem um site dirigido para o p�blico de deficientes, o BH Legal (bhlegal.net). O casal � viajante contumaz, portanto useiro e vezeiro de instala��es para turistas como eles (confira uma lista de blogs voltados para este p�blico na p�gina 7).
O destino a ser conferido se justifica: a proximidade da Copa do Mundo de Futebol Fifa, que tem Belo Horizonte como uma das sedes e o Mineir�o e a Pampulha como pano de fundo. Tocante tamb�m o fato de que em fevereiro, o Minist�rio do Turismo (MTur) lan�a mais uma etapa do programa Turismo Acess�vel (veja nesta mat�ria). Que, como o nome aponta, pretende tornar a vida do viajante com defici�ncia f�sica mais suave, menos laboriosa, dotando as atra��es de equipamentos de acessibilidade.

Diferentemente de JV, o Inclemente, Gil manteve a fleuma ao entrar no hall principal do Mineir�o. De-se por satisfeito com as instala��es do estacionamento – s�o 52 vagas para deficientes e 73 para idosos, num universo de 2.169 abertas para o p�blico –, as indica��es por placas e a carreira de piso podot�til (aquele que tem ranhuras e relevos para que, com o toque da bengala, o deficiente visual se oriente) e a catraca pr�pria. Disparou, por�m: “Este carpete que colocaram no ch�o faz a cadeira de rodas agarrar. Se fosse liso, seria melhor.”
Por quest�es de seguran�a, de acordo com a assessoria de imprensa da Minas Arena (que administra o Mineir�o), as instala��es para deficientes s�o oferecidas somente no anel inferior do est�dio. O local na arquibancada para a coloca��o da cadeira de rodas, bem como rampas de acesso e corrim�os mereceram a aprova��o do cadeirante. No banheiro especial (38 ao todo), a coloca��o de pe�as como pia, espelho, corrim�os e o vaso sanit�rio foram tamb�m aprovados. Somente o modelo do vaso sanit�rio, aquele com uma abertura na ponta, foi reprovado, “porque � desconfort�vel e pouco pr�tico.”
E os espa�os dos camarotes n�o oferecem instala��es para deficientes, fato que, obviamente, n�o passou despercebido. De acordo com a Minas Arena, o est�dio tem, al�m de espa�os para cadeiras de rodas, 622 assentos especiais para idosos, gr�vidas, obesos e crian�as de colo.
E a�, Gil? Numa escala de um a 10, qual a nota do Mineir�o? “Eu daria um 10. Se bem que os camarotes deixam a desejar. Talvez um nove. Bom acho que oito t� bom. Isso � igual hotel, voc� nunca pode dar 10 que eles param no tempo. Mas d� para dizer que o Mineir�o est� aprovado”, afirmou. Ent�o, “bora l�” para a Igrejinha da Pampulha.

Valei-me, S�o Francisco!
Em mat�ria de acessibilidade, a Igreja de S�o Francisco, que tamb�m atende pelo nome de Igrejinha da Pampulha, est� a anos-luz de qualquer avan�o. Nem mesmo uma simples rampa para cadeira de rodas existe no entorno do templo. Corrim�os, pisos pod�teis e placas em braile ent�o, nem pensar. Para piorar a situa��o, por exemplo, dos cadeirantes, parte da pista em frente � igreja foi transformada em ciclovia, o que impede o estacionamento de carros. Resta ao cadeirante estacionar nas proximidades do Parque Guanabara e se deslocar por cerca de 200 metros at� l�. Mesmo esse deslocamento � sofr�vel, j� que o piso � totalmente irregular.
Nota zero para a igrejinha, que tamb�m n�o anda muito bem em mat�ria de conserva��o, necessitando urgente de reformas, conforme noticiou o EM semana passada. Inclusive para acabar com goteiras no teto, que se transformam num inferno (com perd�o do sacril�gio), quando chove mais forte. A assessoria da Arquidiocese de Belo Horizonte, respons�vel pela igrejinha, informou que um projeto de recupera��o do templo e a instala��o de equipamentos de acessibilidade est� a cargo da Prefeitura de Belo Horizonte, por�m n�o h� previs�o para execu��o das obras. O Museu de Arte da Pampulha est� em bom estado de conserva��o, mas segue os passos da igrejinha e n�o oferece nenhum equipamento de acessibilidade.
Funda��o Zoobot�nica
O Aqu�rio, dentro do zool�gico de BH, foi outro ponto testado. No estacionamento n�o h� pista para cadeiras de rodas e o piso � de cascalho. Mas h� rampas para acesso e dentro do espa�o. No mais, as instala��es foram parcialmente aprovadas: h� pisos podot�teis, informa��es em braile, os bebedouros est�o na altura ideal, etc., etc. Por�m, Gil avalia que o banheiro tem algumas falhas, como papeleira e toalheira mal colocadas e falta de puxador interno nas portas. O Aqu�rio tirou nota quatro. H� um projeto da Prefeitura de Belo Horizonte em plena execu��o a fim de melhorar a acessibilidade para deficientes dentro de todo o zool�gico.
Em que pese o fato de que muitas das instala��es para deficientes no Brasil, turistas ou n�o, caminham a passos lentos – isso quando existem –, Gil considera que muito coisa melhorou. E Belo Horizonte � exemplo. “� uma cidade de relevo acentuado, o que dificulta a locomo��o. Mas desde que me mudei para c�, em 2000 (quando veio morar com Telma, vindo de S�o Paulo), tenho visto que muita coisa melhorou. Mas ainda tem que melhorar muito”, afirma.
Para ele e Telma, uma cidade modelo no Brasil � Socorro (SP), a 138 quil�metros da capital paulista, e polo de esportes de aventura. “Socorro � nota 10. A cidade � toda preparada, fruto de parceria do poder p�blico com os empres�rios. O deficiente pode praticar inclusive esportes de aventura, pois h� adapta��es para tudo”, afirmou.