
Sob o impacto de mais uma vida perdida nas ruas de Belo Horizonte relacionada � associa��o entre �lcool e dire��o, fam�lias das v�timas veem cada vez mais distante a perspectiva de puni��o rigorosa para os respons�veis. Com a morte do motorista Leandro Trindade do Nascimento, de 29 anos, atropelado na madrugada de s�bado pelo estudante de economia Germano Pinheiro Stein Pena, de 22 anos, chega a 13, nos �ltimos quatro anos, o n�mero de condutores autuados por homic�dio com dolo eventual no tr�nsito da capital. Nenhum deles est� preso, nem mesmo Germano, que permaneceu menos de 48 horas no Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) da Gameleira antes de ser liberado por decis�o judicial. E o principal argumento da pol�cia e de promotores para tentar a condena��o mais pesada nesses casos, considerando que os acusados assumiram o risco de matar, vem sendo reiteradamente rejeitado no estado.
O coordenador de Opera��es Especiais do Departamento Estadual de Tr�nsito (Detran), delegado Ramon Sandoli, afirma que as 13 autua��es se referem a crimes diversos, como embriaguez e dire��o perigosa. Germano foi enquadrado com base na primeira infra��o. Ele teria admitido a policiais a ingest�o de bebida alco�lica, embora tenha se recusado a fazer o teste do baf�metro.
A morte ocorreu na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Estoril, Oeste de BH. Detido, Germano Stein Pena foi solto domingo � noite, por decis�o do juiz Guilherme Queiroz Lacerda, titular do 1º Tribunal do J�ri do F�rum Lafayette. Leandro, que trabalhava como entregador de p�es pela manh� e em uma ag�ncia credenciada dos Correios � tarde, fazia a segunda entrega do dia. A soltura do condutor surpreendeu at� o delegado. “Foi a Justi�a, n�o fui eu. Eu n�o permiti nem fian�a”, disse.
A mesma avenida foi cen�rio de outro crime ainda sem puni��o. Gustavo Henrique de Oliveira Bittencourt estava alcoolizado e dirigia na contram�o, em fevereiro de 2008, quando atingiu o carro do empres�rio Fernando F�lix Paganelli, ent�o com 49, que morreu na hora. Ele foi denunciado por homic�dio doloso, mas o Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) entendeu tratar-se caso culposo. O Minist�rio P�blico recorreu e a quest�o tramita no Superior Tribunal de Justi�a.
O presidente da Comiss�o Especial contra a Viol�ncia no Tr�nsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Miguel Marques, explica que decis�es desse tipo t�m sido tomadas com base em um entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fucks, que em 2011 concedeu habeas corpus rejeitando a tese de dolo eventual em crime de tr�nsito. “Ele entendeu que, para ser considerado crime com dolo, o motorista tem que ingerir bebida alco�lica com a inten��o de produzir o resultado. � como dizer que o acusado bebeu com a inten��o de matar algu�m, quando, na verdade, ele bebeu e pegou o carro para voltar para casa”, diz.
Por isso, segundo o advogado, defensores t�m conseguido em inst�ncias inferiores usar o precedente para defender a tese de homic�dio culposo, com pena de quatro anos de pris�o. “Nesse caso, o acusado consegue, de fato, uma pena restritiva de direito, como presta��o de servi�os”, afirma.

Miguel Marques acredita que a decis�o do STF tem aberto v�rios precedentes. “V�rios tribunais v�o conceder habeas corpus com base nisso, o que � revoltante para as fam�lias das v�timas”, ressalta. No caso de Germano Stein, ele acredita que esse tenha sido o argumento para o relaxamento da pris�o: “O delegado n�o concede fian�a, mas o advogado pede ao juiz ou �s inst�ncias superiores”. O teor da decis�o que liberou o condutor n�o foi divulgado pela assessoria do F�rum Lafayette, sob o argumento de que o processo ainda est� nas m�os do juiz.
REVOLTA A fam�lia de Leandro est� revoltada com a soltura do motorista. Para a irm�, a estudante Ivana Trindade, de 25, a impress�o que fica � de impunidade. “Todos n�s estamos indignados, porque no Brasil basta a pessoa ter dinheiro que pode beber, entrar em um carro, dirigir em alta velocidade, matar algu�m e ainda ficar em liberdade. A lei n�o funciona”, afirma. Segundo ela, no dia em que o condutor foi detido, a fam�lia chegou a pensar que ele ficaria realmente preso. “Agora tivemos a certeza de que n�o tem puni��o.”
Ivana contou que o patr�o de Leandro entrou em contato para dizer que parentes de Germano querem conversar com os familiares da v�tima. “Falaram que n�o querem confus�o e que v�o ajudar a gente no que for preciso. Acredito que devem oferecer dinheiro. Vamos conversar, mas n�s queremos justi�a, porque a morte do meu irm�o n�o foi um acidente, foi um assassinato.”
Motos ficam no dep�sito
A agilidade com que a defesa do estudante de economia Germano Pinheiro Stein Pena conseguiu sua libera��o n�o ocorreu no caso de dezenas de motociclistas que passaram o dia ontem na porta do Departamento Estadual de Tr�nsito (Detran) tentando liberar motos apreendidas durante um encontro em Belo Horizonte. Cerca de 300 pessoas participaram do evento, marcado pelas redes sociais, com o intuito de percorrer v�rios bairros de Belo Horizonte. Quando chegou ao Centro, o grupo foi abordado em uma blitz da Pol�cia Militar. Ao todo, 38 ve�culos foram apreendidos, entre eles uma motocicleta roubada, de acordo com o coordenador de Opera��es Especiais do Detran, Ramon Sandoli. Seis estavam em situa��o regular e foram entregues aos donos. Outras 31 continuavam retidas at� a tarde de ontem.
O delegado informou que a participa��o de cada envolvido est� sendo analisada e que motociclistas podem responder por crimes como dire��o perigosa e falta de habilita��o. Eles pagaram multa de R$ 197 e ter�o que arcar com o custo do reboque e da di�ria do p�tio do Detran. As motos ficar�o apreendidas entre 10 e 20 dias. A Pol�cia Civil promete pedir � PM imagens de c�meras do Olho Vivo para identificar outros participantes.
Os motoboys dizem que o encontro ocorre h� meses. “Foi marcado um passeio de motociclistas. Era um encontro, n�o o rolezinho, que vem sendo associado a crimes. O pessoal ia parar para tomar um lanche e bater papo”, conta o mec�nico e motoboy Bruno Sousa, de 29 anos. O tamb�m motoboy Dijon Ricardo de Oliveira, de 29, confirmou que alguns motoqueiros andavam em alta velocidade e at� na contram�o. “N�s, que paramos, est�vamos certos. Achamos que fosse uma blitz normal, mas a pol�cia mandou todo mundo deitar no ch�o, ningu�m nos ouviu. Quem estava errado fugiu, n�o est� aqui hoje.”
O que diz a lei
O C�digo Penal trata como homic�dio doloso os casos em que o respons�vel tem a inten��o de matar. O crime � hediondo e o artigo 121 prev� pena de seis a 20 anos de pris�o. H� situa��es em que se aplica o chamado dolo eventual, quando o acusado n�o quer cometer o crime, mas assume o risco de provoc�-lo. Nos casos de tr�nsito, por exemplo, uma corrente do direito defende que agravantes como a embriaguez e a alta velocidade podem ser caracterizados dessa forma. Os tribunais que acompanham esse entendimento aplicam a mesma pena do homic�dio doloso. J� o homic�dio culposo trata da neglig�ncia, imprud�ncia e imper�cia, mas pressup�e que o agente n�o tem a inten��o de cometer o crime. A pena, nesses casos � menor.