Menina de 10 anos, que cantava �pera em ferro velho, ganha vaga em coral

Como se fosse o coelho branco do Pa�s das Maravilhas, a m�sica conduziu Natasha Oliveira Silva, de 10 anos, a um universo de sensa��es e descobertas. A exemplo da personagem Alice, do escritor Lewis Carroll, a menina, natural de Santa Luzia, na Grande BH, adentrou um mundo desconhecido, que povoava os seus sonhos, mas que estava longe da realidade. O amor pelo canto l�rico, despertado em meio a um ferro-velho, a levou ao Pal�cio das Artes, no Centro da capital. E foi no Grande Teatro que ela partiu para uma viagem no tempo at� a Paris de 1850, eternizada por Giuseppe Verdi na �pera Rigoletto. Entre tantas novidades, a pequena agigantou-se. Apesar do corpo franzino e aparentemente fr�gil, soltou a voz em audi��o conduzida pela maestrina Lara Tanaka. Autodidata e ainda sem saber ler partituras, a menina foi aprovada e convidada a integrar o coral l�rico infanto-juvenil da Funda��o Cl�vis Salgado, que sempre busca talentos para lapidar.

Quando as cortinas vermelhas se abriram, os olhos de Natasha se fixaram no Duque de M�ntua, que tramava conquistar Gilda. Quem deu vida � musa foi a soprano Gabriella Pace, que dedicou o espet�culo � menina espectadora. Horas antes, no camarim, os pap�is estavam invertidos: Gabriella e o bar�tono italiano Deivid Cecconi  ouviam a pequena not�vel, descoberta pelo Estado de Minas no com�rcio de sucatas. “Bravo, bravo!”, disse Deivid. O cantor, que impressiona pela voz grave e pelo porte, n�o resistiu e pegou a menina no colo para um longo abra�o. “Quando ele fala brav�ssimo quis dizer que voc� � muito, muito boa. Quando eu entrar no palco, vou cantar para voc�”, disse Gabriela a Natasha.

Reservada, mas nem um pouco t�mida, a menina de Santa Luzia mostrou-se curiosa: fez perguntas, mas respondeu muito mais. Os funcion�rios da funda��o queriam conhec�-la e, mais do que isso, desejavam ouvi-la cantando. Do �ltimo s�bado, quando a reportagem e o v�deo contando a hist�ria de Natasha foram publicados, a vida dela passou por uma reviravolta digna de hist�rias encantadas. A menina que, em meio aos descartes, apaixonou-se pelo canto l�rico assistiu pela primeira vez a uma �pera. “Quando lemos a reportagem, foi uma como��o geral. Decidimos realizar o sonho dela”, afirmou Fernanda Machado, presidente da Funda��o Cl�vis Salgado.

Tudo era novo e superlativo para Natasha, inclusive o tamanho da cadeira de onde assistiu ao espet�culo. De tempos em tempos, sussurrava as impress�es no ouvido da m�e, Renata Rejane de Oliveira, de 28, que a acompanhou. “� a paix�o dela. Come�ou a cantar em um projeto da Prefeitura de Santa Luzia e quer�amos encontrar outras oportunidades”, disse a m�e, que tamb�m nunca havia ido ao Pal�cio das Artes. No repert�rio da pequena not�vel, m�sicas do cancioneiro brasileiro, mas tamb�m m�sicas em espanhol e ingl�s.

Acompanhada da m�e e da av�, a menina chegou duas horas antes para conhecer o centro art�stico. “Ouvi falar daqui uma �nica vez. Uma amiga me disse que aqui era muito grande, tipo um pal�cio. Mas ela nunca veio”, contou Natasha. E ela p�de conhecer cada cantinho. Subiu no palco, visitou os bastidores e foi ao camarim conversar com o elenco de Rigoletto. Com o aproximar do espet�culo, a expectativa era tamanha que a menina n�o queria nem mesmo lanchar. Ela parecia tentar entender o que estava ocorrendo. De repente, estava imersa no universo da m�sica, dos grandes espet�culos, lugares que ela conhecia somente por meio da internet. A visita potencializa o sonho de se tornar uma cantora e brilhar. “J� me imaginei no palco. Na hora, vou ficar com vergonha, mas vai dar certo.”



EMO��O O ponto alto da visita foi o encontro com os solistas da �pera e cantar para eles “Ela � maravilhosa, fant�stica. Estou emocionado. O canto n�o � s� voz, � o que tem dentro. Quando temos dentro de n�s uma grande pessoa, a voz � um reflexo ainda maior. Voc� nos deu de presente algo muito bonito”, disse Deivid para a menina. A funda��o reconheceu em Natasha um talento que precisa ser lapidado. Ela poder� estudar canto no coral. “� nosso dever fomentar o conhecimento e o gosto art�stico. Como � bom encontrar essa menina em Santa Luzia.” No entanto, para frequentar as aulas, ter� que mudar de hor�rio e at� mesmo de escola. Incentivadora da filha, Renata disse que far� o necess�rio para que ela possa desenvolver o dom.

No final do primeiro ato, a secret�ria de cultura Eliane Parreiras foi ao encontro de Natasha para conhec�-la. “Quando vi o v�deo, fiquei encantada. � o poder transformador da arte. Sem forma��o dentro de casa, ela foi buscar o canto l�rico”, disse. No intervalo do segundo para o terceiro ato, a menina custava a acreditar no que estava ocorrendo. “Um dia depois da publica��o da mat�ria, eu pensava se tudo era mesmo verdade”, lembra.

Mesmo n�o habituada a ficar acordada at� t�o tarde da noite, Natasha n�o fechou os olhos em nenhum momento. “�s 21h30, todo mundo l� em casa est� dormindo. Nunca fico acordada at� essa hora.” A �pera teve in�cio �s 20h e se estendeu at� as 23h. Ela se impressionou com o p�blico, que lotou o teatro para a �ltima r�cita da montagem de Rigoletto.

No segundo ato, a expectativa era grande para saber o desfecho do enredo que envolve o personagem Rigoletto, a filha Gilda e o duque de M�ntua. Tamb�m ficou encantada como a hist�ria pode ser toda cantada. “Foi muito bom. Vou indicar o Pal�cio das Artes para outras pessoas”, disse. Ao terminar o espet�culo, a menina cantarolava uma das �rias mais famosas de todos os tempos, La donna � mobile.