
Uma caminhada simb�lica no belo cen�rio da Pra�a da Liberdade, ontem pela manh�, marcou a abertura do per�odo de inscri��es para o apadrinhamento afetivo de crian�as e adolescentes que vivem em abrigos de Belo Horizonte, Sete Lagoas e Ibirit�. O programa Com Viver � realizado pelo Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) h� 14 anos e, inicialmente, busca fam�lias que estejam dispostas a apadrinhar crian�as e adolescentes no per�odo das festas de fim de ano. A grande maioria, no entanto, acaba se tornando padrinhos e/ou madrinhas no decorrer de todo o ano seguinte (ou por mais tempo), mantendo contato com as crian�as e adolescentes em fins de semana e em outros per�odos de festas.
O engenheiro civil Evaristo Alves Belo, um dos candidatos a padrinho, acompanhava a caminhada ontem. Casado, ele conta que j� faz trabalho de voluntariado, mas, como n�o tem filhos, surgiu a vontade de apadrinhar uma crian�a, e n�o apenas no per�odo do Natal, mas de maneira permanente. “Digamos que agora estou plantando, mas depois quero colher os frutos”, garante. Para isso, Evaristo deve seguir alguns passos, como fazer um cadastro, passar por uma entrevista e assistir a uma palestra. Tra�ado seu perfil, ser� cruzado com o das crian�as e adolescentes para a defini��o do afilhado(a).
EXPERI�NCIA Podem ser apadrinhados crian�as e adolescentes com idade entre 4 anos e 18 anos incompletos. E, normalmente, � a entrevista que define a escolha, e n�o o candidato. “Para muitos, � uma dificuldade, mas falo que apadrinhar um adolescente � tamb�m uma experi�ncia encantadora. Trabalhamos a universalidade”, afirma Ananias Neves, com a experi�ncia de quem foi presidente da antiga Funda��o Estadual do Bem Estar do Menor (Febem) por cerca de um ano, no in�cio da d�cada de 1980. “Trabalhava na Assembleia Legislativa. Da noite para o dia, me disseram que eu ia para a Febem. Foi uma preocupa��o grande, mas a melhor experi�ncia da minha vida”, conta. “Passei a conhecer e a compreender a vida do ser humano que nasce do zero. E muitos superam. � a for�a da vida”, conclui.
Em Belo Horizonte, existem, segundo Ananias, cerca de 30 abrigos, distribu�dos em 60 unidades de atendimento. Ibirit� e Sete Lagoas t�m dois cada. Como a sazonalidade entre os abrigados que chegam e retornam �s fam�lias � grande, Ananias afirma que n�o � poss�vel precisar o n�mero exato de crian�as e adolescentes que vivem sob a cust�dia da Justi�a neste momento. Em seu c�lculo, s�o entre 700 e 800. Para esta nova temporada de inscri��es, ele espera que pelo menos a metade ganhe um padrinho ou madrinha.
SERVI�O As inscri��es para o apadrinhamento foram abertas ontem e v�o at� o dia 20. Podem se candidatar maiores de 18 anos, casados ou solteiros. Quem for casado, deve apresentar um documento que comprove a aceita��o do c�njuge ao programa. Al�m disso, s�o necess�rias fotoc�pias da carteira de identidade, CPF e do comprovante de resid�ncia, al�m de um atestado de bons antecedentes. Entre as caracter�sticas principais, os padrinhos devem ter disponibilidade de tempo, capacidade de acolher, dar carinho e ser paciente. O cadastro pode ser feito na sede do Cevam, que funciona na Rua dos Goitacazes, 71, sala 1.407. Telefone: (31) 3224-1022.

“Esse desenho � pra voc�. N�o joga fora, heim?”, afirma, com do�ura, K.V., de 7 anos, que logo se familiariza com a reportagem. N�o foram necess�rios mais que cinco minutos para romper a timidez t�pica da idade e perceber em K. uma menina alegre e cheia de vida. Ela � afilhada da empres�ria Sayonara Magalh�es Leonel Barcelos h� cerca de quatro meses. Sayonara conta que os tr�s filhos j� est�o adultos e morando fora, o que a fez sentir necessidade de “encher a casa” novamente. Ela procurou o Cevam, passou pelo processo de sele��o e, a cada 15 dias, nos fins de semana, leva K.V. para sua casa. “Meu marido ficou um pouco resistente no come�o, mas quando chegamos ao abrigo pela primeira vez e ela j� sabia que receberia os padrinhos, veio direto nele. Hoje, fico aflita esperando o fim de semana de peg�-la. Onde tem crian�a, tem vida”, ressalta Sayonara.

LI��O M�e de tr�s filhos j� adultos, um deles com autismo, a artista pl�stica Dulce Couto tomou a decis�o de apadrinhar B., de 15, tamb�m com defici�ncia. “Trabalhava no abrigo como volunt�ria, quando a conheci. Fiquei pensando se deveria apadrinh�-la, e que poderia ser um trabalho a mais. Na realidade n�o � trabalho, � um prazer, um aprendizado a mais. Uma coisa fortalece a outra”, afirma Dulce. Experiente no trabalho com adolescentes – Dulce � tamb�m arteterapeuta – e de inclus�o social, a luta da artista, agora como madrinha, � de conseguir a integra��o de B. � fam�lia biol�gica. “E mesmo depois, nunca deixarei de ser a madrinha dela. Deus colocou na minha vida a grande oportunidade de fazer alguma coisa pelos outros”, completa.
Depoimento
Ana Carolina Caldeira, de Mendon�a, advogada
“Em 23 de dezembro do ano passado, logo depois de sermos informados sobre a libera��o da credencial de apadrinhamento, eu e meu marido, Cassius Silveira, fomos ao abrigo conhecer nossa afilhada B., na �poca com 8 anos. A ideia era ela ficar conosco do Natal ao ano-novo, mas a experi�ncia foi t�o boa, que, com a concord�ncia dela, decidimos apadrinh�-la permanentemente. Hoje, est� inserida na nossa ‘fam�lia ampliada’ e no nosso c�rculo de amigos. Convive e interage com todos, na medida em que d� conta. Mas sei, por tudo que j� constru�mos at� agora, que ela est� bem e feliz. Os relatos da escola e do pr�prio abrigo s�o muito positivos: ela se soltou mais, se desenvolveu e se permitiu ser feliz. Ao nosso ver, o apadrinhamento apresentou a ela um mundo novo: conheceu a praia, andou de avi�o, provou comidas diferentes, foi a um casamento pela primeira vez, ao teatro, cinema, aprendeu a usar o tablet melhor do que os padrinhos. Mas o importante � que recebeu carinho e passou a acreditar em si mesma. Hoje, nossa rotina � a de uma fam�lia comum. Ela nos ensina muitas coisas: lidar com suas emo��es, entender seu mundo, ser tolerante, respeitar o tempo dela, que � diferente do nosso, respeit�-la como sujeito. Quando nos inscrevemos, informei que o motivo era doa��o. Hoje, recebo mais que doo. Muitas pessoas dizem que n�o apadrinham porque n�o podem adotar. Isso n�o pode ser empecilho, pois esse n�o � o objetivo. Apadrinhar � um ato de amor, que faz muita diferen�a na vida da crian�a. E na nossa tamb�m...”