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Estado de Minas

Adolescentes infratores buscam mudar de vida com viv�ncias compartilhadas

Eles s�o orientadores volunt�rios atuam como conselheiros de adolescentes infratores. Em Belo Horizonte, 850 menores cumprem medida de liberdade assistida


postado em 03/02/2015 06:00 / atualizado em 03/02/2015 07:27

Sandra Kiefer


Sentados no meio-fio do canteiro que separa a Biblioteca P�blica Estadual Luiz de Be�a do complexo de museus da Pra�a da Liberdade, ocorre um di�logo improv�vel entre um intelectual aposentado e um adolescente em conflito com a lei. Augusto Borges tem 62 anos e Jo�o (nome fict�cio), apenas 15. Quarenta e sete anos � a menor diferen�a entre eles. Augusto � engenheiro, enquanto Jo�o abandonou os estudos. Augusto mora em bairro nobre e Jo�o, no Acaba Mundo.

– Jo�o, voc� sabe que esses pr�dios ao nosso redor s�o p�blicos? Se quiser, voc� pode meter o p� l� dentro e entrar… Voc� diz que gosta muito de vir aqui na Pra�a da Liberdade, n�o �?

– Verdade. Venho muito aqui para ficar andando fora da vila, longe da confus�o. Mas nunca entrei nesses pr�dios n�o...

– Sei que voc� tem medo do guarda chegar e dizer: “� moleque, o que voc� est� querendo aqui?” Se isso acontecer, voc� diz que ‘precisa ir ao banheiro’ ou que ‘s� vai entrar e olhar’, ok?

Augusto Borges, voluntário, tenta convencer João (nome fictício) a entrar em um museu na Praça da Liberdade, e consegue. Lá dentro, o engenheiro aposentado e o adolescente fazem novas descobertas. (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Augusto Borges, volunt�rio, tenta convencer Jo�o (nome fict�cio) a entrar em um museu na Pra�a da Liberdade, e consegue. L� dentro, o engenheiro aposentado e o adolescente fazem novas descobertas. (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)


Na saída e a caminho do ponto de ônibus, o morador da Vila Acaba Mundo e seu orientador refletem sobre o que viram e esperam pelo novo encontro: 'O Augusto me ensinou o que é arte e o que não é', diz o menor (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Na sa�da e a caminho do ponto de �nibus, o morador da Vila Acaba Mundo e seu orientador refletem sobre o que viram e esperam pelo novo encontro: 'O Augusto me ensinou o que � arte e o que n�o �', diz o menor (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)


O bate-papo entre o adolescente infrator e o adulto de classe m�dia alta, com a troca de experi�ncias e de culturas t�o diversas, � poss�vel gra�as � retomada do projeto de orientadores sociais da Secretaria Adjunta de Assist�ncia Social da Prefeitura de Belo Horizonte. O grupo ainda pequeno, com 50 volunt�rios inscritos, se esfor�a para atender os 850 adolescentes que cumprem atualmente medida de liberdade assistida em Belo Horizonte. Eles dedicam duas horas por semana para interagir com os adolescentes nos espa�os da cidade, como museus, pra�as, parques e shoppings. “O Augusto � que me ensinou o que � arte e o que n�o � arte”, explica Jo�o, que finalmente toma coragem para entrar no museu, pela primeira vez na vida.

Depois de meia hora de introdu��o e cinco encontros marcados, com a aus�ncia de Jo�o em dois deles, o adolescente decide romper a barreira do medo. Algo o impedia de subir as escadas do Memorial da Vale e visitar as exposi��es interativas, que atraem milhares de visitantes ao local toda semana. Com chinelos de dedo, bermuda e camisa de malha, ele d� o primeiro passo. Ressabiado, transp�e o umbral da porta amparado pela presen�a do orientador, que serve de apoio moral ao jovem. “Sabe o que fiz da �ltima vez em que um guarda me chamou de moleque? Enchi ele de porrada”, afirma o rapaz, mantendo o olhar desafiador, como qualquer adolescente. “Tenho um irm�o advogado que vive me lembrando que, em vez de dar porrada, o homem � dotado da capacidade da fala”, disse Augusto. “L� na vila n�o tem disso n�o”, responde Jo�o.

Neste momento, a sabedoria precoce de Jo�o se sobrep�e a de Augusto, que permanece quieto, ouvindo. O orientador � estudado, mas desconhece as regras da vila, que Jo�o aprendeu desde que come�ou a engatinhar. � respeitado como pe�a importante do tr�fico. Seu rosto muda quando pisa no tapete vermelho do museu. Ele presta aten��o em todas as cenas e faz quest�o de tocar em tudo. “Vivemos em dois mundos distintos, apesar de o endere�o ser t�o perto. Minha ideia � tentar mostrar ao Jo�o como as coisas funcionam do lado de c�. � como diz a letra da m�sica: ‘Se o malandro soubesse como � bom ser honesto, seria honesto s� por malandragem’”, compara Augusto.

SONHO DA GIRAFA Jo�o permanece calado a maior parte do tempo. S� sabe falar sobre a vila. � dif�cil perceber se ele realmente est� digerindo as palavras de Augusto. O orientador chega a ficar ansioso, embora esse seja ainda o primeiro m�s de conviv�ncia. A dupla ainda tem alguns meses pela frente para caminhar, assim como fez Francisco Carlos de Oliveira, de 50 anos. “Meu �ndice de recupera��o dos garotos � de 95%. S� ‘perdi’ um at� hoje. Ele estava encerrando a medida, voltou a estudar e se preparava para tirar a carteira de motorista. Neste ponto, foi morto por bandidos. Muitos n�o permitem que os jovens saiam do tr�fico”.

Pai de cinco filhos homens, o pastor evang�lico come�ou a atuar como orientador h� sete anos, como forma de aprender a lidar melhor com os jovens. “Os infratores n�o s�o esses monstros que as pessoas pintam. Outro que ajudei era influente no esquema do tr�fico. Aos poucos, descobri que ele tinha muita vontade de ir ao zool�gico e conhecer a girafa. A fam�lia nunca o tinha levado. O garoto s� precisava se reencontrar e passar a levar uma vida normal”, acredita Francisco Oliveira, que j� orientou 11 adolescentes em conflito com a lei.

SERVI�O


COMO PARTICIPAR

Para ser volunt�rio, � preciso ter acima de 21 anos, disponibilidade para encontros semanais e residir em BH. Mais informa��es na Ger�ncia de Coordena��o de Medidas S�cio-educativas da PBH: (31) 3277-4420.


Preconceito desconstru�do

“Esse projeto salva vidas. Ele n�o pode morrer.” Com este apelo, o jovem Jonhatan Mangabeira, de 25 anos, volta � cena depois de ter sido recuperado, aos 15 anos. Tornou-se um homem casado, escritor de tr�s livros, �ntegro. Adolescente, chegou a morar dois anos nas ruas, dormindo embaixo de marquises e cometendo pequenos delitos. Provavelmente, estaria nesta vida errante at� hoje se n�o fosse pelo empenho do orientador Lindeberg Calixto, de 45.

Embora atribua todo o sucesso ao jovem, Lindeberg teve participa��o determinante na decis�o de Jonhatan voltar para a casa, no dia do anivers�rio da m�e dele. At� hoje, o rapaz se emociona ao lembrar da cara que a m�e fez: “Quando me viu chegar, no alto da escada, abriu os bra�os para mim e come�ou a chorar”. Antes disso, foram necess�rias longas horas de conversa at� formar o convencimento do adolescente, que vivia livre nas ruas. Ele imaginava tomar um banho de fonte e voltar para casa, mas n�o lembrava mais do endere�o onde morava, nem tinha dinheiro para tomar �nibus.

Lindeberg levou o menino, primeiro, para tomar um banho de cerca de duas horas no banheiro da rodovi�ria. Em seguida, eles precisaram comprar chinelos de dedo e roupas novas. Seguiram para o shopping popular das imedia��es e vasculharam at� encontrar um estande que aceitasse cart�o. Depois, o orientador recuperou o endere�o do jovem na ficha de inscri��o, localizou o �nibus e o levou pelas m�os at� o local, servindo de apoio para que ele n�o desanimasse. “Tivemos altos e baixos durante o processo. N�o foi f�cil. Encontrei jovens talentos, mas o Jonhatan � hour concour”, elogia.

MUDAN�AS “J� fui orientadora social. Acredito muito na medida socioeducativa como forma de desconstruir o preconceito em rela��o aos adolescentes, de desmistificar a ideia das pessoas de que os meninos s�o perigosos”, afirma Carolina Flecha, t�cnica de refer�ncia do Servi�o de Prote��o Social ao Adolescente em Cumprimento de Medida S�cio-educativa de Liberdade Assistida e Presta��o de Servi�os � Comunidade. Cabe � prefeitura executar a medida da liberdade assistida e ao estado se responsabilizar por aqueles privados de liberdade.

Segundo a coordena��o, os pr�prios jovens ficam surpresos ao ser informados que h� pessoas interessadas em doar o tempo para eles, sem receber nada em troca. “Uma pequena janela que se abre promove uma mudan�a para sempre na vida de uma pessoa. � algu�m que aposta no adolescente, quando at� a fam�lia deixou de acreditar. As pessoas ficam indignadas com a banaliza��o da viol�ncia e passam a se trancar cada vez mais dentro de casa. Ser� que este � o melhor meio de se sentir seguras”, provoca M�rcia Passeado, analista de pol�ticas p�blicas da Secretaria Municipal Adjunta de Assist�ncia Social e gerente do programa. (SK)


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