
Muitas mulheres preferem ser chamadas de femininas em vez de feministas. No entanto, depois de um per�odo em que se pensou que elas j� haviam conquistado todos os direitos, o movimento que reivindica a igualdade entre homens e mulheres toma for�a novamente e ganha adeptas, principalmente mais jovens. Termos como empoderamento, emancipa��o, patriarcado (leia ao lado) passaram a ser discutidos por muitas delas, que fazem um combate di�rio ao machismo e se orgulham de serem chamadas de feministas. Esses conceitos passam a ser mais bem compreendidos � medida em que elas, e tamb�m eles, percebem a import�ncia da igualdade entre os g�neros. Neste domingo em que o mundo celebra o universo feminino, o Estado de Minas conversou com quatro gera��es de mulheres para descobrir o que cada uma entende por feminismo e quais as causas defendidas em diferentes momentos hist�ricos.
Carolina Nunes, de 18 anos, acaba de ingressar no curso de ci�ncias sociais da UFMG. Clarisse Goulart, de 27, � doutoranda no Programa de P�s-gradua��o em Ci�ncia Pol�tica da mesma universidade e pesquisa como o movimento se articula no Brasil e na Am�rica Latina. A assistente social Dehonara de Almeida Silveira, de 49, � chefe de fam�lia e cria sozinha os tr�s filhos. Maria Isabel Ramos de Siqueira vai completar 70 anos e pelo menos 40 deles dedicou �s causas feministas. Quatro gera��es, quatro trajet�rias diferentes, mas um s� desejo: plenos direitos civis e pol�ticos para todas elas, o fim de qualquer tipo de viol�ncia e liberdade para que possam viver plenamente sua sexualidade.
Em comum, elas t�m tamb�m a percep��o de que o despertar para a igualdade ocorre quando percebem que o g�nero as impede de fazer algo. Foi o que ocorreu com Maria Isabel, Bebela, como � conhecida uma das militantes mais antigas de Minas, quando tinha 17 anos e foi impedida de fazer concurso para o Banco do Brasil. “Morava em Diamantina. Tentei fazer o concurso, mas o gerente disse que eu n�o podia. Que era apenas para homens”, lembra. Naquele momento, o sinal de alerta se acendeu. Tempos depois, ela ingressou no Movimento Popular da Mulher, no qual atua j� h� 30 anos.
Dehonara despertou para o feminismo quando entrou para o curso de servi�o social na PUC Minas, em 1982. Ao se engajar no movimento estudantil, percebeu a diferen�a de oportunidades entre homens e mulheres. Desde ent�o, passou a participar de a��es para a igualdade de poder pol�tico e econ�mico entre os g�neros. Dedica aten��o especial � necessidade de divis�o dos cuidados com a fam�lia e com a casa. “A tarefa de cuidar de crian�as e idosos recai sobre as mulheres”, diz ela, que cria sozinha os filhos de 16, 14 e 11 anos.
Carolina gosta de lembrar que vem de uma fam�lia tradicional. “Minha m�e � dona de casa e por muito tempo n�o trabalhou fora. Meu pai estudou e trabalhava.” O primeiro contato com o feminismo foi aos 15 anos, quando acompanhou a irm� mais velha em mobiliza��es que tratavam dos direitos femininos. O debutar ocorreu na Marcha Mundial das Mulheres, em 2012, quando ela conheceu ativistas de todo o mundo. “� dif�cil definir o feminismo. Para mim, � uma ideologia que � capaz de mudar a vida das mulheres”, resume. E, apesar da pouca idade, a jovem garante que o movimento foi um divisor de �guas em sua vida. “Meus horizontes se ampliaram. Percebi que ser mulher n�o � uma restri��o ou algo negativo. Sei que posso fazer o que eu quiser, seguir a profiss�o que desejar e fazer tudo sem que ningu�m me desrespeite”, diz.
O feminismo tamb�m possibilitou que ela cultivasse a autoestima. Desde que se entende como ativista, Carolina assumiu a textura natural do cabelo e n�o usa mais tratamentos qu�micos. Para ela, � uma maneira de valoriza��o de sua etnia e de combater a imposi��o de padr�es est�ticos. “A mulher negra � v�tima de dupla opress�o: o machismo e o racismo”, diz.
Conquistas
A p�lula anticoncepcional � apontada como uma das grandes conquistas das mulheres, na opini�o de Bebela e Dehonara. “Tirou a mulher da obriga��o do sexo apenas para reprodu��o. Deu liberdade para que pudesse vivenciar a sexualidade”, avalia Dehonara. Mas, apesar dos avan�os, o 8 de mar�o n�o � considerado por ativistas como elas um dia para ser comemorado. � momento de mobiliza��o, para alcan�ar outros direitos. Por muitos anos, a data foi associada a um inc�ndio que matou tecel�s em uma f�brica em Nova York. Essas mulheres estariam tingindo tecidos de lil�s, que virou a cor s�mbolo do feminismo.
Mas Clarisse Goulart lembra: historiadoras descobriram que, embora o evento tenha de fato ocorrido, n�o foi em 8 de mar�o. Segundo ela, pesquisadoras acreditam que a data faz refer�ncia a uma confer�ncia de mulheres socialistas realizada na antiga Uni�o das Rep�blicas Socialistas Sovi�ticas (URSS), em 1910. No entanto, ela pontua que h� registros da organiza��o de mulheres para reivindicar maior participa��o na sociedade desde o s�culo 19. “Elas n�o tinham direito ao voto, � heran�a e n�o podiam estudar”, lembra.
A mobiliza��o para conquistar direitos civis e pol�ticos parte de mulheres oper�rias. Muitas delas sofriam viol�ncia e ass�dio nas f�bricas, al�m de terem extenuantes jornadas de trabalho. “Naquela �poca, os sindicatos eram contra o trabalho de mulheres. Achavam que elas roubavam os empregos dos homens”, diz Clarisse.
No Brasil, a primeira onda de reivindica��es ocorreu no in�cio do s�culo 20. As mulheres queriam votar e participar da decis�o dos rumos pol�ticos do pa�s, direito conquistado em 1932, durante o governo de Get�lio Vargas. “As sufragistas seriam mulheres letradas, de classe m�dia. Mas � importante ressaltar que tamb�m houve a participa��o de mulheres trabalhadoras”, pontua Clarisse.
A segunda onda ocorreu entre os anos 1960 e 1970. Foi um per�odo de muita efervesc�ncia, quando elas lutavam por democracia na pol�tica e nas rela��es entre homens e mulheres. “Momento de politiza��o do mundo privado, da tematiza��o da viol�ncia sofrida por elas”, pontua a estudiosa. N�o h� muito consenso entre as feministas, mas estar�amos na terceira onda de reivindica��es. No Brasil, uma das lutas desta fase foi pelo direito �s creches. Tamb�m se caracteriza pela forma��o de diversos grupos feministas, que defendem as especificidades das mulheres negras, das transg�neros e das ind�genas.