Landercy Hemerson

Celular velho na bolsa e carteira falsa com pouco dinheiro no bolso: essas s�o algumas das t�ticas que passageiros da linha 9250 (Caetano Furquim – Nova Cintra) adotam para driblar os assaltos nos �nibus. A precau��o exp�e o medo de que a viagem termine de forma tr�gica. Ladr�es, em grupos de at� cinco, fazem arrast�es e, como costumam dizer, “espalham o terror”. M�os debaixo da camisa sugerindo que est�o com armas de fogo, quando de fato n�o est�o, facas, tapas e chutes em quem n�o entrega de imediato os valores. O alvo deles, em geral, s�o smartphones, tablets, notebooks, entre outros objetos de valor. Manh�, tarde ou noite, os ataques ocorrem principalmente no trecho entre o Chevrolet Hall, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, na Savassi, e pr�ximo ao BH Shopping, no Bairro Belvedere, Centro-Sul de Belo Horizonte.
Se o itiner�rio do Caetano Furquim – Nova Cintra � conhecido como o mais estressante do servi�o de transporte p�blico da capital, agora a 9250 j� � chamada de a “linha do medo” pelos passageiros, que ficam tensos a cada embarque de pessoas suspeitas. � o que demonstrou Roseli Costa, de 23 anos, moradora do Buritis, regi�o Oeste de BH, que na noite da quarta-feira voltava para casa em um coletivo da linha 9250. Antes de chegar ao �ltimo ponto da Avenida Nossa Senhora do Carmo, onde existe uma passarela, ela tratou de esconder o smartphone. “Pego esse �nibus esporadicamente, � noite, mas j� ouvi falar dos constantes assaltos. Guardo o celular para evitar roubo e at� ser agredida”, afirma.
O engenheiro Adriano Manhago Souza, de 38, estava no mesmo �nibus e tamb�m guardou seu aparelho ao ser alertado. “Moro no Rio de Janeiro e estou aqui de f�rias. � a segunda vez que pego esse �nibus e n�o imaginava esta situa��o em Belo Horizonte, onde morei por 15 anos”. J� o estudante de engenharia qu�mica G.R., de 20, sabe que o medo n�o � exagerado, pois foi assaltado quando seguia numa noite de s�bado do Buritis para a Savassi. O �nibus parou no ponto da passarela, depois do acesso ao Belvedere, e dois adolescentes entraram. “N�o tinha mais que 20 passageiros. Um deles estava com algo que parecia uma faca, embora algu�m dissesse ser um rev�lver. Ficamos todos em estado de choque. Os dois desceram e o motorista seguiu viagem”, recordou o estudante. Segundo ele, um passageiro foi agredido com tapas na cabe�a.
A manicure L.A., de 51, convive com a mesma rotina de medo. “H� um ano, pela manh�, seguia para o trabalho num �nibus dessa linha (9250), quando um homem, bastante nervoso, entrou armado e amea�ava atirar. Minha colega desmaiou e tivemos que deitar no ch�o”, disse L., que sempre teme um novo ataque. “N�o h� seguran�a e conto com a ajuda de Deus”, disse a manicure.
A sorte parece ser mesmo parceira de uma passageira, de 27 anos, que, em seis assaltos em �nibus da linha 9250, n�o teve nada levado. “Em algumas das vezes, era o mesmo grupo de quatro a cinco adolescentes. Eles embarcam no ponto do BH Shopping. Passei a carregar um celular velho na bolsa e apenas R$ 20. No bolso de tr�s da cal�a, escondo meu smartphone. H� sempre pessoas distra�das nos �nibus, com aparelhos eletr�nicos nas m�os, e, quando poss�vel, eu alerto”. Foi um descuido da estagi�ria Glauciane Soares Braz, de 22, moradora do Nova Cintra, Oeste de BH, que resultou em preju�zo “Eu descia do �nibus com o smartphone na m�o e um homem perto da porta o pegou. Ningu�m fez nada. Agora, fico bem mais atenta a pessoas suspeitas no �nibus. � sempre uma viagem tensa”, reclamou.
Falta de dados compromete a a��o da PM
Nos ataques do grupo de adolescentes que age pr�ximo � passarela no final da Avenida Nossa Senhora do Carmo e come�o da BR-356, os passageiros s�o seus “clientes preferenciais”. Motoristas e cobradores normalmente n�o s�o alvo das investidas criminosas. E, nesses casos, eles admitem que s�o orientados a registrar boletim de ocorr�ncia somente se agredidos, roubado o dinheiro das tarifas ou bens pessoais e quando o ve�culo for danificado. Do contr�rio, a ordem � seguir viagem e, caso um usu�rio queira prestar queixa, dever� ir por conta pr�pria. De acordo com o major Gilmar Luciano, chefe da sala de imprensa da Pol�cia Militar, cada vez que se deixa de fazer o registro, compromete-se o planejamento de a��es para coibir os ataques. Pessoas, como o estudante G.R., que relataram ao Estado de Minas que foram alvo dos assaltantes, admitem que n�o registraram boletins de ocorr�ncia. “Todos os passageiros ficaram em estado de choque e ningu�m nos orientou sobre isso. O motorista seguiu viagem, como se nada tivesse ocorrido”, destacou o estudante. Em muitas situa��es, a pessoa lesada considera que o preju�zo � menor do que a burocracia de ir parar numa unidade policial ou ficar esperando por uma viatura. � o caso da estagi�ria Glauciane Braz, que ficou sem seu aparelho celular, mas n�o podia faltar ao servi�o.
O major Gilmar explica que as estrat�gias de policiamento cient�fico da PM se baseiam no georreferenciamento estat�stico de crimes. “Para lan�ar o policiamento tem que se identificar problemas reais em determinada �rea. Sem informa��es de que houve atua��es criminosas, trazendo as caracter�sticas da a��o, do autor, entre outras, consideraremos que n�o temos problema ali e ser�o realizadas opera��es policiais de rotina. Mas, com o problema mapeado, temos como reprimir com qualidade”, disse o oficial, para explicar a necessidade de confeccionar um boletim de ocorr�ncia. Segundo o major, por meio do servi�o de intelig�ncia da PM, � poss�vel planejar e executar diferentes a��es, que visem identificar todo o grupo criminoso e seu modo de agir, conseguindo assim preven��o e repress�o qualificadas. “A PM busca minimizar, reduzir os impactos do crime. Mas depende da participa��o proativa do cidad�o. A seguran�a � dever do Estado e direito e responsabilidade de todos”, destacou, lembrando o princ�pio constitucional.
Um itiner�rio tenso
O medo na linha 9250 tamb�m � compartilhado por motoristas e auxiliares de viagem, que j� enfrentam uma viagem desgastante dos 28 quil�metros do itiner�rio, que � o mais longo da capital. No percusso, s�o pelo menos 14 bairros em �reas de classe sociais distintas. Atritos entre passageiros e funcion�rios s�o comuns, at� mesmo pelo cansa�o e demora do trajeto. Casos de gente que entra pela porta traseira ou desce pela da frente para n�o pagar passagem s�o um dos estopins das discuss�es. Entre 2012 e 2013, tr�s condutores abandonaram os �nibus durante a viagem, depois de bate-boca com usu�rios da linha.
A analista financeira Ariadne Teixeira, de 27 anos, mora no Palmares e, � noite, retorna para casa em coletivos da 9250. Para ela, em muitas viagens surge um clima tenso, pois motoristas e cobradores demonstram n�o estar treinados para lidar com as adversidades da linha, que tem passageiros com perfis diferenciados, muitos deles agressivos. “A qualquer gritaria, seja uma discuss�o de passageiro e motorista, a gente pensa que � um assalto. H� algo de errado: essa � uma verdadeira linha do medo”, assinala.
Fabr�cia Ferreira Figueira, de 30, estudante de medicina, tenta quebrar a tens�o da viagem da noite, de retorno para casa, com seu tablet ligado e ouvindo m�sica no smartphone. “Dependo do servi�o de transporte p�blico. N�o posso me tornar ref�m do medo. Estudo o dia todo e esse � o tempo que tenho para relaxar, para descontrair. Tenho que contar que a empresa e as autoridades v�o garantir a seguran�a do servi�o, e seguir com minha vida”, pontuou.
O 22º Batalh�o da Pol�cia Militar, que � respons�vel pela �rea em que vem ocorrendo a maioria dos assaltos, n�o retornou aos questionamentos da reportagem. A BHTrans se manifestou por meio de nota, informando que, nas ocorr�ncias de assaltos, os operadores (motorista e auxiliar de viagem) devem acionar a pol�cia e registrar boletim de ocorr�ncia. E afirmou que todos os operadores passam por treinamento e, periodicamente, por reciclagem. A empresa acrescentou que est� prevista a instala��o de c�meras nos ve�culos que poder�o contribuir com as investiga��es. E lembrou que a garantia de seguran�a p�blica � uma atribui��o do Estado.