
A rebeli�o de detentos encerrada na manh� de ontem, com duas mortes confirmadas no Pres�dio de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, lan�ou o mais concreto alerta para o risco de a situa��o do sistema prisional de Minas sair do controle. No estado, a popula��o prisional aumentou 624% entre 2005 e 2012, segundo o Mapa do Encarceramento, divulgado semana passada pelo Minist�rio da Justi�a. No caso de Valadares, as duas v�timas do motim foram detentos, mortos por outros internos amotinados, que tamb�m atiraram cinco desafetos do telhado de um dos pavilh�es. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) admitiu que a unidade prisional foi projetada para 290 presos, mas mantinha 800, tr�s vezes mais do que a capacidade.
A rebeli�o em Governador Valadares durou 24 horas. Come�ou no hor�rio de visitas de s�bado, nos blocos B e D, onde as grades das celas foram quebradas. Outros pavilh�es foram dominados e a situa��o s� n�o ficou ainda mais grave porque a administra��o conseguiu retirar as armas do dep�sito da unidade. Os detentos atirados do telhado sobreviveram. Os dois mortos foram encontrados carbonizados, em um inc�ndio provocado pelos amotinados. O clima de tens�o s� come�ou a se aliviar por volta das 5h de ontem, quando 100 presos se renderam e come�aram a ser transferidos para outras unidades prisionais da regi�o, como Ipatinga e Te�filo Otoni. Seis presos ficaram feridos, entre eles um que deixou o local com a cabe�a enfaixada e com o corpo manchado de sangue. Uma mulher que estava na ala feminina passou mal e foi socorrida pelo Samu.
Durante a madrugada, houve negocia��es. Policiais do Grupo de A��es T�ticas Especiais (Gate) e do Comando de Opera��es Especiais (COPE), ambos da Pol�cia Militar, e o juiz da Vara de Execu��es Penais da cidade, Thiago Colnago, convenceram os presos a encerrar o motim. O magistrado, cuja presen�a foi exigida pelos internos, prometeu aos rebelados que vai analisar a situa��o penal de cada um.
Logo pela manh�, o secret�rio de estado de Defesa Social, Bernardo Santana, e o subsecret�rio de Administra��o Prisional, Ant�nio de P�dova Marchi J�nior, viajaram de avi�o para Governador Valadares para avaliar a situa��o. Os detentos j� estavam sendo remanejados para outros pres�dios, em grupos de 20.
ENCARCERAMENTO Segundo a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), ligada � Secretaria-Geral da Presid�ncia da Rep�blica, o percentual de crescimento do n�mero de presos em Minas est� muito acima da m�dia brasileira de aumento, de 74%. Minas aparece como o estado em que o n�mero de encarcerados mais aumentou proporcionalmente (de 6.289, em 2005, para 45.540, em 2012), e registra a terceira maior varia��o na taxa de negros presos – aumento de 105% entre 2007 e 2012.
Para o coordenador do N�cleo de Estudos Sociopol�ticos da PUC Minas, Robson S�vio, integrante do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, tem se observado no estado uma tend�ncia de aprisionamento de pequenos usu�rios e traficantes de drogas e respons�veis por crimes contra o patrim�nio. No entanto, somente 3% dos homicidas est�o presos, quando a m�dia no Brasil est� em torno de 8%.
Para ele, a situa��o fez com que o sistema mantivesse uma condi��o de superlota��o, apesar de o n�mero de vagas ter triplicado nos �ltimos anos. O especialista avalia que a l�gica � invi�vel, pelos seus altos custos, e alerta que o problema n�o est� localizado em Governador Valadares. Segundo ele, pelo menos 20 unidades prisionais da regi�o metropolitana e do interior est�o com problemas de superlota��o.
O motim passo a passo
S�BADO
Motim tem in�cio na manh� de s�bado, durante hor�rio de visitas em um dos pavilh�es. Presos dos blocos B e D quebram grades das celas
Outros tr�s pavilh�es s�o dominados pelos presos, al�m da administra��o, onde houve quebradeira
Dire��o do pres�dio consegue retirar a tempo todas as armas existentes na unidade
Por volta das 12h, um preso aproximou-se e disse que haveria disposi��o dos rebelados de negociar condi��es para o fim da rebeli�o. O major Fausto, do Grupo de A��es T�ticas Especiais (Gate), da PM, assume as negocia��es
�s 13h de s�bado, policiais de Manhua�u e de Te�filo Otoni, al�m do Batalh�o de Choque da PM e o Gate cercam a unidade prisional. PMs do Comando de Opera��es Especiais (Cope), do Sistema Prisional, seguem da capital para Governador Valadares
Tamb�m �s 13h, o juiz de Execu��es Penais de Governador Valadares, Thiago Colnago Cabral, chega ao pres�dio e promete aos presos analisar a situa��o penal deles. A presen�a do juiz havia sido solicitada pelos rebelados
Por volta das 13h30, a entrada do Corpo de Bombeiros � permitida para combater inc�ndio provocado pelos presos dentro do pres�dio. Visitantes mantidos ref�ns s�o liberados aos poucos
�s 14h, a pol�cia � informada de que havia um preso ferido nas pernas, sem gravidade e que n�o havia agentes penitenci�rios feridos. Todos os acessos ao pres�dio s�o bloqueados e as negocia��es continuam
Entre 15h30 e 16h, presos jogam cinco detentos do telhado. As v�timas, que estavam em �rea de isolamento, foram encaminhadas a um hospital. At� ent�o, n�o havia confirma��o de mortos
Na �rea externa, houve princ�pio de tumulto nas vizinhan�as do pres�dio, com PMs dispersando parentes e curiosos com bombas de efeito moral e balas de borracha
DOMINGO
As negocia��es avan�am pela madrugada. Por volta das 6h30 de domingo, presos come�aram a se entregar. Sa�am de m�os levantadas, aos poucos, e eram algemados pela pol�cia
�s 7h, cerca de 100 detentos s�o transferidos para outras unidades, em ve�culos do Sistema Prisional
Duas mortes s�o confirmadas �s 8h15. Os corpos estavam no ch�o, fora da carceragem, no per�metro interno do pres�dio. Havia, at� ent�o, not�cias de outros mortos por causa do fogo
Secret�rio de Estado de Defesa Social, Bernardo Santana, e o subsecret�rio de Administra��o Prisional, Ant�nio de Padova Marchi J�nior, seguem de helic�ptero de BH para Governador Valadares, �s 8h30
�s 10h come�a uma vistoria no interior do pres�dio e a suspeita de haver mais mortos � descartada

FONTE: Secretaria de Estado de Defesa Social
Quadro alarmante
Superlota��o nas carceragens mineiras
65 - mil internos
32 - mil vagas em 148 unidade prisionais
34 - unidades interditadas pela Justi�a para receber novos presos
17 - interdi��es somente neste semestre
3 - mil novos detidos em apenas quatro meses deste ano
624% - � o crescimento do n�mero de detentos em Minas Gerais entre 2005 e 2012
18,7% - dos detentos no pa�s poderiam estar cumprindo penas alternativas
Transfer�ncia pode agravar crise
A rebeli�o em Valadares exp�e as consequ�ncias de um problema que n�o tem solu��o vis�vel a curto prazo e ainda pode se agravar: na unidade destru�da pelos amotinados, dos 800 internos – abrigados em pavilh�es com capacidade para 290 – 500 foram transferidos para outras pris�es j� lotadas, para que sejam feitos reparos nas estruturas danificadas. Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apontam que h� 32 mil vagas nas 148 unidades prisionais, que atualmente abrigam mais que o dobro: 65 mil detentos. Segundo pesquisa da Secretaria Nacional da Juventude, 18,7% dos encarcerados poderiam cumprir penas alternativas, com base no C�digo de Processo Penal.
O governo do estado aposta nos levantamentos de uma for�a-tarefa para apontar solu��es de curto e longo prazos para a crise carcer�ria. Uma das necessidades que a Seds j� apontou � a libera��o de vagas por meio da sa�da de internos que t�m direito a progress�o de pena, com mudan�a para regimes como aberto e semiaberto – que por falta de assist�ncia jur�dica continuam encarcerados.
O criminalista Maur�cio Campos J�nior, secret�rio Defesa Social de janeiro de 2007 a fevereiro de 2010, alerta para a morosidade da concess�o de liberdade, que emperra a sa�da dos internos com direito � reinser��o social. “Tenho convic��o de que a velocidade de entrada de presos n�o acompanha a da sa�da. H� uma cad�ncia na concess�o de liberdade provis�ria ou medidas em meio aberto que n�o se justifica. Depois que o sentenciado j� tem o est�gio para progresso de regime, seu pedido pode demorar meses para ser atendido. Isso impacta fortemente na superlota��o.”
A solu��o, aponta Campos J�nior, seria um pacto que envolvesse a administra��o prisional e o sistema de Justi�a. “Ambos precisam trabalhar juntos, para terem clareza sobre crit�rios, demandas e pol�ticas comuns do encarceramento. � imposs�vel � administra��o criar vagas sem a otimiza��o das vagas existentes e programa��o baseada nesse pacto.”
O deputado estadual Jo�o Leite (PSDB), atual vice-presidente da Comiss�o de Seguran�a da Assembleia Legislativa, a qual presidiu por seis anos, � critico em rela��o � morosidade da concess�o de benef�cios aos presos. “Mas n�o podemos banalizar o instituto da progress�o de regime. Qualquer benef�cio tem que ser garantido por medidas que preservem um direito fundamental da sociedade, que � o da seguran�a. Se temos benef�cios represados, temos tamb�m mais de 80% de reincid�ncia. A sociedade paga duas vezes?”
Sobre a superlota��o carcer�ria no estado, o deputado culpa em parte o governo federal. “Vagas t�m que ser criadas em n�vel federal. As unidades estaduais est�o repletas de presos de crimes federais, contaminando o ambiente”, pontuou. “Praticamente 80% dos detidos em Minas s�o do tr�fico de drogas ou de crimes relacionados. Minas est� com presos de outros pa�ses, qu�micos que fazem a separa��o da pasta-base de coca�na, misturados com presos de crimes de menor gravidade, criando uma escola de criminalidade.”