
Jana�ba e Nova Porteirinha – Comunidades inteiras passando sede, enquanto a �gua corre farta para irrigar culturas de banana e at� pastos. A realidade � ligada pelo leito de um mesmo rio – em uma regi�o tradicionalmente castigada pela seca, o Norte de Minas –, ao longo do qual pequenos produtores j� se armaram de foices, fac�es e enxadas para arrebentar � for�a capta��es que irrigam o agroneg�cio. O foco de tens�o � verificado no Rio Gorutuba, onde foi constru�da a Barragem do Bico da Pedra. Al�m de abastecer o projeto de irriga��o do Gorutuba e duas cidades (Jana�ba e Nova Porteirinha), a estrutura libera �gua que deveria servir para a pereniza��o do manancial e para o atendimento aos moradores ribeirinhos at� a foz, no Rio Verde Grande, ao longo de 70 quil�metros.
Pr�ximo � barragem h� �gua em abund�ncia, mas a partir de 20 quil�metros da represa o rio est� completamente seco, com centenas de fam�lia de comunidades quilombolas (remanescentes de grupos escravos) prejudicadas. A situa��o tamb�m envolve uma s�ria disputa travada entre grandes e pequenos produtores, motivo da inclus�o da regi�o entre os 57 pontos de conflito h�drico mapeados pelo Instituto Mineiro de Gest�o das �guas (Agam), conforme mostrou s�rie de reportagens do Estado de Minas publicada nesta semana.
Grandes irrigantes situados perto da Barragem do Bico da Pedra, mesmo sem outorga, sugam o Gorutuba com bombas poderosas, que captam a �gua para sustentar a agropecu�ria, deixando prejudicadas cerca de 1 mil fam�lias ao longo do rio. No ano passado, cansados de esperar e de cobrar provid�ncias dos �rg�os p�blicos, cerca de 20 pequenos produtores de comunidades quilombolas da localidade de Vila Nova dos Po��es, no munic�pio de Jana�ba, resolveu agir por conta pr�pria e destruir barramentos feitos pelos irrigantes. A batalha durou pelo menos tr�s meses, entre julho e outubro. “A gente ia l�, desmanchava os barramentos e logo depois os irrigantes barravam o rio de novo, usando sacos de areia misturada com cimento”, relata Paulo Brito, presidente da Associa��o Quilombola Bem-Viver, que criou na regi�o o movimento “�gua para todos”.
Brito disse que o conflito teve um “cessar-fogo” no fim de outubro, quando o volume do Gorutuba aumentou com a chega das chuvas. No entanto, em maio deste ano, com o fim do per�odo chuvoso, os pequenos agricultores voltaram a sofrer com a falta de �gua. “Agora, a nossa esperan�a � uma maior fiscaliza��o por parte dos �rg�os p�blicos, para que a gente n�o tenha agir com as pr�prias m�os novamente”, diz o l�der comunit�rio.
GAN�NCIA A Barragem do Bico da Pedra garante o fornecimento de �gua para cerca de 5 mil hectares no Projeto Gorutuba, implantado pelo governo federal, que conta com 490 produtores e tem grande produ��o de frutas. Paulo Brito salienta que a barragem libera �gua suficiente para o atendimento aos irrigantes da margem esquerda (n�o atendidos pelos canais que levam a �gua captada diretamente no reservat�rio) e para sustentar todos os pequenos propriet�rios rio abaixo. “O grande problema � a gan�ncia dos grandes produtores, que n�o querem dividir a �gua com os pequenos”, denuncia o presidente da associa��o quilombola.
Ele ressalta que foram identificadas 72 capta��es clandestinas em um trecho de pouco mais de 20 quil�metros, entre a Barragem do Bico da Pedra e a comunidade de Vila Nova dos Po��es. Em companhia de Paulo Brito, a equipe do Estado de Minas percorreu um trecho do Gorutuba e flagrou v�rias bombas usadas sem outorga por grandes produtores. As capta��es clandestinas s�o feitas, inclusive, por agricultores que j� recebem �gua diretamente dos canais que saem da barragem. “Isso ocorre porque n�o pagam nada pela �gua captada sem outorga”, observa o l�der comunit�rio. Ele cobra maior fiscaliza��o por parte do Instituto Mineiro de Gest�o das �guas (Igam). “� preciso que seja fixado um limite do uso pelos grandes irrigantes, para que a �gua liberada da Barragem do Bico da Pedra possa ser suficiente para todos”, diz.
Produtores denunciam omiss�o
O gerente do Distrito de Irriga��o do Gorutuba (DIG), Ricardo Carreiro, disse que, atualmente, al�m de 1.500 metros c�bicos por segundo (m3/s) destinados aos canais do per�metro irrigado (margem direita), s�o liberados pela Barragem do Bico da Pedra 960m3/s de �gua no leito do Gorutuba, para garantir a pereniza��o do manancial at� sua foz, computado o consumo dos ribeirinhos. Mas ele argumenta que o DIG n�o tem como controlar as capta��es clandestinas e que a fiscaliza��o � de responsabilidade de outros �rg�os p�blicos, como o Igam.
O presidente da Associa��o dos Irrigantes da Margem Esquerda do Gorutuba (Assieg), Oscar Magario, informou que a entidade identificou bombas sem outorga no rio, em um trecho de cerca de 15 quil�metros entre a barragem e a sede da associa��o. Mas ele garante que as capta��es clandestinas s�o feitas por produtores que n�o fazem parte da Assieg, que conta com 53 associados e totaliza 1.300 hectares irrigados. “S�o produtores situados abaixo da barragem e que usam a �gua aleatoriamente, sem nenhum tipo de controle, de domingo a domingo”, denuncia. “J� reclamamos para o Minist�rio P�blico e outros �rg�os, mas nenhuma provid�ncia foi tomada”, completa
E a situa��o ainda pode se agravar. Oscar Magario sustenta que, desde maio, a capta��o foi limitada pelo DIG a apenas dois dias por semana, o que, segundo ele, est� sendo insuficiente para o atendimento da demanda dos produtores. “Agora, ainda estamos no inverno. Quando o sol esquentar, em setembro ou outubro, a irriga��o em dois por semana n�o ser� suficiente”, disse Magario, alertando que os irrigantes podem ser obrigado a interromper a produ��o, com o risco de deixar 5 mil pessoas desempregadas na regi�o. O Estado de Minas entrou em contato com o Igam, mas n�o obteve retorno.

Verde revela a desigualdade
Enquanto pr�ximo � Barragem do Bico da Pedra grandes planta��es de banana e pastagens esbanjam verde em pleno per�odo de seca, alguns quil�metros rio abaixo o cen�rio � de desola��o: o leito do Gorutuba est� completamente seco. A �gua liberada pela represa deveria chegar at� l�, mas � sugada antes pelas bombas clandestinas de grandes irrigantes. O Estado de Minas constatou a situa��o ao percorrer mais de 60 quil�metros do curso d’�gua.
A ang�stia de passar sede � beira do rio � encarada por pequenos agricultores como Edson Batista de Oliveira, dono de uma propriedade pr�ximo do distrito de Vila Nova dos Po��es, em Jana�ba. Ele conta que acima do seu terreno, um grande empres�rio envolvido na pol�tica da regi�o instalou sem outorga uma bomba poderosa, que desvia a �gua do rio para uma lagoa. O agricultor disse que antes cultivava cinco hectares, �rea que caiu para dois hectares. “Os grandes n�o deixam passar �gua para a gente que est� mais abaixo do rio. � preciso aumentar a fiscaliza��o”, cobra Edson, que no ano passado integrou o grupo que destruiu barramentos no Rio Gorutuba.
Outro pequeno produtor prejudicado � Reinaldo Lino Madureira, de 57. Ele conta que j� chegou a cultivar 10 hectares com banana e hortali�as. Como �gua n�o chega mais, se viu obrigado a recorrer a um po�o tubular. “Mas a energia para tirar �gua � muito cara e s� posso trabalhar em cinco hectares”, reclama. “Est� faltando bom senso por parte dos grandes produtores”, opina o presidente da Associa��o dos Pequenos Agricultores de Vila Nova dos Po��es, Jos� Ant�nio da Silva, que tamb�m denuncia a explora��o descontrolada de po�os tubulares na regi�o. “Existem fazendeiros que tem at� 20 po�os dentro de suas propriedades”, refor�a Paulo Brito.

A equipe do Estado de Minas tamb�m visitou comunidades quilombolas em pontos mais distantes da Barragem de Bico da Pedra, onde o rio, s� corre mesmo no per�odo das chuvas. “Antes o rio tinha muito peixe e a gente tinha como plantar o ano inteiro”, diz Lerindo Bispo da Silva, descendente de escravos da comunidade de A�ude, ao caminhar pelo leito do Gorutuba, completamente seco. Casas abandonadas na regi�o denunciam que o secamento tamb�m contribuiu para a sa�da de antigos moradores em dire��o � cidade.