(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Dez anos depois, fam�lia de Jean Charles ainda convive com trauma

Apesar da morte do mineiro, executado h� uma d�cada pela pol�cia londrina ao ser confundido com terrorista, nova gera��o insiste em sonhar com o a vida no exterior


postado em 19/07/2015 09:00 / atualizado em 19/07/2015 12:04

(foto: Gladyston Rodrigues / EM / D.A Press)
(foto: Gladyston Rodrigues / EM / D.A Press)

Gonzaga –
Aos 17 anos, Robert Oliveira da Silva luta para aprender ingl�s pela inst�vel internet no s�tio onde vive com a fam�lia, na zona rural da pequena e bem cuidada Gonzaga, distante mais de 300 quil�metros de Belo Horizonte. Sonha em correr mundo: est� decidido a ir para os Estados Unidos logo que se formar. Seriam apenas os projetos de mais um entre milhares de jovens do Vale do Rio Doce que planejam ganhar a vida “no estrangeiro”, n�o fosse ele sobrinho do mais ilustre filho da terra a perder a vida no exterior. Jean Charles de Menezes era apenas 10 anos mais velho quando recebeu oito tiros da pol�cia brit�nica, ao ser confundido com um terrorista na esta��o de metr� de Stockwell, no Sul de Londres, em um crime oficial at� hoje sem condenados. Uma d�cada depois, os planos do neto fazem os av�s, pais de Jean Charles, engolirem em seco. Lembram-se das tentativas infrut�feras de demover o pr�prio filho da ideia de deixar o Brasil. Sabem que � uma batalha perdida. Assim como n�o gerou puni��es, a trag�dia do brasileiro que virou at� filme n�o desanimou moradores do munic�pio de 5,9 mil habitantes de buscarem a sorte na Europa ou na Am�rica. Uma inquieta��o que a alta do d�lar s� faz ati�ar.

Mas Jean Charles n�o chegou a ter tempo de mandar para os pais o dinheiro com que sonhava tornar menos dura a vida da fam�lia no interior de Minas. Hoje, al�m das fotos que procura esconder, para fugir do sofrimento, Maria Otoni de Menezes, aos 70 anos, guarda do filho apenas o televisor que ele, j� vivendo na Inglaterra, comprou por telefone em Gonzaga e mandou entregar no s�tio. Dez anos se passaram. Para ela, parece que foi ontem. Quando bate a saudade, � como se uma cicatriz que nunca fecha voltasse a sangrar no cora��o de m�e. “Quando me lembro dele, � como se tivesse acontecido hoje. � passado, mas n�o passa nunca”, descreve a m�e do eletricista alvejado e morto pela pol�cia londrina em 22 de julho de 2005.

Maria vive com o marido, Matozinho Otoni da Silva, de 76, o filho mais velho, Giovani Menezes, e tr�s netos, entre eles Robert, em uma pequena propriedade rural de Gonzaga, no Vale do Rio Doce, onde Jean nasceu e foi criado. Para aliviar um pouco a ang�stia, “que d�i na alma”, procura se lembrar s� dos momentos em que teve o ca�ula por perto. “N�o era menino de fazer tristeza. Sempre alegrava a gente. E � essa a melhor recorda��o que eu tenho: o sorriso dele”, conta a m�e, emocionada, lembrando-se de um presente que ganhou do filho quando ele tinha s� 14 anos. “Chegou caladinho, sem eu perceber, e me entregou uma garrafa t�rmica. Eu trabalhava muito e nem lembrava que era o meu anivers�rio. Ele me abra�ou, com aquele sorriso, e disse: '� para a senhora tomar o seu caf� quentinho, m�e!'. Foi uma surpresa muito grande. Ele j� trabalhava na cidade e j� ganhava o seu dinheirinho”, conta.

O sitiante Matozinho da Silva tamb�m guarda boas lembran�as do filho, que com 4 anos j� queria ser eletricista. “Um dia, ele construiu uma hidrel�trica de brinquedo, fincou uns peda�os de pau no ch�o e passou uns fios nos 'postes'. Depois, me pediu e eu fui l� na cidade comprar umas l�mpadas de lanterna. Quando elas acenderam, saiu pulando de alegria pelo quintal”, lembra o pai, com uma ponta de sorriso e o olhar perdido na mata que cerca a casa, como se mergulhado no passado.


Matozinho conta que ficou sabendo da morte do filho dois dias depois. Um sobrinho, que tamb�m morava em Londres na �poca, telefonou para a Prefeitura de Gonzaga. A m� not�cia ainda percorreu 14 quil�metros de estrada de terra para chegar. “Era o meu ca�ula, e eu s� tinha dois. Ainda hoje me lembro dele todos os dias. Sento por esses matos a� afora e fico pensando na �ltima vez que ele veio”, conta o pai.

Jean saiu de casa pela primeira vez para morar em S�o Paulo, conta o pai. Depois, ajudado por colegas de trabalho, foi tentar uma vida melhor em Londres. “Ele sempre me ajudava aqui na fazenda e come�ou a trabalhar de eletricista. Consertava r�dio, televis�o, tudo o que via com defeito. Um dia, falou para mim: 'Papai, vou para Londres trabalhar e ganhar dinheiro, para ajudar o senhor aqui na ro�a'. A vida aqui sempre foi dif�cil. Continua sendo”, recorda o pai, que vive na terra onde cria poucas cabe�as de gado e um cavalo “para viajar de vez em quando”.

A rotina na pequena propriedade rural voltou a ser o que era antes da morte de Jean Charles. Mas a tristeza fez a vida muito pior, diz o pai, que acorda todos os dias �s 6h30 para cuidar das galinhas e ordenhar o pequeno rebanho de vacas. O servi�o pouco, agora que os bezerros est�o desmamados e n�o sobra leite nem para fazer queijo, tem sido mau companheiro. “Preciso ir ocupando a vida para tentar fugir da lembran�a”, confidencia.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)