
No m�s que vem, em 22 de setembro, Luiz Gonzaga do Nascimento J�nior, o Gonzaguinha, completaria 70 anos de vida, certamente sem ter vergonha de ser feliz. “Como poderia ser triste uma pessoa que nasceu na primavera? Gonzaga estava feliz, com a vida toda organizada. Mariana ia fazer 8 anos quando ele foi atingido por um d�bil mental na contram�o, em plena rodovia”, diz a segunda mulher do compositor carioca, Louise, a Lelete, de Belo Horizonte. Ela e a prometida tranquilidade da capital mineira atra�ram Gonzaguinha a BH, em 1981, na tentativa de se curar de uma segunda crise de tuberculose.
Em entrevista � TV Cultura, Gonzaguinha contou ter herdado o jeito moleque e tamb�m a doen�a do peito que matou a m�e dele, a cantora do r�dio Odaleia, quando ele tinha apenas 2 anos. “Moleque no sentido de ir fundo nas coisas, at� ter tuberculose, que tamb�m tive duas vezes”, admitiu o m�sico, que na grava��o n�o conseguiu cantar a m�sica feita para a m�e. Ao viol�o, cantarolou apenas a parte da letra: “Ah, minha menina. Te amo”.
Durante oito anos, Gonzaguinha e Lelete moraram em uma casa boa na Regi�o da Pampulha. “Era a casa dos meus pais e Gonzaga a recomprou para me agradar. Enchia a minha bola da hora em que acordava at� a hora de dormir”, suspira Lelete, com saudades. Envolvida com as recentes homenagens em torno do cantor, ela explica que, na intimidade familiar, chamava o marido de Gonzaga. J� o pai dele, o rei do bai�o Luiz Gonzaga, o Gonzag�o, era o “seu Luiz”.
Segundo Lelete, que costuma hospedar em casa os dois filhos do primeiro casamento de Gonzaguinha, o m�sico teve uma fase pacata em BH. “Ele gostava de pedalar em volta da Lagoa da Pampulha e jogava pelada com os amigos em frente ao Mineir�o, onde hoje � uma quadra de esportes. Era vasca�no e cruzeirense. Estava a fim de levar uma vida mais quieta, sem depender do Rio como vitrine”, afirma ela, que era produtora de Gonzaguinha antes de se casar com ele. “Na �poca em que o conheci, ele j� tinha hemoptise. Tossia sangue”, completa.
Um artista na contram�o do fluxo
N�o era unanimidade absoluta a tese de que a capital mineira era a mais indicada para tratar dos pulm�es brasileiros adoecidos. Nascido em Araguari, em 1926, o artista pl�stico mineiro Farnese de Andrade, rejeitou o ar das montanhas na d�cada de 1940, as quais considerava “cerceantes”. “Adoeci dos pulm�es em Belo Horizonte, considerado o melhor clima para tuberculose. Se n�o tivesse perdido a paci�ncia e vindo para o Rio, teria morrido”, disse, em sua biografia, o renomado escultor, que aproveitou a estada na cidade para estudar com o mestre Alberto da Veiga Guignard, fundador da escola de artes que leva seu nome. Foi colega de Amilcar de Castro e de Mario Silesio. Mais tarde, Farnese conquistaria o reconhecimento internacional, embora tenha ca�do em relativo ostracismo, segundo o cr�tico de arte Rodrigo Naves, autor da obra Farnese de Andrade, de 345 p�ginas, editada pela Cosac Naif em 2002.
Ao ser declarado precocemente inv�lido, Farnese de Andrade mudou o curso da vida. Com a senten�a de morte j� anunciada, como ocorria com os t�sicos da �poca, voltou-se para o caminho das artes. Um ano depois, come�ou a desenhar com o professor Guignard. “Esse parente nosso foi reconhecido no mundo todo. Eu era crian�a, mas me lembro vagamente de minha m�e ir ao Rio e voltar de l� com desenhos que ele fazia. Farnese vivia no mundo dele, enfurnado no atelier de arte”, recorda-se Leila Machado de Brito, filha da psic�loga Martha de Andrade, prima em primeiro grau do artista, falecida em 2006.

Na ocasi�o, ao descobrir que a doen�a ainda n�o estava curada e que, ao contr�rio, havia tomado os dois pulm�es, o artista abandonou as pinturas a �leo, com tintas de maior toxidade. Passou a se dedicar a esculturas inovadoras, fabricadas com peda�os de madeira, conchas e restos de objetos encontrados nas praias, onde se dedicava a fazer longas caminhadas. “Para mim o mar � important�ssimo. S� fui ter sa�de quando em contato com o mar”, disse ele, que al�m da ajuda dos sais marinhos, contou tamb�m com doses de penicilina, importadas a pre�o de ouro por interm�dio de pilotos de voos internacionais.
Segundo o servidor p�blico aposentado Luiz Edmundo Machado Brito, de 73 anos, os desenhos de Farnese foram qualificados como “excelentes” pelo pr�prio Guignard, mas no futuro ele iria mesmo se destacar a partir das montagens de objetos. “Nada se compara ao trabalho dele, que cont�m pe�as emocionantes. Nesse aspecto, ele foi um dos melhores do mundo”, elogia o parente, que continuou morando em BH. “Eu o conheci pessoalmente, mas conversamos muito pouco”, completa ele que, na ocasi�o, havia ido ao Rio visitar Maria Andrade, a dona Mariquinha, m�e de Farnese de Andrade.
Ap�s passar o dia na companhia da idosa internada no hotel geri�trico, Luiz Edmundo j� estava de sa�da quando se deparou com o primo de segundo grau, que chegava para visitar a m�e, dona Mariquinha: “O relacionamento dos dois era curioso, porque se gostavam muito, mas viviam brigando. Os dois tinham g�nio forte, mas ela teve muita import�ncia na vida dele. Ela era uma florista respeitada e penso que seu dom art�stico teve alguma influ�ncia no filho. Os dois viveram juntos durante bastante tempo, porque ele nunca se casou. Era um ser humano diferenciado, especial, um artista mesmo”.
MAIS SOBRE O ESCULTOR Farnese de Andrade Neto (Araguari / MG, 1926 – Rio de Janeiro, / RJ, 1996) era pintor, escultor, desenhista, gravador e ilustrador. Aperfei�oou sua t�cnica de gravura em metal no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tendo como orientador Johnny Friedlaender. A partir de 1964, passou a criar obras de materiais descart�veis naturais e industriais recolhidos por ele, como brinquedos destru�dos, imagens de santos, cacos de vidro, conchas, mariscos e outros objetos marinhos. Tamb�m utilizava m�veis adquiridos em antiqu�rios, al�m de fotografias antigas, inclusive da pr�pria fam�lia.
Foi para a Espanha (Barcelona) – com o Pr�mio de Viagem ao Exterior ganho no Sal�o Nacional de Arte Moderna – e l� montou est�dio, onde permaneceu at� 1975, quando voltou para o Rio de Janeiro e morou at� sua morte, em 1996. Para o cr�tico Frederico Morais, seus objetos s�o object-trouv�s (objetos encontrados) que atuam em nosso inconsciente e parecem estar associados a algumas lembran�as, mas sobretudo fazem parte de uma autobiografia que o artista construiu. Assim, aproximam-se mais do surrealismo e da pintura metaf�sica do que do dada�smo.

MARCAS DO PASSADO
Odaleia, noites brasileiras
(Gonzaguinha – diagnosticado com tuberculose aos 14 anos)
Minha cantora esquecida das noites brasileiras
Te amo
Compositora esmagada dessas barras brasileiras
Te amo
Minha hero�na doente do peito
Minha menina de luta
minha morena catita
Ah! minha preta
Furando cart�o
cantando nos becos
tossindo nos cantos
o len�o na boca, o sangue
A m�o na garganta
a perna j� bamba
a for�a n�o tanta
a vida t�o tonta.