
Peste branca, mal do s�culo, t�sica... a tuberculose, que marcou a hist�ria de Belo Horizonte no in�cio do s�culo passado, j� mereceu toda sorte de apelidos pejorativos. O que pouca gente sabe � que, em que pese a epidemia e a mortalidade assustadora que causou no pa�s, a doen�a deixou como heran�a na cidade boa parte de sua atual estrutura de aten��o � sa�de. Antigos sanat�rios, erguidos inicialmente para acolher tuberculosos, originaram hospitais de m�dio e grande portes, como o Madre Teresa, da Baleia, J�lia Kubitschek e Eduardo de Menezes. Na regi�o hospitalar de Belo Horizonte, ruas e pra�as homenageiam medalh�es como Alfredo Balena, Ezequiel Dias e Hugo Werneck, que, em nome da epidemia, descobririam o caminho at� a capital mineira e entrariam para a hist�ria da cidade. Institui��es como a Escola de Medicina e a Santa Casa de Miseric�rdia tamb�m t�m suas origens ligadas ao esfor�o para combater os estragos causados pelo bacilo de Koch. “Pode-se dizer que a medicina mineira � filha da tuberculose. Muitos m�dicos cariocas vieram para a cidade motivados pela doen�a”, afirma, categ�rico, S�lvio Paulo Pereira, de 73 anos, �nico cirurgi�o tor�cico remanescente da �poca, que chegou a fechar cavernas em pulm�es doentes do mal.
Passado mais de um s�culo, o estigma da tuberculose persiste no tempo. Nem mesmo a comunidade m�dica escapa ao burburinho em torno da doen�a. “N�o sei se fica bem dizer que m�dicos renomados, como Hugo Werneck, eram tuberculosos”, ressalva o cirurgi�o tor�cico, preocupado com a repercuss�o do assunto, que na �poca era ventilado pelos corredores dos hospitais. Por�m, S�lvio Paulo Pereira destaca que a import�ncia da tuberculose � tanta que impacta at� a terceira gera��o das fam�lias brasileiras, cujos parentes buscavam a cura em sanat�rios de cidades como Belo Horizonte e Campos do Jord�o (SP). “N�o h� quem desconhe�a pelo menos um caso envolvendo a doen�a na fam�lia. Tenho uma tia que perdeu o ju�zo ao saber sobre a tuberculose do noivo. Colocou a alian�a na m�o esquerda e nunca mais se casou”, diz.
Assim como a hansen�ase, a tuberculose � enfermidade milenar, causada por bact�rias da mesma fam�lia dos bacilos �lcool-�cido resistentes (BAAR). H� registros da exist�ncia de sanat�rios no Egito antigo, 2 mil anos antes de Cristo.“A tuberculose � o camale�o da cl�nica m�dica, podendo se apresentar de diversas formas. Se voc� vir hoje uma mancha na chapa do pulm�o, poder� cogitar c�ncer ou pneumonia, mas deve sempre ficar com o p� atr�s. Na d�vida, pode ser tuberculose”, ensina.
Na �poca cr�tica da epidemia, havia em todo o estado somente uma faculdade de medicina e um hospital de refer�ncia: a Santa Casa de Belo Horizonte. Em 1911, Lucas Monteiro Machado uniu-se a outros 10 colegas de profiss�o para criar a Faculdade Ci�ncias M�dicas de Minas Gerais, ent�o ligada � Pontif�cia Universidade Cat�lica (PUC). Antes mesmo de receber o diploma, em 1967, o ent�o residente S�lvio foi assistente do m�dico e professor Jos� Feldman. “N�s conseguimos domar um pouco a doen�a com a��o: em vez de esperar a chegada dos doentes, �amos � cata de tuberculosos no interior todo. Era feito o exame compuls�rio de abreugrafia, esp�cie de radiografia mais r�pida, no lugar onde hoje funciona o Minascentro, a ex-Secretaria de Estado da Sa�de. Us�vamos o audit�rio para selecionar os raios-X suspeitos, a partir dos pareceres de tr�s pessoas. O rolo de filme ia passando r�pido e, quando surgia a mancha, um dos peritos mandava marcar o material e investigar a proced�ncia”, explica.
“Meu av� foi internado no sanat�rio de Arosa, perto de Davos, na Su�ca. Ao retornar para o Brasil, n�o poderia voltar a morar no inadequado clima do Rio de Janeiro. Veio se tratar da tuberculose em BH, mas estava t�o fraco que n�o tinha for�as sequer para pegar um palito de f�sforo no ch�o”, confirma o engenheiro Fernando Vianna Furquim Werneck, de 70 anos. Era o ano de 1906 e a capital rec�m-inaugurada contava com um �nico posto de sa�de.
FAMA E CL�NICA O jovem m�dico Hugo Werneck morava em uma casa alugada, que j� n�o existe, na Avenida Jo�o Pinheiro e, mesmo debilitado, por dever de of�cio fazia visitas constantes ao incipiente posto de sa�de. “Um dia, estando l�, Hugo Werneck socorreu uma parturiente que apresentava complica��es, e conseguiu salvar a m�e e a crian�a”, conta o neto. A partir desse epis�dio, voltou a clinicar, pois sua fama de bom m�dico correu longe. Animado, acabou comprando o terreno de ent�o 638 hectares, que apresentava a m�dia anual clim�tica semelhante � de Arosa. Curiosamente, n�o morreria de tuberculose, mas de c�ncer, aos 57 anos.
Erguido em 1928, o sanat�rio Hugo Werneck seria inaugurado com recursos pr�prios do m�dico. Tinha capacidade para 180 leitos, mas durante a epidemia chegou a acolher mais de 250 tuberculosos. Na d�cada de 1970, o pr�dio de mais de 8 mil metros quadrados, que fica numa �rea de 150 mil metros quadrados, se tornaria o Recanto Nossa Senhora da Boa Viagem, vinculado � Funda��o de Obras Sociais da Par�quia da Boa Viagem. Hoje, est� fechado e algumas das suas estruturas est�o em ru�nas.

ENTREVISTA
"� o mal de todos os s�culos"
Colega de profiss�o de Jos� S�lvio Resende, que morreu ano passado, o cirurgi�o tor�cico S�lvio Paulo Pereira, de 73 anos, chegou a operar as chamadas cavernas dos pulm�es afetados pela tuberculose. Ajudou a salvar muitas pessoas em BH e foi assistente do m�dico Jos� Feldman, um dos precursores do enfrentamento da doen�a na capital. Segundo ele, a tuberculose est� longe de ser coisa do passado.
A tuberculose � o mal do s�culo?
Para mim, pode ser chamada de mal de todos os s�culos, porque, quando voc� pensa que a epidemia est� acabando, vem a Aids, abrindo as portas para a tuberculose, e depois vem o c�ncer, que debilita o organismo dos pacientes com a quimioterapia, deixando-os mais vulner�veis ao bacilo.
Como era o tratamento nos sanat�rios quando ainda n�o havia medicamentos?
No in�cio da epidemia, era recomendado o regime higienodiet�tico, que inclu�a repouso e boa alimenta��o, com frutas, leite, carne. Era, na verdade, um SPA ao contr�rio, feito para o sujeito engordar e adquirir resist�ncia. Alguns se curavam. Outros, n�o.
Como era estar tuberculoso durante a epidemia?
J� foi rom�ntico e at� chique ter tuberculose. Os artistas pl�sticos costumavam pintar a figura da mulher t�sica, muito magra e com as ma��s vermelhas, em fun��o da febre alta. Mas a doen�a segregava e separava as pessoas. Era estigmatizante. O medo era tanto que, para conseguir lugar no Cine Brasil, por exemplo, bastava que estudantes de medicina chegassem simulando tosse. A maioria se levantava da plateia e ia embora.
MARCAS DO PASSADO
Adeus, meus sonhos
(�lvares de Azevedo – morto de tuberculose aos 21 anos)
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
N�o levo da exist�ncia uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Mis�rrimo! Votei meus pobres dias
� sina doida de um amor sem fruto,
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.