(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Viciado em crack vaga h� quatro anos pelo Bairro Lagoinha, em BH

Clene�lson dos Anjos Fernandes, de 33 anos, foi batizado de novo.Nas ruas, virou Cleiton. O nome � conhecido nas imedia��es da Pedreira Prado Lopes, aglomerado tido como maior fornecedor de crack de Belo Horizonte.


postado em 12/08/2015 06:00 / atualizado em 24/08/2015 08:55

Cleiton vaga há quatro anos pelo Bairro da Lagoinha e tenta ser uma espécie de líder de usuários. Internou-se uma vez. Não deu certo. Magro e agressivo, resiste em voltar ao tratamento. ''Quero ir,mas agora não dá'' é resposta comum a apelos por nova tentativa de recuperação.(foto: Marcos Michelin/Beto Magalhães/EM/D.A PRESS)
Cleiton vaga h� quatro anos pelo Bairro da Lagoinha e tenta ser uma esp�cie de l�der de usu�rios. Internou-se uma vez. N�o deu certo. Magro e agressivo, resiste em voltar ao tratamento. ''Quero ir,mas agora n�o d�'' � resposta comum a apelos por nova tentativa de recupera��o. (foto: Marcos Michelin/Beto Magalh�es/EM/D.A PRESS)


Na Pedreira Prado Lopes, pedras de crack s�o vendidas a R$ 10. A proximidade com o tr�fico fez do entorno do aglomerado o maior ponto de consumo em Belo Horizonte. Ao cair da noite, homens e mulheres, cachimbo na m�o, descem do morro para o lugar que se convencionou chamar de cracol�ndia. Eles se ajeitam em grupos ao longo de ruas mal iluminadas. Esbarram nos pared�es de cimento dos viadutos. O que mais impressiona n�o s�o os trapos de roupas, a sujeira da pele ou os cachimbos sempre acesos. S�o os olhos vazios, a paranoia do crack. A noia, na g�ria deles.


� in�cio de fevereiro. O grupo parece em outro mundo. Para despert�-los, a Kombi do sop�o buzina. Sem se alimentar por dias seguidos, viciados perdem peso r�pido. De repente, da escurid�o, surge um homem magro. “� o fantasma, � o fantasma!” A apari��o de Clene�lson dos Anjos Fernandes, o Cleiton, tira os outros usu�rios de crack do torpor. Ele est� com o corpo coberto de tinta branca.

“Quem fez isso com voc�, Cleiton?”, pergunta a mo�a do sop�o. Cleiton n�o sabe o que responder. Confuso, fala em “pegar” quem fez isso com ele. Revoltado, amea�a a todos com os punhos prontos para lutar. “Vou comprar um litro de t�ner, jogar no corpo e botar fogo”, amea�a, enquanto tenta descascar a tinta com as unhas, arrancando pequenos peda�os do corpo. Os olhos ficam mais vermelhos – h� de fazer mal ter tinta de parede cobrindo o corpo. Ainda agoniado, Cleiton n�o titubeia em fazer um pedido, ao notar a presen�a da reportagem: “Me d� R$ 10?”, pergunta. Segue-se o di�logo:

– O que voc� est� me pedindo?
– Estou pedindo R$ 10 para comprar crack. Comigo � assim. Vou logo falando a verdade.
– Vamos fazer diferente. Se fosse eu pedindo, voc� daria esses R$ 10?
– Claro que n�o!
– Est� vendo, Cleiton, voc� � um rapaz inteligente. � s� usar a cabe�a que vai sair dessa.
– Preste aten��o. Escuta aqui: eu n�o sou inteligente (pausa). Eu sou fraco. Ouviu? Sou fraco.

Cleiton � filho de Edith dos Anjos Fernandes, dona de duas barracas de alimenta��o na Feira de Artesanato da Avenida Afonso Pena. Filho do meio, era tido pela fam�lia como inteligente e trabalhador. Aos 18 anos, engravidou uma namorada de 14. Passou a morar com a mulher e o beb� no lote da m�e, em Betim. Gostava de capinar o quintal e de cuidar de flores. Quando o filho fez 4 anos, a namorada tornou a engravidar. Dona Edith cobrou uma postura mais madura do casal. Eles se separaram. A mulher voltou para a terra natal, no Esp�rito Santo, onde cuida das duas crian�as. Cleiton enfiou a cara nas drogas. Chegou a receber propostas de emprego de um tio, dono de estacionamento, mas recusou. Viciou-se em crack em 2002. Sete anos depois, foi morar nas ruas. “Ningu�m acredita em mim, mas estou louco para sair desta vida”, jura.

H� raz�es para duvidar da palavra do ex-jardineiro, hoje catador de sucata. Figura constante nos arredores da Pedreira Prado Lopes – onde em 2012 j� havia sido flagrado pelas lentes do fot�grafo T�lio Santos, na foto principal desta p�gina –, ele recusa sistematicamente apelos para se tratar. No dia seguinte ao primeiro encontro com a equipe do EM, por exemplo, Cleiton demonstrou resist�ncia em sair das ruas. A reportagem o localizou na Lagoinha. O pastor Wellington Vieira, do Centro de Recupera��o de Dependentes Qu�micos (Credeq), acompanhava a visita e ofereceu uma vaga na comunidade terap�utica em Ravena, na Grande BH. Num primeiro momento, Cleiton demonstrou entusiasmo. Relembrou que esteve no lugar. “J� fui muito bem tratado l�”, diz. “E ent�o, vamos?”, pergunta o pastor. A resposta � r�pida: “Quero ir, mas agora n�o d�. T� esperando uma pedra”.

O pastor balan�a a cabe�a. “Para casos como este, com mais de 12 anos de consumo, precisaria ter a interna��o compuls�ria”, diz, referindo-se � possibilidade de submeter usu�rios com alto grau de depend�ncia a tratamento for�ado. Mas a rela��o de Wellington Vieira com Cleiton n�o pararia por ali. No dia seguinte, cedo, o pastor recebe telefonema da m�e do rapaz. Edith liga em nome do filho, que teria manifestado a vontade de ir para Ravena. Edith esperava havia muito tempo por um novo sinal por parte do filho. Paciente, o pastor orienta a mulher a seguir at� a cracol�ndia e se encontrar com Cleiton � tarde. Ela vai.

Edith se assusta com a apar�ncia do filho, que surge na hora marcada com a pele descascada e o cabelo endurecido de tinta. Ela o abra�a, sem se preocupar em sujar a roupa clara. Ele chora. O encontro se arrasta por quase duas horas, at� que Edith percebe que o filho n�o quer se internar. Quando o catador de sucata tenta tirar proveito da situa��o e pede R$ 10 � m�e, recebe um ultimato. “Se voc� gosta mesmo de mim, Cleiton, vem comigo”, implora. Ele n�o vai. E passa os meses seguintes sem dar ind�cios de que ir�.

Um m�s depois, Cleiton � novamente localizado na Lagoinha. Est� com a barba maior e mais agressivo. N�o poupa nem Simone, sua companheira nas ruas, que aparece enrolada em um cobertor. “A paix�o dela � o crack”, diz, enquanto segura com viol�ncia o pesco�o da mulher. Ela reclama e leva um chute. Passados dois meses, Cleiton ainda est� na Lagoinha, com Simone. Desta vez, n�o quer conversa. “Sei o que prometi a voc�, mas hoje n�o vai dar!”, grita. Em julho, o casal est� de “casa” nova, embaixo de outro viaduto. H� sangue escorrendo pelo bra�o do rapaz: ele acabara de levar uma facada da companheira. “Ela � filha de Satan�s!”, grita, ao notar a presen�a da reportagem.

Montanha, tamb�m usu�rio, est� por perto. Surpreendentemente, ele se interessa pela conversa quando o assunto � a possibilidade de um tratamento em Ravena. Montanha demonstra curiosidade e Cleiton responde �s indaga��es do colega. “L� tem duas piscinas, comida boa, rem�dio… J� fiquei seis meses”, conta. Cleiton chega a assegurar que o tratamento d� certo. Mas, ao perceber que est� se enredando, escapa pela tangente. “S� vou se, antes, tiver dinheiro para fumar duas pedras.” O que se segue � uma mudan�a repentina de humor. Decepcionado, Montanha atravessa a avenida no meio dos carros e vai embora sem olhar para tr�s. Cleiton, de novo, fica agressivo. “Saiam daqui! N�o quero ver voc�s nunca mais.”

Na marra?

A interna��o compuls�ria, sugerida por representante de comunidade terap�utica para o caso de usu�rios com alto grau de depend�ncia, como o ex-jardineiro Cleiton, prev� reclus�o contra a vontade do paciente, por meio de decis�o judicial. A medida divide especialistas. Uma parte a defende, como passo essencial para garantir a sobreviv�ncia de viciados. Outros consideram que a medida fere a cidadania de usu�rios e n�o garante tratamento eficaz a longo prazo.

Portas abertas

O Centro de Recupera��o de Dependentes Qu�micos (Credeq), que ofereceu vaga de interna��o a Cleiton, � uma das 29 comunidades terap�uticas credenciadas pelo Estado para atuar no tratamento de usu�rios de �lcool e drogas. A associa��o sem fins lucrativos, comandanda pelo pastor evang�lico Wellington Vieira, tem espa�os em Ravena, distrito de Sabar�, e em Lagoa Santa. L�, 99% dos pacientes s�o viciados em crack. O tratamento dura seis meses.

Sopa semanal

Toda quarta-feira, a partir das 19h, uma equipe de cinco volunt�rios do Projeto P�o Nosso, da Par�quia Santa Catarina, do Bairro Dona Clara, Regi�o Norte de BH, distribui sopa no Bairro da Lagoinha. A equipe se diz preocupada com o aumento do n�mero de usu�rios nas ruas. H� dois anos a distribui��o de sopa come�ava �s 19h e terminava por volta da meia-noite. Hoje, os mesmos 200 potes n�o duram al�m das 21h30.

15
� a m�dia mensal de interna��es por transtorno mental determinadas pela Justi�a mineira por uso de �lcool e drogas, como o crack.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)