
O entendimento de dois dos tr�s ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que j� votaram no processo que vai definir se a posse de drogas para consumo pessoal � ou n�o pass�vel de pena abriu caminho para que pelo menos o uso de maconha n�o seja considerado crime. Historicamente, a maconha � a subst�ncia entorpecente mais apreendida pelas for�as de seguran�a p�blica. Neste ano, ela representou 47,85% das drogas apreendidas pela pol�cia mineira na capital, 50,80% na Grande BH e 55,75% no interior. Mas n�o h� um consenso sobre o que mudar� com a descriminaliza��o, pois, enquanto a Pol�cia Civil declarou que grandes quantidades e situa��es de tr�fico continuar�o a ser reprimidas, especialistas em sa�de p�blica e mental alertam que a permiss�o de posse de pequenas quantidades pode criar a modalidade de tr�fico-formiguinha, de pequenas por��es por vez.
Enquanto o relator Gilmar Mendes votou em agosto pela descriminaliza��o do porte de todos os t�xicos em situa��o de uso pessoal, na quinta-feira os ministros Lu�s Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin se manifestaram a favor da despenaliza��o apenas da posse de maconha para consumo particular. Ainda faltam os pareceres de oito ministros para definir a quest�o. O ministro Teori Zavascki pediu vista ao processo, o que suspendeu a vota��o. Faltam, al�m de Zavascki, os pareceres de C�rmen L�cia, Celso de Mello, Dias Toffoli, Luiz Fux, Marco Aur�lio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Atualmente, n�o � pequena a quantidade de pessoas detidas por posse de entorpecentes em por��es que os ju�zes consideraram de uso pessoal e que por isso receberam penas como trabalho em institui��es de tratamento de dependentes qu�micos ou pagaram multa. Em levantamento feito pelo Estado de Minas nos processos publicados pelo Di�rio do Judici�rio, em 2014, dos 642 casos relativos � Lei Antidrogas em Belo Horizonte, 143 (22%) eram de condena��es pelo artigo 28, que trata de quem � pego com quantidade para pr�prio uso, sendo os demais relativos a tr�fico, plantio e dep�sito de subst�ncias entorpecentes.
Para o psiquiatra Valdir Ribeiro Campos, da Comiss�o de Depend�ncia Qu�mica da Associa��o Brasileira de Psiquiatria, qualquer subst�ncia que cause depend�ncia deveria ser controlada, e a descriminaliza��o pode funcionar como porta para nova estrat�gia para traficantes fazerem seu com�rcio ilegal e aliciar novos consumidores. “Se voc� legalizar a droga, vai permitir que o pequeno portador se torne interessante para o traficante. Ele vai poder aumentar o n�mero de pessoas portando a droga para pass�-la para outros, o que vira tr�fico como j� conhecemos”, afirma. De acordo com o psiquiatra, a Lei Antidrogas j� n�o trata o usu�rio como criminoso. “N�o vejo usu�rios sendo presos, apenas sujeitos a penas alternativas. O juiz d�, se � dependente. Nas cl�nicas em que trabalho, recebo interna��es compuls�rias. O juiz determina o tratamento e o Estado paga se (o dependente) n�o tiver condi��es. S� vejo traficante sendo preso”, afirma.
J� o chefe do Departamento de Investiga��o Antidrogas de Belo Horizonte, delegado M�rcio Lobato, disse o tr�fico continuar� sendo definido por uma grande quantidade, arbitrada pelo juiz, e por quem esteja plantando, transportando, guardando ou oferecendo as subst�ncias, entre outras atitudes que caracterizam o crime, segundo o artigo 33 da Lei Antidroga. “A conduta do agente � que pode caracterizar essa infra��o penal. � �bvio que algu�m que porte grande quantidade de drogas, quilos, toneladas, jamais poder� alegar que seria para o consumo pr�prio.”
O processo em vota��o no STF refere-se a um mec�nico que assumiu a posse de tr�s gramas de maconha numa carceragem de Diadema (SP). A Defensoria P�blica argumenta que o artigo 28 da Lei Antidrogas, que define penas alternativas e multa para quem porta entorpecentes em quantidade de uso, fere os princ�pios constitucionais da intimidade e da individualidade e que a pessoa n�o prejudica a sociedade com essa a��o, n�o podendo, portanto, ser punida. Se a maioria simples dos 11 ministros considerar o artigo inconstitucional para maconha, a posse da subst�ncia em quantidades de uso individual pode ser despenalizada. O mesmo pode ocorrer para todas as drogas, se o entendimento dos ministros for mais amplo.
Ponto cr�tico
Voc� � a favor da descriminaliza��o da maconha?
Felipe Martins Pinto,
professor de Direito da UFMG e membro do Conselho de Criminologia e Pol�tica Criminal (CCPC)
A FAVOR
Em primeiro lugar, outros pa�ses em que temos nos espelhado t�m, de maneira crescente, tratado a quest�o do consumo de drogas pela sa�de p�blica, e n�o pelo direito penal. O usu�rio � visto mais como um doente do que como algu�m que mere�a uma pena. O esvaziamento penal permite que trabalhemos como devemos com as drogas l�citas, como �lcool e outras subst�ncias, pois n�o � s� o il�cito que ofende a sa�de. Com isso, n�o se est� fazendo apologia do uso, mas reconhecendo que o direito n�o � o espa�o adequado para dar a resposta para essa quest�o. Dizer que a descriminaliza��o pode estimular o consumo � um racioc�nio simplista, que n�o procede. Se fosse assim, todas as pessoas beberiam e fumariam, por serem a bebida e o cigarro drogas l�citas.
Psiquiatra Valdir Ribeiro Campos,
da Comiss�o de Depend�ncia Qu�mica da Associa��o Brasileira de Psiquiatria
CONTRA
N�o posso ser a favor de legalizar qualquer subst�ncia que leve � depend�ncia ou traga danos diretos e indiretos � sa�de humana. Temos dois exemplos legalizados, o �lcool e o cigarro, que j� provocam doen�as e enormes despesas para os sistemas de sa�de e previdenci�rio, danos que poderiam ser ampliados com a legaliza��o de outras drogas. Indiretamente, essas drogas podem ainda levar a um aumento no n�mero de acidentes de tr�nsito. H� muito tempo se luta para reduzir o consumo de �lcool e assim diminuir os acidentes, e, no caso de outras drogas, precisar�amos de pesquisas para ter um certo controle. Atendo caminhoneiros que cheiram coca�na ou fumam crack e motoristas de �nibus que fazem o mesmo antes de pegar a dire��o conduzindo 40 vidas. O uso de drogas afeta n�o apenas os usu�rios, mas exp�e tamb�m suas fam�lias e outras pessoas da sociedade a situa��es advindas da depend�ncia.