O aposentado Hito faz parte de um grupo de pessoas que escolheu adotar o estilo slow life, em portugu�s algo como desacelerar a vida, reduzindo ainda os padr�es de consumo. Uma turma que, por esse mesmo motivo, est� tamb�m mais abrigada de crises econ�micas, como a atual. Esse comportamento vem desencadeando uma revolu��o silenciosa entre jovens ou aposentados, integrantes de classe m�dia alta ou universit�rios no come�o de carreira, homens ou mulheres. Em comum entre essas pessoas, est� a vontade de simplificar o cotidiano e tentar ser mais felizes.
Pisar no abrigo que Hito e Luzia escolheram para viver, por exemplo, � um privil�gio. A sala de visitas est� localizada do lado de fora da casa, entre �rvores antigas e novas. Em volta de um jardim secreto, decorado com imagens religiosas e cristais, est�o posicionadas duas espregui�adeiras e uma rede. Naquele cantinho m�gico, nenhum convidado se assenta em �ngulo de 90 graus: � obrigado a se reclinar, com os olhos voltados para o c�u terrivelmente estrelado � noite, distante dos postes de ilumina��o artificial. “A ess�ncia de viver de maneira mais simples � viver de maneira aut�ntica”, est� escrito na plaqueta, apoiada no p� de mexerica ponkan.
De maneira natural, todos os que chegam tiram os sapatos, sem que ningu�m pe�a. Em menos de cinco minutos, um dos convidados cai em sono profundo. Hito se ajeita na rede. Torna a se levantar, incomodado. Vai em casa buscar uma almofada para a �nica pessoa que ainda estava de p�. Agora sim, est�o todos bem. S� ent�o o carioca come�a a liberar p�lulas de conversa, mineiramente. “Eu me considero um privilegiado, por ter escolhido viver com pouco dinheiro, por volta de 25% do total que eu costumava gastar”, afirma Hito, pensativo, enquanto faz um carinho na vira-latas Brisa.
Contabilidade
� inevit�vel pedir novos c�lculos a Hito: “Com essa decis�o, voc� considera ter atingido o patamar de, em m�dia, quantos por cento a mais de felicidade?”. Desta vez, ele responde r�pido. “Pode colocar uns 100%. Para mais”, diz o aposentado, abrindo o primeiro de muitos sorrisos. Ele conta j� ter passado pelo purgat�rio, trabalhando 10 anos em Bras�lia e dois em seringais da Amaz�nia. Agora, optou por ter sossego. “Gosto de ver tev�, mas o aparelho ainda n�o coube aqui em casa”, diz ele, mostrando a estante de livros. “Uma frase de que gosto muito � de um livro da fam�lia Sch�rmann (famosa por velejar pelo mundo): ‘Se a morte vier me buscar, ter� de procurar por mim por esses mares’. N�o ir� me encontrar vendo tev�, sentado no sof�”, diz Hito, deixando escorrer uma l�grima.
Por fim, o velejador que curiosamente aportou bem longe do mar pergunta se algu�m estaria com sede. O calor � demais e o sinal � positivo. Hito ent�o colhe um coco do coqueiro-an�o plantado no quintal. Abre-o com um fac�o, demonstrando habilidade (ele mesmo est� fabricando prateleiras e m�veis da casa, de madeira reciclada). Serve a �gua doce, natural. Precisa de algo mais para ser feliz?
Exemplo para nova gera��o
“Quando engravidei, caiu a ficha: quero ser um exemplo para a minha filha”, refletiu a estudante de antropologia Cec�lia Lobo, de 23 anos. Ela e o companheiro Andr�, estudante de ci�ncias sociais, decidiram radicalizar o padr�o de baixo consumo da fam�lia. Aos 6 meses, a pequena Elis veio ao mundo com um enxoval de desapegos, que vai das roupas ao ber�o, todos doados por familiares.
Para ser uma m�e melhor, Cec�lia se dedica a amamentar exclusivamente no peito. A filha nunca usou chupeta e nem sabe o que � mamadeira. Al�m disso, Elis n�o tem orelhas furadas e usa pe�as de todas as cores do arco-�ris, do rosa ao azul. “Aqui em casa a gente aproveita tudo. Quando ela tiver senso cr�tico mais desenvolvido, poder� escolher o que vai querer vestir”, explica Cec�lia, que desde o nascimento da pequena assumiu os pr�prios cachos. “Alisava meus cabelos desde os 12 anos. Isso deixou de fazer sentido, j� que minha filha teria o mesmo tipo de cabelo meu e do meu marido”, compara.
Por seguirem carreira acad�mica, m�e e pai pretendem dedicar mais tempo � cria��o da filha, se poss�vel trabalhando dentro de casa, dividindo igualmente as fun��es. O casal de jovens s� se desloca de �nibus ou a p� pela cidade. Ali�s, nenhum dos dois nem sequer chegou a tirar carteira de habilita��o. Elis agradece, feliz da vida, presa ao corpo da m�e em uma esp�cie de beb�-canguru. “Basta tentar circular �s 18h. A cidade j� n�o comporta mais carros. A Terra n�o comporta nosso padr�o de consumo. J� est� mais do que na hora de desacelerar e come�ar a viver de um jeito em que a gente n�o destrua um ao outro!”, defende.
Ativista das ciclovias, o jornalista ambiental Gil Sotero, de 37, vai e volta diariamente de bicicleta de casa para o trabalho, do Bairro Buritis, na Regi�o Oeste, at� a C�mara Municipal de BH, na Leste. Para facilitar, combinou com amigos de guardar a bike no escrit�rio, no Centro da cidade, e seguir de �nibus o restante do trajeto. “Andar de bicicleta me fez repensar os h�bitos como consumidor. Passei a comprar mais no com�rcio local. N�o teria sentido ir pedalando a shoppings, por exemplo. Outra coisa � que n�o d� para carregar muitas sacolas na bike. Descobri que menos � mais”, diz Sotero, tamb�m adepto do slow fashion, aprendido nas idas a Nova York: “L� fora, observei que todos os meus amigos frequentavam brech�s de roupas masculinas. Eu chegava a gastar R$ 500 em roupas. Comprando em brech�s, invisto R$ 150 pelo triplo das pe�as”.
Sal�rio de R$ 11 mil recusado
“N�o � que as passagens de �nibus baixaram?”, sorri ele, em uma cafeteria no cora��o da Savassi, onde adora passar a tarde, � toa, conectado ao computador e assistindo � correria insana das pessoas, especialmente no hor�rio do rush. Ao marcar a conversa, sugere antecipar a reuni�o para a faixa das 15h ou 15h30. “� que, nesse hor�rio, os �nibus est�o vazios. Nosso sistema de transporte coletivo n�o � dos melhores, mas existe e � funcional”, avalia. “Voc� s� precisa estar disposto a andar quatro quarteir�es a mais por dia, o que faz at� bem para a sa�de. At� eu, que sou bem pregui�oso, dou conta”, ironiza.
Segundo Danilo, a vantagem de fazer as pr�prias regras no trabalho � que ele pode passar a tarde de quarta-feira com o filho, brincando no Parque Municipal. O analista garante ser diferente do lazer nos fins de semana, em que a divers�o � disputada com centenas de concorrentes nas filas. “� dif�cil captar trabalhos que paguem bem, mas o d�lar est� compensando. Insisto em ser honesto comigo mesmo. N�o quero ficar todos os dias trabalhando 10, 12 horas para encher a cara na sexta-feira, tentando esquecer que estou exausto. As pessoas me criticam, porque pensam que vivem em uma zona de conforto. Mas minha maior ambi��o � estar feliz todos os dias”, afirma.