
No �ltimo s�bado de agosto, perto das 16h, M�rio Eug�nio da Mata deu o �ltimo bocejo antes de deixar a cama. O agricultor completou 95 anos este ano, mas a disposi��o para as caminhadas n�o diminuiu com a idade. De �nibus, ele saiu bem cedo de Sabar� para a Serra da Piedade, em Caet�, onde um percurso de 2,5 quil�metros montanha acima o aguardava. Devoto de Nossa Senhora da Piedade, ele tinha um motivo para participar da peregrina��o que atraiu perto de 10 mil pessoas ao santu�rio no dia da padroeira de Minas Gerais: agradecer pela vida.
O p�blico era majoritariamente masculino, formado por jovens, homens de meia-idade – alguns pouco menos idosos que M�rio – e at� crian�as, romeiros de diversas profiss�es, classes sociais, moradores do campo e das cidades, sozinhos, em fam�lia ou com amigos, vindos de v�rios pontos do estado se moviam em dire��o a Ermida.
Jardim natural, o santu�rio ecol�gico encravado na serra a uma altitude de 1.746 metros inspira mesmo a medita��o. Para os romeiros de primeira viagem, a impress�o � de que ali, entre o cerrado e a mata atl�ntica, a paz chega mais r�pido, afasta a correria da mente. Muitos afirmam que, � medida que sobem a serra, t�m a sensa��o de estar mais perto de Deus.
Prestes a completar 250 anos de peregrina��es, a Serra da Piedade espera receber 500 mil visitantes em 2015, segundo a Arquidiocese de Belo Horizonte. O crescimento das romarias impressiona: em 2010, 30 mil peregrinaram ao santu�rio, menos de um d�cimo do total esperado neste ano.
Como se tivesse 20 anos menos, M�rio Eug�nio se misturou com tranquilidade � multid�o. Usando um fino capuz de l� e agasalho que parecia n�o ser suficiente para um homem de sua idade, ele vencia o vento gelado do in�cio da manh�. Desde bem jovem, o hoje agricultor aposentado � devoto da m�e de Jesus. Segundo ele, foi por um milagre da Santa Maria que ele salvou a vida de uma crian�a, de cinco anos, no Rio Para�na, em Diamantina. “Quando a tirei do fundo do rio, ela estava im�vel e praticamente morta. Sua vida certamente foi um milagre realizado por minhas m�os. Naquele dia, eu me senti aben�oado e muito feliz”, conta.
Com um sorriso f�cil, o fiel acredita que tem motivos para agradecer. “Uma vida com muita sa�de. Um casamento feliz, que durou mais de 60 anos. A morte bonita de minha mulher.” Por esse motivo, ele � um peregrino cativo. S� a esse santu�rio foram mais de 30 romarias.

Segundo o estudioso, as religi�es de modo geral – cat�lica, evang�licas, esp�rita, as cren�as com origem africanas e outras muitas, com menor n�mero de fieis – convivem em harmonia no pa�s e exercem uma fun��o importante de agrupamento social. “Muitas vezes, o Estado n�o sabe que uma pessoa existe, mas a igreja sabe.”
Falante e animado, o aposentado Ad�o Moreira, de 57, morador de Lagoa Santa, conta que foi alvo de um milagre da santa. Ele enfrentou um c�ncer no es�fago, fez tratamentos com quimioterapia e radioterapia e emagreceu mais de 10 quilos em sua batalha pela vida. Curado e bem-disposto, ele lembra que a recupera��o aconteceu depois de uma promessa que fez no leito do hospital � Virgem Maria. “Logo depois, comecei a melhorar. Fui atendido e curado, aben�oado com um milagre”, diz. A experi�ncia fortaleceu sua f� e ele se tornou um peregrino, participa de grupos semanais de ora��es e frequentemente percorre lugares considerados santos para renovar sua gratid�o pela vida.
Para o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira, o crescimento das romarias � um sinal de fortalecimento da f�. Ele explica que o milagre descrito pelos fi�is pode ser compreendido como uma for�a espiritual de convers�o e transforma��o e os centros de espiritualidade s�o locais para viver essa experi�ncia. “Milagre n�o � uma m�gica, � quando Deus, pela for�a de sua gra�a, nos devolve n�o s� uma inteireza f�sica, mas moral e espiritual. Pode, sim, atingir a condi��o f�sica, mas a grande gra�a � a cura moral e interior que nos devolve a alegria e o sentido de viver.”
O casal Juliano Wagner Santos, de 41, e Maria Teresa Medeiros, de 36, ambos servidores p�blicos de Belo Horizonte, acredita que a peregrina��o � uma pr�tica religiosa. “Faz parte do conv�vio com Jesus Cristo. � um sinal de agradecimento pelas gra�as recebidas todos os dias”, diz Juliano.
Um encontro de padroeiras
No encerramento do jubileu da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, uma “convidada” muito especial subiu a Serra da Piedade, em Caet�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Com ora��es, c�nticos e aplausos, centenas de fi�is receberam a imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida, padroeira dos brasileiros, cujo dia foi festejado ontem no pa�s, em especial no santu�rio nacional dedicado a ela em Aparecida (SP). Durante missa celebrada �s 15h na Serra da Piedade, o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo, ressaltou que a data � motivo de alegria e de a��o de gra�as. “A devo��o a Nossa Senhora � oportunidade de fortalecermos os caminhos que nos levam a Jesus.”
�s 11h, na Igreja Nova das Romarias, o reitor do santu�rio, padre Fernando C�sar Nascimento, e o vice-reitor, padre Carlos Ant�nio da Silva, celebraram missa com a presen�a de tr�s representantes de igrejas de rito oriental: dom Edgar, bispo da Maronita, dom Jos�, da Melquita, e Monsenhor Michel, da Igreja Nossa Senhora do L�bano. Logo em seguida, houve prociss�o com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, pertencente ao acervo do santu�rio, seguindo-se um imenso manto branco, carregado por peregrinos, com uma pintura de Nossa Senhora da Piedade.
Durante o jubileu, iniciado em 26 de julho, o Santu�rio Estadual de Nossa Senhora da Piedade recebeu quase 400 mil visitantes. Ontem, o servidor p�blico Jeyffers Domingues, morador do Bairro S�o Geraldo, na Regi�o Leste de BH, saiu cedo de casa com a mulher Mar�lia e as filhas J�lia, de 12 anos, Mariana, de 6, e Alice, de 2, para participar das homenagens �s padroeiras de Minas e do Brasil. “� a primeira vez que estamos aqui. Tudo � muito bonito, o patrim�nio, a paisagem, o lugar. As meninas est�o gostando muito”, disse Jeyffers, pouco antes de acompanhar a prociss�o sob sol forte.
Enquanto esperava uma turma de amigos para seguir viagem, a estudante de letras Vanessa de Santis, de 22, residente em Ub�, na Zona da Mata, admirava a ermida constru�da no s�culo 18 e que abriga a imagem de Nossa Senhora da Piedade, esculpida por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814). “Est�vamos passando o feriado no Santu�rio do Cara�a e, na volta, pedimos indica��o a umas pessoas sobre outros lugares para conhecer na regi�o. Falaram sobre a serra e valeu a pena”, comentou a jovem. (Gustavo Werneck)

“H� sete anos, desde que nos casamos, minha esposa, Jane de Lourdes, tentava engravidar. A gente sempre quis e desejou ter um filho. Ela perdeu uma crian�a e chegou a ir para o hospital em estado grave. Minha esposa tamb�m teve miomas no �tero e passou por duas cirurgias. Os m�dicos chegaram a dizer que n�s n�o poder�amos ter filhos. Ficamos muito apreensivos com o diagn�stico. Como eu frequento o ter�o dos homens, decidi pedir uma gra�a � Virgem Maria. Fiz o pedido com muita f�, h� oito meses. Hoje estou aqui, na Serra da Piedade, fazendo essa caminhada em agradecimento, estou cumprindo parte de minha promessa � Virgem. Minha mulher est� gr�vida de quatro meses, tendo uma gesta��o tranquila e saud�vel, apesar de tudo o que ela enfrentou. Meu pedido foi atendido, e o beb� deve nascer em 23 de janeiro de 2016. Estou aqui para agradecer esse milagre, agradecer pela crian�a que vai nascer na nossa fam�lia. ”
Jos� Roberto Zanella, de 43 anos – lustrador de m�veis, de Governador Valadares, durante romaria na Serra da Piedade
PEREGRINA��ES Desde domingo, o Estado de Minas publica uma s�rie especial de reportagens sobre romarias no Brasil. Na estreia, foram mostradas as visitas de multid�es de fi�is a Congonhas (MG) e Bel�m (PA), e, na sequ�ncia, a Aparecida (SP). Amanh�, a viagem segue com as homenagens ao Padre Victor, em Tr�s Pontas, no Sul de Minas, que ser� beatificado nom�s que vem.