
Na �poca, o Bairro Suzana, na Regi�o da Pampulha, n�o era bairro nem tinha esse nome. “Era uma comunidade de, no m�ximo, 20 a 30 moradores, nada mais”, afirma o aposentado, mais conhecido como Calu. “Felizmente, a �gua n�o chegou � nossa casa, pois seguimos a orienta��o do inspetor Pimentel e sa�mos logo. Essa hist�ria de Mariana deixou todo mundo triste, houve mortes e destrui��o do meio ambiente num tempo muito curto. J� a barragem da Pampulha foi arrebentando aos poucos”, conta Calu.
O rompimento da estrutura de 20 metros de altura, inaugurada em 1938 para abastecimento de �gua em BH, na primeira administra��o (1935 a 1938) do prefeito Otac�lio Negr�o de Lima (1897-1960), despertou a aten��o da capital, ent�o com 500 mil habitantes. “Fomos l� para olhar a fenda na represa, a �gua descia em dire��o ao aeroporto”, conta Calu. Quem tamb�m se lembra dessa como��o p�blica � o comerciante Raimundo Silva, o Vadico, de 85, vi�vo, pai de quatro filhos, morador do Suzana desde 1966.

SEM AS LETRAS Antes do rompimento da barragem, h� 61 anos, os passageiros que sobrevoavam a lagoa partindo do aeroporto podiam ler as palavras Pampulha e Belo Horizonte gravadas em letras gigantes na estrutura de cimento, alvenaria e terra – a fenda, conforme mostram as fotos a�reas feitas pela equipe da extinta revista O Cruzeiro, atingiu exatamente as s�labas “zon” e “pulha”. O diretor do Arquivo P�blico da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), historiador Yuri Mello Mesquita, explica que o vazamento na represa, resultado de uma fissura, foi detectado em 16 de abril daquele ano. “Na �poca, a cidade, com cerca de 500 mil habitantes, registrava uma s�rie de problemas estruturais, entre eles ruas com muitos buracos, lixo sem recolher, enchentes e falta de �gua e de escolas.”
Nesse cen�rio, em que ainda n�o havia a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), a prefeitura era a respons�vel pelo fornecimento de �gua e tratamento do esgoto urbano. Ent�o, o prefeito Am�rico Renn� Giannetti e o governador do estado, Juscelino Kubitschek, se uniram para encontrar uma solu��o: a primeira foi abrir duas comportas do reservat�rio, a fim de esvazi�-lo, e tentar soldar a fissura. “O fato criou uma como��o na cidade, e, desde o dia 16, as autoridades foram a p�blico passar uma mensagem de tranquilidade, dizendo � popula��o que a barragem n�o se romperia”, afirma Yuri, autor da disserta��o de mestrado Jardim de asfalto – �gua, meio ambiente e canaliza��o e as pol�ticas p�blicas de saneamento b�sico em Belo Horizonte (1948-1973).
O historiador conta que, ao mesmo tempo, come�aram as campanhas de vacina��o dos moradores das �reas atingidas pela �gua da Pampulha, que afetou a regi�o do Vale do Ribeir�o do On�a, chegou ao Rio das Velhas, passou por Santa Luzia, na regi�o metropolitana, e seguiu em dire��o ao Rio S�o Francisco. “Havia o temor de epidemia de doen�as de veicula��o h�drica. BH tinha muitas epidemias de esquistossomose e gastroenterite”, acrescenta Yuri. O Estado de Minas documentou todas as etapas e estampou a manchete: “Fendeu-se a represa da Pampulha na manh� de sexta-feira.” O texto dizia: “A torrente violenta causou estragos de monta, destruiu obras, arrasou casas e colocou muitas fam�lias ao desabrigo.”

As explica��es do engenheiro construtor Ajax Rabelo n�o diferem muito dos esclarecimentos de hoje. Ele disse: “O acidente � quase comum em barragens de terra, como � o caso da Pampulha. A barragem � muito grande, feita sobre aterro e a press�o da �gua, enorme, pois na Lagoa da Pampulha est�o 18 milh�es de metros c�bicos de �gua. Da�, pode-se imaginar a press�o (…). Houve um movimento maci�o da barragem que trincou o concreto, fato comum em barragens de terra”.
Passado o “sufoco”, conforme descreveu Calu, foi convocado para a empreitada de reconstru��o o engenheiro Luiz Vieira, vindo do Rio de Janeiro e colaborador da obra em 1937. Segundo Yuri, n�o se chegou a um consenso sobre causas e responsabilidades do rompimento. Ocorreu, na sequ�ncia, um jogo de empurra, com acusa��es m�tuas das autoridades municipais e estaduais, al�m de culpa ao prefeito anterior, respons�vel por erguer a barragem. Conforme os jornais da �poca, n�o houve registro de danos ao patrim�nio arquitet�nico moderno projetado, na d�cada anterior, por Oscar Niemeyer (1907-2012) – Igreja de S�o Francisco, Casa do Baile, Cassino, atual Museu de Arte da Pampulha, e outros monumentos que maravilham os olhos do mundo.
"Novo e pitoresco bairro"
A constru��o da barragem da Pampulha se deu bem antes da implanta��o do conjunto arquitet�nico moderno projetado por Oscar Niemeyer. Ao erguer a estrutura para capta��o de �gua, inaugurada em 1938, o ent�o prefeito Otac�lio Negr�o de Lima j� vislumbrava a possibilidade de a regi�o se tornar “um novo e pitoresco bairro”, conforme os relat�rios da sua administra��o. Hoje, o epis�dio do rompimento da barragem, em 1954, � uma p�gina virada na hist�ria da Pampulha, que atrai os olhos do mundo para a import�ncia arquitet�nica e pretende se tornar patrim�nio cultural da humanidade, t�tulo concedido pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, Ci�ncia e Cultura (Unesco). O resultado ser� divulgado em junho, em Istambul, na Turquia.
CRONOLOGIA
Pampulha em tr�s d�cadas
1938 - Inaugura��o da barragem da Pampulha. O objetivo inicial � fornecimento de �gua � popula��o
D�cada de 1940 - Implanta��o do conjunto arquitet�nico moderno projetado por Oscar Niemeyer
1954 - Em 16 de abril, fenda na estrutura leva autoridades a emitir alerta para popula��o abandonar casas
1954- Em 20 de abril, barragem arrebenta, inunda o aeroporto e atinge toda a regi�o do vale do Ribeir�o do On�a