
“De morador de rua a poeta.” � com essa frase que Roberto Nascimento, um valadarense de 51 anos, resume o enredo da pr�pria vida. O v�cio em crack o fez perder a fam�lia, os amigos de inf�ncia, o emprego, a autoestima e o sorriso. A vontade de vencer o v�cio e o contato di�rio com a literatura lhe devolveram a alegria. “Fui um sem-teto at� fevereiro passado. Agora, ganho a vida negociando meus livros”, conta, orgulhoso, o autor de O poeta ambulante I e O poeta ambulante II – cada um custa R$ 5.
A chamada popula��o em situa��o de rua cresceu 57% em Belo Horizonte em 10 anos, somando 1.827 homens e mulheres em 2013, ano-base do �ltimo censo sobre o assunto. Problemas familiares (52% das respostas) s�o o principal motivo entre os que levaram essas pessoas a deixarem seus lares. O segundo � a depend�ncia do �lcool ou drogas il�citas (43,9%).
Roberto deixou Governador Valadares, na companhia da m�e e de tr�s irm�os, quando crian�a. A fam�lia morou em bairros da Regi�o Leste de BH, onde o rapaz estudou at� a sexta s�rie, se casou e teve tr�s filhos. J� adulto, conheceu o crack. Logo se tornou um viciado. E seu casamento, de 20 anos, n�o resistiu aos problemas causados pela depend�ncia da droga.
“Para bancar o consumo do crack, vendi at� os aparelhos de celular dos meus filhos. A esposa me largou. Foi com as crian�as – tenho duas meninas e um rapaz – para Salinas (Norte do estado). J� eu fui para a rua”, recorda. A droga tamb�m n�o lhe poupou o emprego de pedreiro. Foram dias e noites dif�ceis. “Fiquei debaixo de marquise por quase dois anos e meio.
Em 27 de fevereiro de 2013, numa abordagem policial, um sargento me disse que duas ou tr�s pessoas, em cada 100 viciados, conseguem largar o crack. Da� eu pensei: ‘Sou um desses dois ou tr�s’. O policial me levou para o programa SOS Drogas”. Amparado por especialistas, Roberto foi encaminhado ao Centro Mineiro de Toxicomania (CMT). E come�ou a frequentar a unidade do Bairro Cruzeiro do centro de refer�ncia em sa�de mental (Cersam), cujo objetivo � ajudar o paciente a reconstruir a vida.
Viagens Foi l� que o valadarense come�ou a ter contato com a poesia. Das viagens da droga, ele passou a viajar nos textos de Gon�alves Dias (1823-1864) e Castro Alves (1847-1871). “Tamb�m nos de Vin�cius de Moraes (1913-1980). Estudei apenas at� a sexta s�rie, mas sempre gostei muito de ler”, conta o rapaz, que come�ou a criar e a declamar versos. Os profissionais do Cersam o estimularam a publicar a primeira obra, conclu�da em 2014. A segunda foi lan�ada h� poucos meses.
Uma das poesias tem a Lagoa da Pampulha, cart�o-postal da capital, como pano de fundo. Batizado de O pato rodou, o texto sugere um final infeliz: “Eu fiquei imaginando/ O mist�rio da natureza/ Aquele pato nadando/ Quanta clama e sutileza/ Me lembrei do jacar�/ Me bateu uma tristeza”. Ele recorreu � fauna para outra poesia: “Tico-tico no fub�/ Sabi� na laranjeira/ Tartaruga tracaj�/ Maritaca bagunceira/ A pregui�a l� est�/ Dormindo a tarde inteira”.
O texto foi batizado de Bichos do Mato, nome que faz Roberto se lembrar da �poca em que morava na rua: “Certa vez, fiquei 16 dias sem tomar banho. Parecia um bicho. Eu n�o aguentava o meu pr�prio cheiro. Usei a mesma cueca. Quando tomei banho, no terminal rodovi�rio de Belo Horizonte, fiquei assustado com a cor da �gua”.
Roberto agora trabalha em um novo projeto. Estimulado pela atriz, cantora, contadora de hist�ria e professora de literatura Jh� Delacroix, ele planeja publicar uma colet�nea de cordel no pr�ximo ano. “Percebi que ele tem tino para o cordel. Os cordelistas est�o cada vez mais raros nos grandes centros urbanos”, conta a professora de literatura do Cersam.
Jh� adianta que o trabalho ter� como tema a vis�o de um homem sobre o universo feminino, levando-se em conta os movimentos sociais. “� a vis�o dele, como homem, sobre o universo feminino, assim como o que as mulheres querem hoje em dia”, refor�ou a professora.