
Nem mesmo cerca de tr�s d�cadas de legisla��o foram suficientes para barrar um crime de registro hist�rico. Ontem, quando a Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que pune atos de preconceito de ra�a ou de cor, completou exatos 27 anos, uma publicit�ria e jornalista recebia apoio nas redes sociais depois de denunciar agress�o verbal que teria sofrido dentro de um supermercado da Regi�o Central de Belo Horizonte, na �ltima segunda-feira. Etiene Martins, de 32 anos, acusa um seguran�a terceirizado do estabelecimento de t�-la impedido de entrar com a mochila na �rea de compras e afirma que o funcion�rio mostrou o cassetete para intimid�-la, dizendo ainda que ela era “do tipo de gente que rouba aqui todos os dias”. Casos como o de Etiene fazem parte de uma realidade persistent. Depois de registrar queda entre 2011 e 2013, os crimes de racismo voltaram a subir e somaram 326 den�ncias no ano passado.
Segundo a delegada, mulheres s�o as principais v�timas do crime. Mas, pela observa��o dos registros de ocorr�ncia, percebe-se que muitas pessoas n�o d�o continuidade � representa��o. “A grande maioria das v�timas n�o est� exercendo o direito delas. Fazem a ocorr�ncia, mas n�o representam para o autor ser processado. Muitas tamb�m n�o sabem que, al�m da a��o penal, podem ingressar com uma a��o civil de repara��o de danos morais, que � patrimonial”, ou seja, pode resultar em indeniza��o financeira, alertou.
O coordenador-geral de educa��o para as rela��es �tnico-raciais da Secretaria de Educa��o Continuada, Alfabetiza��o, Diversidade e Inclus�o do Minist�rio da Educa��o (MEC), Rodrigo Ednilson, destaca dois movimentos importantes para explicar o avan�o no n�mero de den�ncias de crimes raciais em Minas. Ele explica que, por um lado, negros est�o cada vez mais “empoderados de cor, seu cabelo crespo e de sua cultura e, por isso, n�o aceitam mais atitudes de discrimina��o. Mas, ao mesmo tempo em que as pol�ticas avan�am, tamb�m surgem movimentos de contrarreforma que n�o digerem a presen�a do negro em espa�os como universidades e no mercado de trabalho”, disse.
� o que pretende fazer na pr�xima semana a m�dica e cantora J�lia Rocha, que ao reler, na segunda-feira, uma reportagem em que � citada por ocasi�o do Dia do M�dico, em outubro do ano passado, viu que nos dias seguintes � publica��o ela foi alvo de preconceito racial. O post criticava o cabelo dela, dando a entender que o negro n�o tem higiene. “Vou denunciar sim. A luta contra o racismo n�o tem objetivo de fazer o racista amar a pessoa negra, mas de interromper o ciclo de dissemina��o desse �dio descabido e fazer com que outras pessoas n�o sejam contaminadas. Quem sabe daqui a um tempo a gente n�o veja um efeito disso...”, comentou.

BARRADA NA ROLETA No caso de Etiene, ela conta que foi � unidade do supermercado O Dia, na Rua da Bahia, para comprar duas l�mpadas, por volta das 18h. Na entrada, havia uma catraca, e ao lado, os caixas. Ela se aproximou do seguran�a para perguntar onde era a entrada e alega ter recebido resposta agressiva. O homem teria gritado para ela colocar a mochila no guarda-volumes. “O supermercado parou, funcion�rios e clientes voltaram a aten��o para n�s”, conta. Etiene disse que, depois de perceber que todas as clientes do supermercado estavam com suas bolsas, perguntou por que deveria guardar a mochila dela. O seguran�a, conta a publicit�ria, questionou se ela “n�o sabia ler” e apontou para um painel na parede, com dezenas de t�picos, um deles dizendo ser proibida a entrada com bolsas, sacolas e mochilas. Etiene conta que, durante a discuss�o, outro cliente passou pela catraca e entrou na loja com uma mochila sem ser abordado.
Segundo Etiene, ela decidiu entrar na �rea de compras para procurar a ger�ncia da loja. Nesse momento, relata, o seguran�a teria tirado o cassetete da cintura. “Mesmo com medo, perguntei se ele achava que eu pretendia roubar a loja. Ele disse: ‘� esse tipo de gente que rouba aqui todos os dias’”. A publicit�ria conta que foi at� a encarregada da loja para relatar a situa��o e recebeu a resposta de que n�o era a primeira vez que esse tipo de epis�dio ocorria com o seguran�a, que seria de uma empresa terceirizada. A funcion�ria teria dito ainda que estava esperando o ac�mulo de uma certa quantidade de reclama��es para pedir a substitui��o do profissional. Etiene decidiu, ent�o, chamar a Pol�cia Militar e registrar boletim de ocorr�ncia. Segundo a PM, o seguran�a negou ofensas e gritos e afirmou que apenas orientou a cliente a n�o entrar com a mochila.
Etiene fez um desabafo no Facebook. No in�cio da tarde de ontem, a postagem registrava mais de 400 compartilhamentos e 1,6 mil curtidas. “A gente que � negra passa por esse tipo de situa��o, mas foi a primeira vez que eu passei de uma forma t�o expl�cita”, disse. Ela afirmou que buscar� orienta��o de um advogado e acionar� o Minist�rio P�blico “para evitar que mais um caso de discrimina��o fique impune”. Por meio de nota, a rede de supermercados O Dia lamentou o caso e informou que “n�o compactua com qualquer destrato aos clientes cometido por funcion�rios e/ou terceiros”. Ontem, a empresa apurou o ocorrido e decidiu afastar o acusado. “O funcion�rio, terceirizado, j� foi desligado de suas fun��es”, afirmou.
Enquanto isso...
Mensagem escandaliza a �frica do Sul
O Congresso Nacional Africano (ANC), o partido no poder na �frica do Sul desde o fim do regime racista do apartheid, em 1994, anunciou ontem uma den�ncia por ultraje contra “v�rios sul-africanos que publicaram mensagens racistas nas redes sociais”, depois de Penny Sparrow, uma agente imobili�ria branca de Park Rynie, na prov�ncia de KwaZulu-Natal (leste), ter comparado negros a macacos no Facebook. “A partir de agora, chamarei de macacos os sul-africanos negros porque os pequenos e ador�veis macacos selvagens fazem o mesmo que eles: pegam e jogam o lixo”, escreveu, referindo-se � sujeira deixada na praia na virada do ano. Diante do esc�ndalo, Sparrow apagou sua mensagem e pediu desculpas, afirmando que “n�o queria insultar ningu�m”.