
Desde o inc�ndio, Coelho revela ter mandado instalar mais um extintor de inc�ndio na pr�pria sala, por precau��o, embora j� houvesse outro equipamento no corredor. Faz o �ltimo coment�rio distra�do, enquanto acompanha pela tev� o primeiro dia da vota��o do impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado. Coelho conta ter estado presente no processo igual de Fernando Collor de Mello, em 1992, quando votou a favor do impedimento. Preferia estar aqui na Santa Casa ou l� no Congresso?, � feita a pergunta � queima-roupa. “Na Santa Casa. D� trabalho, mas � mais gratificante”, responde o ex-presidente da extinta Telecomunica��es de Minas Gerais (Telemig), que carregou para a Santa Casa o modelo de gest�o da telef�nica, incluindo o seu bra�o direito � �poca, Gon�alo Barbosa, que atualmente concentra as superintend�ncias de planejamento, finan�as e recursos humanos do grupo.
Ajustes
Ex-diretor sindical, o superintendente de finan�as e recursos humanos, concomitantemente, Barbosa diz que evita ao m�ximo fazer cortes na folha de pagamentos, que corresponde a R$ 18 milh�es mensais entre sal�rios e encargos, mas que este m�s houve 120 demiss�es na Santa Casa. “Tamb�m vamos rever os valores dos contratos com nossos mais de 550 fornecedores. Estamos trocando a marca da cera usada no ch�o at� o fio cir�rgico e os medicamentos por gen�ricos, revendo toda a estrutura sem comprometer a qualidade da assist�ncia”, garante o superintendente, segundo o qual os atrasos nos repasses do governo federal levam em m�dia 50 dias, por meio do governo municipal, e os do governo estadual j� acumulam cinco meses.
Com jeito pacificador, o provedor Saulo Coelho tenta tranquilizar como pode a sua diretoria, que desde que ele assumiu foi encolhida de oito para tr�s superintend�ncias. “Se voc� disser ao analista de um banco que uma empresa est� devendo R$ 3 milh�es por m�s, ele vai falar logo que est� quebrada. No entanto, a Santa Casa n�o est�. Os pacientes continuam sendo atendidos e muita gente nos estimula com agradecimentos e sugest�es”, explica o ex-pol�tico, que est� pensando em aumentar o caixa da institui��o apostando em repasses de emendas parlamentares e em projetos culturais e de preserva��o do patrim�nio com o apoio da Lei Rouanet. Por fim, Coelho cita uma frase atribu�da ao seu antecessor mais longevo: “A Santa Casa � um milagre que se renova a cada dia”.
Fogo come�ou em ventilador
Apesar de ser um dos �ltimos erguidos pelo Grupo Santa Casa, na d�cada de 1940, nem mesmo o pr�dio principal de 11 andares, onde est�o alojados os pacientes, que se sobressai dos demais pela altura e pelo duvidoso tom azul- calcinha, est� imune ao risco de sofrer um inc�ndio. A estrutura, que completa 70 anos em junho, mais nova em rela��o �s outras do s�culo passado, foi projetada com acesso dos elevadores pela torre central, o que inviabiliza a adapta��o de portas corta-fogo, por exemplo. “Estava de f�rias no dia do inc�ndio, mas uma pessoa me ligou na hora para avisar. Naqueles segundos, imaginei o pior cen�rio, pensando que o fogo tivesse atingido o pr�dio principal. Poderia ter sido pior”, desabafa o superintendente-geral, Porf�rio Andrade.
Com o jaleco branco, o m�dico percorre os destro�os do acidente provocado pelo curto-circuito em um ventilador de teto, que destruiu 100% dos equipamentos m�dicos em manuten��o, avaliados em R$ 4 milh�es, mas curiosamente preservou mais da metade das fichas e prontu�rios em papel dos milhares de pacientes recentes que j� estiveram internados na Santa Casa. “Provavelmente surgiu daqui o foco do inc�ndio, segundo explicaram os bombeiros. Este ventilador deve ter encostado em alguma prote��o e ficou parado. O material foi se aquecendo progressivamente e entrou em curto, mas n�o chamou a aten��o de ningu�m”, detalhou Andrade, que interditou o pr�dio por recomenda��o dos t�cnicos da defesa-civil que, entretanto, n�o chegaram a condenar o que restou da estrutura. A decis�o de demolir est� a cargo dos respons�veis.
Guardadas em arquivos de metal, que isolam a entrada de oxig�nio, parte das fichas restaram chamuscadas pelas chamas, mas permanecem com os dados intactos, escritos em m�quinas de datilografia. Em sua maioria, as fichas s�o identificadas pelo nome do paciente e suas profiss�es: servente, lavrador, balconista... “Perdemos um percentual pequeno de 30% a 40% de prontu�rios recentes, mas temos arquivado nos sistemas de computador o nome do paciente e de onde ele veio. Esse n�o � o maior dos nossos problemas”, afirma Andrade, esclarecendo que prontu�rios datados do s�culo passado e a mem�ria das gera��es antepassadas atendidas pela Santa Casa est�o resguardadas por empresas especializadas em arquivar documentos, distribu�dos em lugares diferentes de Minas. A cada m�s, somam-se outras 3,5 mil novas fichas de altas no hospital, em propor��o crescente desde 2008.
Urg�ncia
Entre as decis�es a serem tomadas de urg�ncia, com a queima do pr�dio centen�rio, est�o a realoca��o dos setores de engenharia de medicina e dep�sito, al�m da reposi��o dos equipamentos que estavam em manuten��o. “Perdemos R$ 1 milh�o em aparelhos respiradores, mas temos cerca de 200 como esses funcionando na UTI neonatal. A cada duas horas nasce um beb� na Santa Casa”, ilustra Andrade, com pena de verificar o respirador de �ltima gera��o, da melhor marca dispon�vel no mercado, com os bot�es de regulagem derretidos e vidros estilha�ados. Ao todo, as perdas em equipamentos atingem perto de R$ 4 milh�es, entre tom�grafos, balan�as e mesas de cirurgia.
Passado o susto, a expectativa da Santa Casa � evitar que novos focos de inc�ndio atinjam os outros 12 pr�dios que comp�em o quarteir�o inteiro do complexo, localizado estrategicamente na regi�o hospitalar de BH. “Aqui o teto e o forro do piso eram inteiramente de madeira, presos a colunas muito pesadas de concreto. Assim que pegou fogo no teto, as madeiras ca�am no ch�o e incendiavam, criando rea��o em cadeia. As paredes com mais de 40 cent�metros criavam uma panela de press�o por dentro, ao mesmo tempo em que isolavam o calor em rela��o aos outros pr�dios. Foi o que salvou”, explica. Dos outros pr�dios constru�dos na mesma �poca, o da Hilda Brand�o j� est� com a reforma adiantada, mas a antiga enfermaria, ao lado da maternidade, preserva a mesma estrutura do dep�sito, com teto e piso em madeira.
Doa��es que salvam vidas
“Pode tirar foto porque hoje estou bonita”, sorri Joicymara Martins Oz�rio, de 24 anos, com as tran�as nos cabelos cuidadosamente ajeitadas pela enfermeira Ana Caroline. Depois de ficar entre a vida e a morte ap�s o parto do ca�ula Caleb, a paciente de Tumiritinga come�ou a melhorar no Dia das M�es, quando foi desentubada. Chegou a ter febre de 42 graus, manifesta��o de uma peritonite aguda, sendo tratada com compressas de gelo por 10 dias na UTI, ao custo de R$ 6 mil por dia. Pelo tratamento, o SUS reverte no m�ximo R$ 1,5 mil di�rios, limitados a 15 dias per capita.
A jovem m�e foi atendida na UTI Jonny de Andrade Faria, que leva esse nome em homenagem � m�e do banqueiro Aloysio de Andrade Faria, um dos homens mais ricos do pa�s, que em 2011 fez doa��o de R$ 6 milh�es � Santa Casa. Com o recurso, foram revitalizadas as UTIs do segundo e do d�cimo andares do hospital, com 40 leitos cada uma, que contrastam com o restante do piso de corredor da enfermaria, ainda antigo. “Uma senhora de muitas posses, querendo deixar o invent�rio organizado, perguntou qual era a necessidade de momento da Santa Casa. Pagou diretamente na f�brica por 10 ber�os da melhor marca do mercado, com respirador acoplado, al�m de um aparelho de ecocardiograma avaliado em R$ 74 mil”, conta a pediatra Filomena Camilo do Vale, que se nega a revelar a identidade da doadora, a pedido dela pr�pria.
Doa��es como essas garantem a sobreviv�ncia da Santa Casa, al�m do atendimento em larga escala pelo SUS.
Mem�ria
Chegada com a cidade
No Brasil, as santas casas existem desde a primeira metade dos anos 1500 com a miss�o de atender aos pobres. Em Belo Horizonte, o complexo hospitalar nasceu dois anos depois da funda��o da cidade, em 1889. Nos anos 1940, passou por amplia��o com a constru��o do pr�dio principal pelo provedor Jos� Maria Alkmin, que atualmente aloja os pacientes e se destaca pela altura. Al�m do atendimento a pacientes 100% SUS, o grupo conta com funer�ria humanizada e investimento no hospital-escola, com mestrado e doutorado em enfermagem e mais de 150 pesquisas cl�nicas em andamento.